Além de ser considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira, Vinicius de Moraes foi também um importante poeta da segunda fase do Modernismo brasileiro.
Vinicius de Moraes: diplomata, escritor e músico
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Graduou-se em Direito em 1933, mesmo ano em que lançou O caminho para a distância, seu livro de estreia. Nas décadas de 1930 e 1940 trabalhou como censor e crítico de cinema, além de estudar literatura inglesa em Oxford.
Em 1943, ingressou na carreira diplomática e serviu nos Estados Unidos, na Espanha, no Uruguai e na França. Aposentou-se como diplomata em 1968. No entanto, durante todo esse tempo, não perdeu contato com o ambiente artístico e literário carioca.
Em 1954, tomou-se conhecido no meio artístico por sua peça teatral Orfeu da Conceição. Foi ainda nessa década que ele conheceu o maestro e compositor Tom Jobim (1927-1994), um de seus parceiros mais atuantes na música.
A partir daí, muitas outras parcerias foram se firmando: Baden Powell (1937-2000), Toquinho (1946), Carlos Lyra (1939), Chico Buarque (1944) e Francis Hime (1939), dentre outras. Após uma vida boêmia, Vinicius morreu no dia 9 de julho de 1980, vítima de um edema pulmonar.
A estética de Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes se insere, inicialmente, no grupo dos poetas religiosos, formado no Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1940. No entanto, essa espiritualidade não o impede de revelar as angústias e inquietações de um erotismo latente e os desejos de liberdade.
Segundo o crítico Alfredo Bosi (1936), Vinicius é, “depois de Bandeira, o mais intenso poeta erótico da poesia brasileira moderna”
Em seus sonetos, Vinicius de Moraes soube reabilitar a forma tradicional, retomando a métrica clássica camoniana, o decassílabo (dois quartetos e dois tercetos formados por versos de dez sílabas poéticas). Em “Soneto da separação”, o poeta assim se expressa:
Soneto da separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contenteFez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
MORAES. Vinicius. Antologia poética.
Segundo o próprio Vinicius, sua obra apresenta duas fases distintas:
Primeira fase
Fase transcendental, resultante de sua formação católica. E marcada por um profundo misticismo e pela preocupação religiosa. A transcendência mística é o caminho para a angústia existencial da condição humana e para o desejo de superar o pecado e a culpa.
Em geral, os poemas dessa fase são longos e se utilizam de linguagem abstrata. Essa fase começa em O caminho para a distância (1933) e vai até Cinco elegias (1943), livro que já marca uma mudança de rumo para a poética de Vinicius.
Segunda fase
Nessa fase, o mundo real permeia a obra do poeta.
Os temas cotidianos – o trabalho, o amor, a mulher – são abordados com uma linguagem mais simples, e a dicção clássica de sua formação dá lugar agora aos versos livres, o que o aproxima das propostas dos modernistas de 1922.
A poesia de cunho social também foi característica dessa fase da obra de Vinicius. Nesse tipo de poema, a linguagem é ainda mais simples e direta, pois o objetivo é despertar a consciência social no leitor. O poema “Operário em construção”, que fecha sua Antologia poética, é o melhor exemplo dessa vertente.
Operário em construção
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
(…)
MORAES, Vinicius. Antologia poética.
Vinicius, música popular e bossa nova
Vinicius de Moraes foi também um dos compositores mais representativos da música popular brasileira e um dos precursores da bossa nova. Tal importância está refletida na qualidade e na variedade de suas composições e parceiros, que foram de Tom Jobim a Toquinho.
Canções consagradas como “Garota de Ipanema”, “Tarde em Itapuã”, “Arrastão” e “Chega de saudade” deram uma dimensão ainda mais popular à obra poética de Vinicius, que é, junto com Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987), o poeta mais lido no Brasil.
A música “Garota de Ipanema“, parceria de Vinicius de Moraes com Tom Jobim, ainda hoje é uma das canções mais executadas no mundo, ao lado de “Yesterday”, de Paul McCartney e John Lennon, e “My Way”, na voz de Frank Sinatra.
Por: Paulo Magno Torres