A ópera é uma combinação de música e texto que pertence ao gênero musical dramático. É uma forma de, através da música, encenar uma peça ou contar histórias, com atos, movimentos e passagens. A ópera hoje em dia é um evento para poucos, em geral voltado às classes com mais dinheiro e cultura, mas isso nem sempre ocorreu desse modo.
Características
A ópera é uma representação cênica de caráter lírico-dramático. Em outras palavras, é uma peça teatral onde a história e o próprio movimento das personagens recebe o compasso da música, que dita o ritmo, duração, e acompanha as evoluções dos personagens e do enredo. As falas são algo entre um recitar e um canto, ditas e cantadas por artistas que possuem vozes melódicas, escolhidas pelo autor da ópera conforme sua tonalidade, timbre e potência.
A ópera tem orientação dramática, e os personagens dialogam entre si. O cenário e a montagem do palco exigem ambientação. As óperas são em geral divididas em partes, como uma sinfonia. Entre as partes mais comuns e importantes da ópera, podemos citar:
- a abertura (instrumental)
- os coros (conjuntos vocais)
- os interlúdios (instrumentais)
- as árias (vozes solistas)
- o balé (dança performática que acompanha melodia e enredo)
Distinguem-se a ópera séria e a cômica da ópera bufa. As duas primeiras, historicamente de caráter aristocrático, extraíam seus temas da mitologia clássica e da cultura greco-romana, contando histórias épicas e grandiosas, com personagens conhecidos e enredos clássicos.
A ópera bufa, por outro lado, possui um apelo às massas e surgiu como forma de contar histórias do cotidiano. A bufa refletia o teatro popular da Idade Média, onde se viam aspectos da vida feudal e um olhar cômico em relação às entidades dominantes da nobreza e do clero. Na forma de uma peça de escárnio, artistas conseguiam passar uma crítica social, ao mesmo tempo em que ofereciam entretenimento para as classes menos favorecidas. Após o Renascimento, a bufa manteve o seu tom popularesco, agora exibida em teatros e casas de espetáculos.
Nascimento e desenvolvimento da ópera
A ópera começou em Florença, desenvolveu-se em Veneza e Roma e alcançou pleno êxito em Nápoles no final do século XVII. Surgiu como uma forma de dar cenário às grandes peças da música que atingiam o seu auge, e ao mesmo tempo de criar uma produção mais rica, que pudesse unir o teatro, a orquestra e levar a um espetáculo mais rico e diferente.
A ópera em Florença
O Renascimento voltou o olhar à Antiguidade clássica – antigas peças gregas famosas, como Édipo Rei, teriam sido encenadas na Grécia Antiga acompanhadas de música e, talvez, com versos cantados. O vestígio escrito dessas obras prevalecia, mas não havia mais traços de sua encenação musical e teatral. As apresentações gregas uniam dança, música e teatro – e italianos renascentistas buscavam um novo apelo. Um grupo de humanistas que se reunia em Florença, ao final do século XVI, nos salões dos condes Bardi e Corsi, buscava um novo estilo em que, fundidas palavras e música, fosse produzida uma obra de maior expressão dramática.
Artistas e humanistas fundaram um movimento chamado de Camerato Fiorentina. A primeira grande conquista do grupo foi fazer surgir o ritmo recitativo melódico. Nessa variante, as tônicas e acentos do texto eram ressaltados e acompanhados por um baixo, além de interrompidos pelo coro.
Curiosamente, Vincenzo Galilei (c. 1520-1591), pai do astrônomo Galileu Galilei, compôs e interpretou com sucesso ele mesmo uma cena dramática baseada no lamento de Ugolino da Divina Comédia. O pai do astrônomo baseou-se no famoso livro do poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321).
O sucesso da peça de Vincenzo levou o conde Bardi a encomendar junto ao dramaturgo Ottavio Rinuccini (1562-1621) e aos músicos Jacopo Peri (1561-1633) e Giulio Caccini (c. 1550-1618) obras no novo estilo. Assim nasceu a ópera Dafne, representada durante o carnaval de 1597 no Palácio Corsi, cuja música se perdeu. Assim como ocorria com pintores e escultores, os mecenas italianos agora buscavam espetáculos teatrais novos para financiar – e a ópera era o principal ponto de investimento.
Três anos mais tarde, durante as festas celebradas pelas bodas de Maria de Médici com Henrique IV da França, estreou no Palácio Pitti a ópera Eurídice. Nessa altura as óperas já eram famosas e faladas nas principais cortes europeias e entre aristocratas. Eurídice é primeira ópera que ainda se conserva na íntegra. Foi escrita por Rinuccini e a música composta por Peri, com alguns coros de Caccini.
O passo seguinte ao recitativo melódico, já algo bem parecido com a ópera, surgiu da necessidade de que as vozes solistas interpretassem fragmentos musicais mais densos. Vozes potentes trariam mais emoção ao texto e às peças, acompanhadas do instrumental melódico. Apareceu dessa forma a ária. Grandes compositores passaram a incluir linhas específicas para os solistas em suas partituras. A orquestra acompanhava, assim como o coro, e o solo se destacava do restante da peça musical.
A ópera em Roma
Os experimentos da Camerata Florentina estenderam-se rapidamente e com força por toda a Itália. No mesmo ano em que se representava Eurídice em Florença, em Roma a proximidade do Vaticano exigia uma peça sacra como ferramenta “inaugural”. A primeira delas levou o título de Rappresentatione di Anima, et di Corpo, de Emilio de Cavalieri (1550-1602). Outras peças de ópera com enredo sacro se seguiriam, como o drama sacro San Alessio, e logo abririam espaço para temas mais diversos, como os de Filippo Vitali (c. 1590-1653), que compôs L’Aretusa, Domenico Mazzocchi 1592-1665, a quem se deve Catena di Adone, e Luigi Rossi (c. 1597-1653), com Orfeu.
A ópera ganhava rápida popularidade – mas os temas sacros e dramáticos já não pareciam suficientes para saciar a plateia. A encenação se tomou mais luxuosa e introduziu-se um personagem cômico – nascia a ópera cômica.
Dois cardeais católicos – Barberini (1597-1679) e Rospigliosi (1600-1669) – atuavam no mecenato musical e, a despeito de posições contrárias, proporcionaram espaço para o gênero cômico. Ambos escreveram seus próprios libretos cômicos, criando uma cena na qual a comédia era “validada” pela própria Igreja.
Contudo, o papado de Inocêncio X (1644-1655) criou um momento de baixa e quase um abandono da ópera, que somente viria a se recuperar em Roma décadas depois.
A ópera em Veneza
Veneza era uma das cidades mais importantes da Itália em meados do século XVII – e junto com Florença uma das capitais da cultura renascentista que brilhava. Em Veneza, nessa época, temas greco-romanos ainda estavam no foco das óperas, que não davam grande importância ao coros – nas produções locais, cantores e árias mereciam mais destaque, enquanto o instrumental se expandia para a criação de elaboradas introduções – as “aberturas”.
O grande mestre da escola veneziana foi Claudio Monteverdi (1567-1643), que viveu em Mântua e em Veneza, onde compôs grande parte de suas óperas. Seu papel no impulso definitivo do gênero foi decisivo. Desgarrou-se das óperas florencianas e deu mais foco à orquestra, procurando movimentos e melodias que retratassem melhor o tom teatral que a ópera seguia. Em Mântua, estreou a primeira ópera de fama duradoura, Orfeu (1607), e um ano depois compôs uma nova ópera, Arianna.
Em 1613, Monteverdi chegou em Veneza. Compôs diversas óperas, atingindo o seu auge com a inauguração doprimeiro teatro público de ópera em 1637, o São Cassiano. As peças II Ritorno d’Ulisse In Patria (1640) e L’incoronazione da Poppea (1642) foram sucessos estrondosos.
Outros compositores surgiram e obtiveram sucesso e fama em Veneza. Francesco Cavalli (1602-1676) foi um compositor aristocrático, que tratou de temas da mitologia antiga e da história romana e oriental. Sua ópera Ercole Amante (1662), foi uma encomenda para o casamento de Luís XIV.
Antonio Cesti (1623-1669), outro a se destacar, estreou suas óperas em Viena, com II pomo d’oro (1668), famosa ópera de gala do casamento do imperador Leopoldo I com Margarita da Espanha. Cesti não apenas compunha, mas também era um tenor hábil e cantava muitas de suas peças.
A ópera em Nápoles
A ópera nasceu em Florença, enriqueceu-se em Veneza e Roma e alcançou o máximo esplendor em Nápoles, onde adquiriu características próprias que levariam à ópera napolitana. As técnicas vocais na ópera ganharam outro nível em Nápoles. Cantores começavam a se tornar “divas”, assumindo o centro das óperas e colocando orquestras e coros sob sua “regência”.
O principal representante da ópera napolitana foi o siciliano Alessandro Scarlatti (1660-1725). Encontrou seu próprio estilo com a obra Pirro e Demetrio (1694). Scarlatti foi autor de mais de cem obras, muitas com temas ainda greco-romanos, tais como Mitrídates Eupátor (1707), Telêmaco (1718) e Griselda (1721).
Outro grande nome de Nápoles, Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736), criou o cenário para o grande sucesso e maturidade da ópera bufa. Enquanto em Veneza e Florença ainda seguiam tons sacros, heróicos e grandes dramas, a comédia ganharia outro nível no sul italiano.
A ópera bufa napolitana
No século XVIII, Nápoles criou a ópera bufa como reação ante a falta de comicidade que se fazia sentir nos libretos de Apostolo Zeno (1668-1750) e Pietro Metastasio (1698-1782). As grandes plateias populares podiam estar mais presentes – e compositores viram a comédia e o escracho como uma forma óbvia de trazer ainda mais gente às suas apresentações. Contudo, a “bufa” não era simplesmente uma comédia. Nas bufas eram poucos os personagens – muitas vezes um dueto – e as tramas seguiam traços da vida cotidiana. As vozes eram naturais e as árias muitas vezes eram baseadas em cantigas existentes e na tradição oral das comunidades. As palavras e o vocabulário era simples – acessível. Raramente atuavam baixos e barítonos – mesmo para personagens masculinos, as vozes mais agudas eram o centro – criando um tom mais cômico.
A bufa e os movimentos mais sérios do norte italiano se espalhariam pela Europa. Grandes compositores clássicos, até como forma de expandir sua influência e sob encomenda de seus mecenas, criariam peças para a eternidade: como A Flauta Mágica, de Mozart, Tosca e Madame Butterfly, de Puccini, e tantas outras.
Referência:
A. Harman, in. História da música: Renascença e Barroco, volume II, vários autores, dirigida por Alec Robertson e Denis Stevens, Ulisseia, Lisboa, i 963.
Por: Carlos Artur Matos