Chaplin e o cinema mundial
A história da mais nova das artes começa no dia 28 de dezembro de 1895, em Paris, no Grand Café do Boulevard des Capucines. Ali os irmãos Auguste e Louis Lumière, exibiram filmes curtos e simples como A Chegada de um Trem à Estação de Ciotat, sucesso imediato, todavia os Lumière não poderiam ficar exibindo sempre a mesma ‘fotografia animada’.
Os criadores da sétima arte não creram no futuro econômico do cinema, pensaram que aquilo seria apenas atração passageira. ‘O teatro, sempre seria líder na preferência dos homens’. O americano Thomas Alva Edison, ao contrário dos pais do cinema, via na nova descoberta grandes possibilidades financeiras, começando assim a explorá-las, e em 29 de abril de 1896, fazia a primeira exibição em Nova Iorque.
E no Brasil? Apenas seis meses após a estreia parisiense, no dia 08 de julho de 1896, no centro do Rio de Janeiro. Tanto em Nova Iorque como no Rio de Janeiro, O vivo demônio crescia, mas Paris continuava sendo sua capital, onde os irmãos Lumière continuaram exibindo sua invenção. Não se preocuparam com a observação do público, 18 meses depois, os espectadores abandonaram o Cinematógrafo.
Nos Estados Unidos, Thomas Edison se mostrava favorável às teses de uma aproximação do Teatro e da História. Nesta época os exibidores compravam alguns filmes, juntavam sua parafernália e saiam pelas cidades, em todo mundo esta cena era igual, e o Brasil não fugiu a regra, mais ou menos como em Bye Bye Brasil de Carlos Diegues. O primeiro cinema fixo surgiu em Los Angeles onde, anos depois, viria a ser o maior centro de produção cinematográfica do mundo: Hollywood.
Na Europa a preocupação não era exibir para grandes multidões, os produtores buscavam um público elitizado, dado a esta ideologia, entre 1907-1908 se comentava que o cinema estava prestes a perecer.
Em 1907, no Rio de Janeiro usando um Jeitinho Brasileiro, Francisco Serrador inovou com uma série de filmes falantes, os artistas eram filmados cantando, na exibição se escondiam do público e soltavam a voz, numa espécie de ventriloquismo davam impressão de um cinema “cantado”, isto 20 anos antes da criação do cinema falado.
Eis a primeira estrela milionária do cinema: Max Linder, brilhou em solo francês, participou de vários filmes, considerado por muitos um mestre da comédia – valendo tanto quanto Charles Chaplin. Embora Linder tenha brilhado na França, a constelação nasceria mesmo no escaldante solo Hollywoodiano.
Um tanto louco e com demasiada liberdade, Mack Sennet apostava na comédia, descobrindo nela diversos talentos, como Mabel Normand (1894-1930). As intermináveis perseguições policiais ridicularizadas por Sennet fizeram-no um dos Reis da Comédia.
No dia 02 de fevereiro de 1914, na equipe de Mack Sennet, surgiu Charles Chaplin, no filme Ganhando a Vida.
Os acontecimentos históricos e econômicos, como sempre voltariam a mudar o rumo da História, dando também ao cinema rumos diferentes. A primeira guerra mundial (1914) marcaria o declínio do cinema europeu e a definitiva supremacia americana, a Europa na guerra sangrava enquanto o cinema na América prosperava.
Brasil, 1915, A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo e Lucíola, de José de Alencar, foram às telas pelas mão do pioneiro Antônio Leal, possivelmente uma das primeiras tentativas de industrialização do cinema brasileiro.
Em 1917, Chaplin assinava um contrato no valor de um milhão de dólares e até 1920 realizaria alguns filmes notáveis como Vida de Cachorro e Ombro Armas!, ambos de 1918.
Vieram os anos 20, com prodigiosas explosões de talentos no cinema europeu, e consolidação de posições no americano. O Brasil continuava vivendo de esforços isolados, o que levou a publicação em 07 de maio de 1921 do artigo A Arte Cinematográfica no Brasil, de Amador Santelmo onde afirmava: “Na indústria do filme, o Brasil ainda dorme envolto em faixas, sem saber balbuciar uma palavra e no comércio de exibições é um dos grandes importadores a enriquecer fábricas estrangeiras”. O autor indaga ao leitor qual seria o motivo da não existência de produções de peso no Brasil, uma vez que temos artistas, operadores, rapazes galantes, lindas mulheres, escritores de argumentos, homens atléticos, temos ainda uma natureza única para o extraordinário. A resposta se dá ainda no artigo: ” O que não temos é capitalistas para explorar essa indústria e fazer lindas e bem posadas fitas que levem a verdura de nossas florestas, a grandeza de nossos rios, a vastidão de nossos campos, o antro de nossas feras, a beleza de nossas moças, fixadas na película sensível, a todos os recantos do globo.”
Será que tais argumentos, 80 anos depois, continuam os mesmos?
O produto global continuava nos Estados Unidos. O riso era uma arma invencível na mímica de Charles Chaplin.
Tempos Modernos – Produção e Histórico da Obra
Tempos Modernos começou existir por volta de 1932. Em princípio se chamaria “As Massas”, neste mesmo ano Chaplin contratou Paulette Goddard para trabalhar no filme, e num cruzeiro realizado em 1933 se casaram. Em 1934 os textos da obra ficaram prontos, e em outubro do mesmo deu início as filmagens, logo em 1935 teve fim a produção deste que foi o último filme onde Carlitos atuou. No dia 05 de fevereiro de 1936, no Rivoli Theatre, de Nova Iorque, Tempos Modernos teve sua estreia.
A obra custou um milhão e meio de dólares, mesmo com todo este capital envolvido, o filme foi recebido friamente pela crítica norte-americana que entendeu a obra como comunista, foi proibida sua exibição na Itália e na Alemanha, no entanto alcançou grande sucesso na Inglaterra, na França e na União Soviética.
Tempos Modernos satiriza a industrialização, utilizando cenas de sofrimento mostra a sociedade americana pós crise de 1929, num constante movimento de máquinas, homens e Estado (representado pela força policial) buscando a adequação social, isso os coloca em inevitável conflito.
Na fábrica a aceleração da produção causa crise psicomotora nos operários, protagonizado por Carlitos, ao sair do hospital este encontra a empresa fechada, na rua envolve-se numa turba, onde é preso acusado de liderança comunista, encarcerado o melancólico personagem evita uma fuga de traficantes, é solto pela polícia como forma de agradecimento. A fita segue com alternações de emprego, prisão e romance vivido com uma moça, órfã de mãe e com o pai morto numa manifestação trabalhista, os dois se identificam e juntos sonham as delícias do capitalismo.
A polícia novamente aparece, a jovem ainda é legalmente menor, por isso deveria estar sob a custódia do Estado. Não existindo outra alternativa, o jovem casal foge daqueles que deveriam “zelar pelo bem-estar da sociedade”, tudo recomeça na busca de tempos modernos.
Tamanha confusão faz com Carlitos enlouqueça, Villegas Lôpez resume este episódio na seguinte frase: “Em Tempos Modernos não temos mais o drama de Carlitos, mas Carlitos vivendo nosso drama”.
Embora usando recursos mímicos, Chaplin pela 1ª vez dá voz à Carlitos. Em Tempos Modernos é cantada uma canção de linguagem inteligível, mas de suma importância para a história do cinema, pois pela primeira vez um filme de Chaplin usa tal recurso, e única vez que Carlitos expressou com a fala.
Tempos Modernos inicia uma nova fase nas obras do cineasta, de agora em diante seus filmes teriam som, e Carlitos? Teria ficado obsoleto meio a tanta modernidade? Ora Carlitos, assim como “Tom e Jerry” não precisa de voz, seu constante movimento mímico por si só possui a Babel do entendimento, em qualquer língua poderíamos criar falsos e péssimos Carlitos, no entanto a mímica eternizaria aquele magnífico personagem.
Tempos Modernos – Satirização ou Profecia?
O filme Tempos Modernos, estrelado por Charles Chaplin, satiriza a industrialização. Assim utiliza a vida do pobre e todo seu sofrimento para isso.
O contexto social apresentado, permite estabelecer relações com nosso dia-a-dia, como se Chaplin estivesse tendo uma visão do futuro.
Filme engraçado, porém com sucessivas cenas de tristeza, onde se descreve a profunda melancolia da vida moderna, os homens enlouquecidos, voam atrás do tempo perdido, “o tempo, rindo de toda essa bobagem, passa ainda mais rápido, deixando esses pobres comendo poeira”. Neste dilema, os seres humanos se desgastam, destruindo suas vidas, tornando-as frias, duras e impessoais, pois a rapidez é essencial na existência desses “seres modernos”. O homem então constrói máquinas para agilizar e apressar seus afazeres. Surgem grandes indústrias com grandes aparatos de industrialização massacrando os homens num processo de mecanização, “num tempo que não é a vontade e consciência dos agentes históricos” como publicou Roberto da Matta, na sua A Fábula das Três Raças, ou o Problema do Racismo à Brasileira”.
Assistindo esta magnifica obra de Chaplin, as comparações com a atualidade são inevitáveis, onde podemos observar a industrialização gerando subempregos, e estes gerando diversos problemas sociais e pessoais, o processo de desenvolvimento acelerado, visto com olhos críticos, mostra-se como o grande usurpador das relações humanas, o tempo agora é gasto com máquinas, o que nos permite abrir espaço para uma pequena digressão, vamos a ela:
O avanço tecnológico da humanidade em suas diversas áreas, nasceram com o objetivo de diminuir a necessidade do trabalho manual, contribuindo assim para o bem estar do homem, pois este agora teria mais tempo para seu lazer, sua família e seu desenvolvimento intelectual, pois bem, com este objetivo o homem inventou a arma, substituindo o arco e flecha, inventou o automóvel, substituindo a tração animal, projetou a canalização, não tendo necessidade do poço cavado ou a ida ao rio. Poderíamos digitar páginas e páginas dedicadas a este assunto, assim não seria mais uma digressão, e este não é nosso objetivo. Dado esta explanação observamos na sociedade vivida ironicamente na pele de Carlitos a busca incansável do tempo perdido. A industrialização, a robotização, a informática, enfim o avanço tecnológico atingira o objetivo da melhoria da sociedade humana, ou de alguns humanos?
Voltemos ao texto:
Carlitos se despediu em Tempos Modernos, ou fora expulso pela modernidade alcançada pelo cinema? As palavras que Carlitos não ousou falar Chaplin as colocou nos lábios do Grande Ditador:
” O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, desviamo-nos dele. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da produção veloz, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz em grande escala, tem provocado a escassez. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade; mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.”
A ficção se faz realidade na vida de Charles Chaplin. A acusação de envolvimento comunista vivida por Carlitos, em Tempos Modernos se repetiu na vida do cineasta, parece-nos que o diretor profetizara o que viria a acontecer em 1952, quando recebeu a visita de funcionários do Departamento de Imigração. Eram os últimos dias de Chaplin nos Estados Unidos. Com a desculpa de tirar umas férias, foi para Nova Iorque apresentar Luzes da Ribalta à imprensa e, junto com sua mulher e os quatro filhos do casal, embarcou para Londres, no Quem Elizabeth, a abertura de uma nova investigação, solicitada pelo Fiscal do Estado, significou a ruptura definitiva com o país onde tinha vivido durante quarenta anos
A América do Norte perseguiu o cineasta por suas ideias e pelo seu modo de expressa-las, no Brasil um poeta, vindo de uma cidadezinha do interior de Minas Gerais homenageou o mais importante diretor de cinema de todos os tempos com o poema: Canto ao Homem do Povo – Charles Chaplin.