Fernando Pessoa nasceu e morreu em Lisboa (1888-1935). Órfão de pai ainda pequeno, foi levado para Durban (África do Sul), para onde se mudaram seu padrasto e sua mãe.
Anos mais tarde, transferiram-se para a Cidade do Cabo, onde Pessoa fez os estudos iniciais. Em 1905, de volta a Lisboa, matriculou-se no curso de Letras, logo abandonado. Sempre ligado a atividades artísticas, colaborou com várias publicações de vanguarda.
Foi o maior poeta português do século XX. Sua vida particular é marcada por lances misteriosos que, muitas vezes, ele mesmo fez questão de explorar. Personalidade magnética e ao mesmo tempo evasiva, cativou leitores em todo o mundo depois da difusão de sua imensa obra.
Obra
De imediato, o que chama a atenção do leitor diante da obra de Fernando Pessoa é o fenômeno da heteronímia. Heterônimos são personagens criados pelo poeta, dotados de história pessoal e de personalidade própria. Pessoa criou vários heterônimos, dos quais os mais famosos foram: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Fernando Pessoa – Ele-Mesmo
A produção lírica de Fernando Pessoa está reunida no chamado Cancioneiro. Ali está presente a referência à tradição, que já registramos como sendo comum a toda a primeira geração modernista portuguesa, a geração de Orpheu. Por isso, sua forma poética mais característica é a medida velha, métrica tradicional da cultura lusa. Versos curtos, escritos em linguagem simples e comunicativa, que encantam pela fluência.
O racionalismo da poesia de Pessoa provoca uma atitude de contenção e uma visão equilibrada do mundo, muito diferente, por exemplo, daquela que assumiu em um de seus heterônimos, Álvaro de Campos. Além disso, a tendência racionalista revela a introspecção do poeta, o que faz com que ele produza poemas reflexivos, com um fundo filosófico claro.
Em contrapartida, essa tentativa de clareza na percepção do mundo não impediu que Fernando Pessoa fizesse de alguns de seus poemas verdadeiros exercícios de interpretação de paradoxos, obrigando o leitor a uma leitura sempre atenta. Nos poemas apresentados a seguir, é possível detectarem-se todos esses traços (versos curtos, tom filosofante, tendência ao paradoxo e à racionalização, além da metalinguagem = linguagem que fala de si mesma).
A preocupação com o tradicionalismo, que ocupou parte de sua produção artística, explica-se por meio de uma certa missão histórica de que Fernando Pessoa, como poeta, se via encarregado. Acreditando, misticamente, no futuro glorioso de Portugal, que estaria destinado a retomar a grandeza perdida desde o século XVI, o escritor se colocava na posição de arauto dessa retomada.
Por isso, uma parte de sua produção lírica se reveste de um claro tom épico. Trata-se do livro Mensagem, que o poeta publicou em 1934, ainda em vida. O livro estabelece um diálogo com Os lusíadas, contando poeticamente a história da nação portuguesa, desde a fundação do reino (primeira parte: “Brasão”), passando pela expansão marítima (segunda parte: “Mar portuguez”) até a decadência do império e a crença em seu ressurgimento (terceira parte: “O encoberto”).
Embora em nenhum momento o nome de Camões apareça, ou o título de sua obra máxima, percebe-se claramente a relação de intertextualidade que o modernista tenta estabelecer com o clássico. Seguem-se alguns poemas do livro Mensagem, em que foi mantida a ortografia da época.
Heterônimos de Fernando Pessoa
Alberto Caeiro
Camponês sem nenhum refinamento educacional, morreu jovem, de tuberculose, segundo os apontamentos de Fernando Pessoa. Sua condição de camponês é decisiva para compreender seu tema principal: a natureza.
Em linguagem simples, despojada, coerente com sua formação intelectual limitada, Caeiro traduz o desejo de relacionamento direto com o universo. Coloca-se, assim, contra toda e qualquer tentativa filosófica e artística de reprodução do mundo. Para ele, tais tentativas tornavam a vivência algo artificial.
Baseando o conhecimento do mundo nas sensações, cultivou o chamado “sensacionismo”, segundo o qual a verdadeira realidade é dada pela própria aparência das coisas. Para se ter destas uma experiência real, basta utilizar os próprios sentidos, vendo, tocando, cheirando, comendo, sem preocupações filosofantes ou metafísicas. O mundo, segundo o poeta, é o que é, e nada mais, não havendo por trás das coisas nenhum significado extraordinário.
Sua obra principal é O guardador de rebanhos.
Ricardo Reis
Médico e filósofo, mudou-se para o Brasil depois da proclamação da República portuguesa. Como Alberto Caeiro, o principal tema da poesia de Ricardo Reis é a natureza. Contudo, o tratamento que é dado a este tema difere bastante nos dois poetas.
Se para Caeiro as coisas são o que são, para o filósofo Reis o mundo à nossa volta é sempre carregado de sentido, constituindo-se em uma fonte de símbolos a serem interpretados. Essa interpretação deveria visar não ao conhecimento vazio, por si só, mas a uma vida em harmonia com a natureza.
Graças à sua erudição, Ricardo Reis escreveu em uma linguagem elevada, utilizando-se, por vezes, de expressões de pouca circulação coloquial. Coerente com isso, adotou certo rigor formal acadêmico, que destoava do ambiente vanguardista que conheceu no início do século XX.
Como se vê, trata-se de uma personalidade voltada para o passado. Tematizando a natureza em um linguajar de alto nível, demonstrou grande influência do Neoclassicismo, chegando mesmo a apresentar características semelhantes, como o pastoralismo, o bucolismo e a temática do carpe diem (aproveitamento do presente como remédio para a passagem inexorável do tempo).
Sua principal produção poética são as Odes, tipo de poema lírico cultivado por clássicos latinos, como Horácio (65-8 a. C.).
Álvaro de Campos
Engenheiro desempregado, vivia no porto, à espera de um navio qualquer que o conduzisse ao seu passatempo preferido: viajar. O tema da viagem ocupa, de fato, boa parte da obra de Álvaro de Campos. A viagem, contudo, podia abarcar elementos metafísicos e de busca interior, já que, para ele, viajar representava tentar alcançar a própria felicidade.
Em alguns poucos momentos do início de sua obra, ele produz uma poesia metrificada, tratando do saudosismo e da própria autodestruição, com temática que lembrava o Simbolismo e o decadentismo – esse período corresponde a uma viagem feita ao Oriente, durante a qual Álvaro de Campos teve contato com o ópio, que também marcou sua obra.
Logo a seguir, parte para Inglaterra, onde sua poesia assume rumos mais modernistas: o Futurismo aparece claramente na apologia da máquina e do progresso, e em versos longos, derramados, plenos de entusiasmo e de energia.
Por fim, de volta a Portugal, contagia-se pelo clima geral de decadência político-institucional, e toda a sua angústia de viver explode em versos que continuam a força desesperada da fase anterior.
Sua obra mais conhecida está reunida em Poesias.
Por: Wilson Teixeira Moutinho