O poeta barroco Gregório de Matos Guerra (1633-1696) nasceu em Salvador, mas estudou em Coimbra, tendo permanecido em Portugal até 1681, quando voltou ao Brasil, provavelmente em razão de desavenças causadas por seus poemas satíricos.
Sua obra começou a ser publicada apenas no século XIX, já que, quando produziu seus poemas, eles circulavam entre os leitores por meio de manuscritos. Esse fato dificulta a delimitação do que foi mesmo escrito pelo autor e do que foi apenas atribuído a ele.
Segundo James Amado, organizador de uma das edições das obras completas de Gregório, o poeta, a certa altura de sua vida, recusou a batina oferecida pela Igreja, abandonou sua banca de advogado e passou a viver nos engenhos, entre o povo, cantando como exímio “repentista” e assumindo-se como um poeta popular.
Gregório também encontrou problemas no Brasil, por causa de sua sátira mordaz, sendo desterrado para Angola, de onde voltou apenas um ano antes de sua morte.
Foi poeta de muita habilidade e produziu bons textos cultistas e conceptistas. O estudioso Luiz Roncari lembra que, na larga produção do poeta baiano, é possível encontrar quase todos os elementos que são característicos do Barroco do Brasil.
Sua obra pode ser dividida em textos satíricos, líricos e sacros.
Poesia satírica
Gregório de Matos era feroz em sua vertente satírica, atividade que lhe valeu a alcunha de Boca do Inferno. Não escapava de sua lira mordaz nenhum segmento da sociedade: ricos, pobres, negros, brancos, amigos, inimigos, freiras, padres e autoridades.
O motivo de seus ataques direcionarem-se a diferentes classes deve-se ao fato de Gregório, filho da parcela considerada nobre na Bahia (mas em franco declínio), ter presenciado enormes mudanças estruturais na sociedade. A partir da abertura dos portos ao comércio dos navios estrangeiros e do fim da proteção aos senhores de engenho, houve muitas reviravoltas sociais.
Vejamos este trecho de um poema em que Gregório de Matos satiriza o governador Câmara Coutinho.
Nariz de embono
Com tal sacada,
Que entra na escada
Duas horas primeiro
Que seu dono.
O poeta também lança suas críticas à cidade da Bahia. Segundo ele, após a abertura dos portos aos estrangeiros, ela abriga os que vêm de fora e esquece os filhos “naturais”:
Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre.
Como lembra Luiz Roncari, apesar de Gregório ter sido, algumas vezes, perseguido por causa de suas sátiras na época em que as escreveu, a sociedade aceitava e tolerava a difusão de textos satíricos, que eram vistos como uma forma de tentar corrigir certos erros e manter a ordem.
Poesia lírica
Se, em sua sátira, Gregório aproximou-se da vida rotineira e das expressões cotidianas do Brasil colônia, em sua produção lírica e sacra ele mostra o domínio que tem da linguagem do Barroco.
Na poesia lírica, o poeta quase sempre destaca a beleza da mulher amada. As confissões amorosas, entretanto, resvalam inevitavelmente no sentimento de angústia, desdobrando o sentimento amoroso em amor carnal, pecaminoso e inevitável, e em amor espiritual, purificador e libertador.
Desse desdobramento surge o conflito que se manifesta em figuras de linguagem como a antítese, revelando a tentativa do poeta de conciliar a dualidade opositiva. No desejo de viver o momento presente, o poeta aborda o tema do carpe diem (colhe o dia), isto é, o aproveitamento do momento presente. Por meio de jogos de palavras, busca uma unidade na diversidade, revelando os sentimentos contraditórios que habitavam e habitam a alma humana.
Vale, como exemplo de poesia lírico-amorosa, um dos sonetos escritos a D. Ângela de Sousa Paredes:
Não vira eu na vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um sol, que se trajava de criatura:Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,
Se esta a cousa não é, que encarcerar-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:Olhos meus, disse então por defender-me,
Se a beleza eis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perder-me.
Poesia sacra
Na poesia religiosa de Gregório, surge a noção de pecado e o medo da morte e da condenação que viria depois dela. Por essa razão, na obra realizada no final da vida do poeta, o eu lírico aparece como o pecador arrependido dos feitos da juventude.
O soneto a seguir exemplifica este aspecto da poesia de Gregório de Matos.
Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade,
É verdade, Senhor, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.Maldade que encaminha à vaidade,
Vaidade que todo me há vencido.
Vencido quero ver-me e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços que me rendem vossa luz.Luz que claro me mostra a salvação,
A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, amor, Jesus, Jesus.
Bibliografia
RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 2002.
Por: Wilson Teixeira Moutinho