Francisca Edwiges Neves Gonzaga, dita Chiquinha Gonzaga, foi talvez uma das primeiras compositoras a alcançar fama e partilhar de uma herança que dura até os dias de hoje. Chiquinha também era pianista e suas composições – mais duas mil peças, além de 87 partituras de teatro musicado, a tornaram uma das mais célebres presenças femininas na história da música brasileira.
De família tradicional, Chiquinha Gonzaga enfrentou uma época na qual mulheres podiam ser quase nada além de donas-de-casa – e o chauvinismo era particularmente presente no meio artístico, em especial na área da música erudita. Chiquinha participou ativamente no movimento abolicionista, o que lhe rendeu ainda mais resistência para promover a sua arte, e também era uma republicana convicta.
Biografia
O cenário musical atual conta com a presença de muitas figuras femininas: cantoras, compositoras e instrumentistas. Contudo, nem sempre foi assim. Na primeira metade do século XX, ainda eram raras as mulheres levadas a sério no cenário musical – que dirá em meados do século XIX, quando viveu Chiquinha Gonzaga.
A compositora nasceu numa época nada amistosa para seus talentos, no Rio de Janeiro, em 1847. O Brasil era governado por Dom Pedro II e muito embora filosofias europeias mais liberais já se fizessem presentes em alguns segmentos da sociedade – em particular pregando abolicionismo, ainda tardaria mais um século até que as mulheres de fato começassem a conquistar igualdade de direitos na sociedade.
Numa época onde o feminismo sequer era um tema, Chiquinha destacou-se não apenas pelo inigualável talento como compositora, mas por sua postura pioneira na história do feminismo brasileiro. As origens de Chiquinha a beneficiavam ainda menos na conquista de sua carreira: filha de pai militar, a compositora era neta de escravos também. O prestígio de sua família, contudo, a poupou de mais preconceitos e mazelas – teve, por exemplo, o ilustre Duque de Caxias como padrinho, sendo educada pelos professores mais brilhantes do cenário carioca. Não seguisse a carreira da música, Chiquinha provavelmente teria sido uma conhecida “socialite” no Rio de Janeiro imperial.
Aos 11 anos, compôs sua primeira obra, e, aos 16, casou-se pela primeira vez com um empresário escolhido por seu pai, como era típico na época. Teve três filhos, mas o casamento durou pouco, pois sua dedicação ao piano era maior do que a que devotava a seu marido.
Ao abandonar o casamento, algo impensável na época, e passando a viver com o engenheiro João Batista de Carvalho já aos 18 anos, Chiquinha causou furor na sociedade: divórcios eram bastante raros e geralmente pedidos pelo homem. A compositora perdeu a guarda dos filhos e apenas conseguiu permissão para criar seu primogênito.
As bases aristocratas foram tiradas de Chiquinha, que sozinha mergulhou na composição e no piano – criando ainda mais furor. Em 1870, conseguiu um “passaporte de entrada” no mundo da boemia, entrando para o grupo Choro Carioca. A pequena e inusitada fama nas noites cariocas como compositora abriram caminho para missões tão nobres quanto a música.
A partir daí, passou a militar a favor da abolição da escravatura, da proclamação da república e da defesa dos direitos da mulher, época em que ninguém cogitava a palavra feminismo. Chegou a vender suas partituras musicais de porta em porta e, com o dinheiro arrecadado, comprou a alforria de um escravo que possuía talento musical.
Mas a contribuição da artista não beneficiou apenas a imagem da mulher – em 1917, cansada da exploração de músicos por casas de shows e bares, fundou a Sociedade Brasileira de Autores (SBAT), a primeira no país. A introdução de instrumentos populares, como o violão, nas apresentações, foi iniciativa dela, e também se deve a ela o fato de o piano cair no gosto popular.
Em 1885, Chiquinha se tornou a primeira maestrina brasileira e, em 1899, compôs a música que se tornaria a primeira marchinha carnavalesca da história, e uma das mais famosas: “Ó abre alas”.
Nascia um novo gênero musical – as marchas iriam, no século que se abria, tornar-se praticamente um sinônimo do Carnaval e dariam a Chiquinha o eterno reconhecimento. Como maestrina, Chiquinha Gonzaga compôs 77 peças de teatro, de gêneros variados, e seu maior sucesso teatral foi Forrobodó, que chegou a ter cerca de 1500 apresentações seguidas após estrear.
Em 1914, sua obra conhecida como “Corta-jaca” repercutiu na política brasileira ao ser executada ao violão na residência oficial da presidência da república, por Nair de Tefé, amiga de Chiquinha Gonzaga e primeira-dama do Brasil na época, esposa do presidente Hermes da Fonseca. Nunca antes uma canção “popular” havia sido executada numa sede de governo.
Aos 52 anos, Chiquinha Gonzaga conheceu um jovem aprendiz de músico menor de idade, de 16 anos, e com ele viveu até a sua morte, aos 87 anos.
Em 2012, o dia 17 de outubro, dia de seu nascimento, foi oficializado como o Dia da MPB – uma eterna lembrança de uma das primeiras mulheres compositoras a alcançar um renome tão expressivo, não apenas no Brasil, mas em todo mundo.
Por: Carlos Artur Matos