A proposta modernista brasileira era a de “ver com olhos livres“, sem limitações, sem fórmulas, procurando soluções artísticas próprias e originais. O sentimento de liberdade de criação irmanava a todos os que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922.
O desejo de romper com a cultura tradicional e acadêmica fez com que se juntassem várias tendências de renovação (cada artista simpatizava com uma ou outra vanguarda europeia), e diferentes campos das Artes (literatura, música, pintura, arquitetura, escultura), promovendo um riquíssimo intercâmbio de ideias e técnicas.
Embora a repercussão dos eventos da Semana, na época em que ocorreram, não fosse além dos limites metropolitanos de São Paulo e Rio de Janeiro, suas propostas foram essenciais para guiar as Artes brasileiras no século XX.
Contexto histórico
O Modernismo no Brasil foi se configurando gradativamente, a partir de fatos sociais e artísticos ocorrentes durante toda a vigência do Pré-Modernismo.
A seguir são apresentados, cronologicamente, vários desses fatos, selecionados entre muitos outros, mas, dentre eles, há alguns mais decisivos no sentido da eclosão e do estabelecimento do Modernismo, como, por exemplo, a exposição de pintura de Anita Malfatti de 1917.
Registre-se, ainda, que o surgimento do Modernismo aconteceria mais cedo ou mais tarde, pois essa existência fervilhava no ventre de um processo social que era natural, considerando as circunstâncias em que esse processo se dava.
- 1912: Oswald de Andrade retorna da Europa e divulga o Manifesto do futurismo, de autoria de Marinetti.
- 1914: A Primeira Grande Guerra viria a agilizar o processo de industrialização de São Paulo, cenário dava a cidade um contexto cosmopolita efervescente.
- 1915: início do Modernismo português com a revista Orpheu.
- 1917: Anita Malfatti organiza uma exposição de pinturas, gravuras, aquarelas, caricaturas e desenhos, nas quais era nítida a orientação expressionista, uma das recentes tendências europeias.
- 1918: fim da Primeira Guerra Mundial. No Brasil, a burguesia enfrenta a tradicional aristocracia rural.
- 1921: Mário de Andrade publica, no Jornal do Comércio, a série Mestres do passado, em que analisa a poesia de: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Francisca Júlia e Vicente de Carvalho, ironizando-os, e publica o poema Paulicéia desvairada.
- 1922: centenário da Independência do Brasil; fundação do Partido Comunista; Tenentismo. Artur Bernardes é eleito presidente; Semana de Arte Moderna em São Paulo, revista Klaxon (revista oficial do Modernismo brasileiro).
Alguns grupos de intelectuais vinham se reunindo desde mais ou menos 1914 e tentando assimilar e sistematizar as mudanças no Brasil e no contexto mundial.
Esses grupos, alterados no decorrer do tempo, viriam a ser identificados como modernistas.
Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna, início oficial do movimento modernista brasileiro, aconteceu no período de 11 a 18 de fevereiro de 1922.
Pelo ano de 1920, as discussões e os eventos sobre os novos conceitos de arte e sobre a renovação da arte brasileira já se encontravam bastante amadurecidos, além de haver, também, no cenário artístico e intelectual da época, um significativo número de pessoas engajadas nesse processo, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Esses modernistas souberam utilizar a vontade de ruptura cultural das vanguardas europeias como arma para o reconhecimento objetivo da realidade nacional.
Movidos por essa intenção, fazem, em 1922, a Semana de Arte Moderna, não só para enriquecer decisivamente nossa consciência artística, mas também para forçar o contato da intelectualidade brasileira com as novas correntes da arte europeia, chamadas genericamente de Vanguardas (Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Surrealismo, Dadaísmo).
Apesar da aversão dos modernistas, em geral, o conhecimento das tendências vanguardistas representava informação. A Semana de Arte Moderna teria, ainda, o aspecto histórico social: pregar a tomada de consciência da realidade social brasileira e da cultura emanada dessa realidade.
Participantes da Semana de Arte Moderna
- Literatura: Graça Aranha; Oswald de Andrade; Mário de Andrade; Menotti del Picchia; Ronald de Carvalho; Guilherme de Almeida; Plínio Salgado; Sérgio Milliet; Agenor Barbosa e outros
- Artes plásticas: Di Cavalcanti; Anita Malfatti; Tarsila do Amaral; Victor Brecheret; John Graz e outros
- Música: Heitor Villa-Lobos; Guiomar Novais; Ernani Brafa e outros
Primeira fase do Modernismo no Brasil
A principal arma de renovação dos modernistas brasileiros foi o trabalho com a pesquisa de uma linguagem livre de quaisquer normas e obrigações de métrica rígida, de rima regular e de uso de um vocabulário culto.
Seus textos privilegiavam o coloquialismo, a gíria, o verso livre, o erro gramatical como exemplo de usos típicos brasileiros. Ao mesmo tempo, procuraram fundir essa linguagem brasileira com influências estrangeiras oriundas do mundo da publicidade e das indústrias.
O uso do poema-relâmpago (textos curtíssimos, à moda cubista ou dadaísta) e do poema-piada (com muito escracho e bom humor) foram as descobertas dos modernistas que mais irritavam os acadêmicos e conservadores.
Os temas, sempre extraídos do cotidiano, eram tratados com irreverência, num processo constante de paródia à cultura, à arte e à literatura de épocas anteriores, destruindo, não somente os valores artísticos do passado, mas também os valores ideológicos, sociais e históricos que haviam formado o patriotismo brasileiro.
Dentre os autores do nosso primeiro modernismo, além de Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, destacaram-se Mário de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Raul Bopp, Menotti dei Picchia, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Ronald de Carvalho, Patrícia Galvão (a famosa Pagu) e Plínio Salgado.
O ideário modernista foi-se, ao longo da década de 1920, apresentando em manifestos e grupos organizados em revistas de cultura e literatura.
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Segunda fase do modernismo no Brasil
A prosa passou a ser o gênero mais cultivado na segunda fase, principalmente na vertente regionalista, com a produção de Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, José Lins do Rego e outros.
Tais autores, uns mais, outros menos, resgatam a atitude, algo difusa, mas válida, de românticos como José de Alencar, na tentativa de registrar os aspectos culturais de suas respectivas regiões, entretanto os modernos vão além disso, usando o texto também para analisar injustiças sociais, dificuldades com o trabalho, com o meio, falta de perspectiva de uma vida melhor etc.
Outra corrente da prosa desse período foi a prosa urbana, praticada por Érico Veríssimo, um pouco por Graciliano Ramos, além de José Geraldo Vieira e Marques Rebelo.
A prosa conheceu, ainda, a experiência intimista, principalmente com Dionélio Machado (Os ratos) e Graciliano Ramos (Angústia e Insônia).
Na poesia, a geração de 1930 não se preocupou tanto com ideias e inovações formalistas radicais e imediatistas da geração de 22, cuja missão, estabelecer uma nova arte, fora realizada.
A preocupação dos poetas de 30 voltava-se para problemas universais do homem; essa geração preocupava-se em expressar o desencontro ou a busca de conduta pessoal ou o esmagamento do homem, gerados pelo sistema capitalista.
Por isso, num dado momento, Jorge de Lima e Murilo Mendes aproximam-se da poesia existencialista de Carlos Drummond, enquanto Cecília Meireles e Vinicius de Moraes experimentam a poesia mais intimista e personalista.
Noutro momento, Jorge de Lima, Murilo Mendes e Cecília Meireles aproximam-se entre si, ao penderem para a poesia de expressão religiosa, enquanto Carlos Drummond trilha pela poesia de crítica social.
Poetas da geração de 22, como Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, incorporaram procedimentos da 2ª geração, enquanto alguns de 22 se mantiveram, em parte da produção, nos moldes desse período, como o próprio Carlos Drummond, que realizou experiências formais na linha da 1ª geração.
Essa amálgama temática fica mais evidente na obra de Jorge de Lima e na de Murilo Mendes, em vista da riqueza de posições de ambos.
- Aprenda mais: Modernismo – Segunda Fase
Terceira fase do modernismo no Brasil
Na terceira fase a literatura deixa de ter como preocupação principal as questões ideológicas e políticas, mantendo seu foco na questão estética e na pesquisa da linguagem, revelando assim uma preocupação maior com a forma e com o rigor textual.
Dessa geração fazem parte: na prosa, Clarice Lispector (1920-1977) e João Guimarães Rosa (1908-1967); na poesia, João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
Na prosa, o caminho é de manutenção de uma proposta intimista, já iniciada pela geração de 30, de marcante abordagem psicológica e introspectiva. Nessa vertente, destaca-se Clarice Lispector, que surpreende o leitor com narrativas complexas em uma ficção inovadora.
Por outro lado, o regionalismo assume uma dimensão mítica, com a recriação dos costumes e da fala sertaneja empreendida por Guimarães Rosa, experimentador radical da linguagem, que alia o erudito ao popular.
Na poesia, João Cabral de Melo Neto faz o contraponto, pregando a poesia “da pedra”, produzida com rigorosa técnica e precisão expressiva. Une o trabalho formal a uma profunda mensagem social, com acurada visão dos problemas humanos. Sua poesia influenciou outras correntes literárias, como o concretismo.
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Por: Renan Bardine