Biografias

William Shakespeare

Poeta nacional da Inglaterra e maior dramaturgo da literatura universal, Shakespeare escreveu suas obras para um pequeno teatro de repertório, no final do século XVI e início do XVII. Quatrocentos anos mais tarde, suas peças ainda encantavam plateias em todo o mundo e eram mais frequentemente encenadas do que as de qualquer outro autor teatral.

William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon, Warwickshire, onde foi batizado em 26 de abril de 1564. Seu aniversário era tradicionalmente comemorado em 23 de abril. Fez seus primeiros estudos provavelmente na cidade natal e, aos 18 anos, casou-se com Anne Hathaway, com quem teve três filhos. Suas atividades durante o decênio seguinte permanecem obscuras, pois a primeira referência a seu prestígio como dramaturgo data de 1592. Provavelmente escrevia para o teatro desde três anos antes.

Shakespeare publicou, no início da carreira, dois poemas narrativos em estilo renascentista — Venus and Adonis (1593) e Lucrece (1594) — e os Sonnets (1609), 154 sonetos que, escritos provavelmente entre 1593 e 1600, figuram entre as mais belas e importantes obras em língua inglesa. Há inúmeras evidências de que logo conquistou sucesso e fortuna com o teatro. Em 1594, era membro destacado da companhia de teatro de Lord Chamberlain, que atuava na melhor sala de espetáculos de Londres, o Globe Theatre. Supõe-se que, a partir de 1600 e durante 13 anos, Shakespeare devotou-se integralmente à dramaturgia e escreveu obras teatrais da mais alta qualidade.

Obra e identidade

A obra de Shakespeare constitui-se basicamente de textos dramáticas. Os dramaturgos da época invariavelmente vendiam suas peças a alguma companhia teatral que, como proprietária, esforçava-se por manter a exclusividade sobre as obras, garantindo a exploração de uma obra enquanto ela atraísse o público. Por isso, eram raras as publicações autorizadas dos textos e o que se podia encontrar eram cópias piratas, ditadas por ex-integrantes das companhias ou anotadas precária e dissimuladamente durante os espetáculos. Algumas poucas edições provêm de manuscritos originais, em geral confeccionadas para competir com versões de má qualidade do mesmo texto, já em circulação.

O desaparecimento dos originais manuscritos legou aos pesquisadores uma multiplicidade de versões discordantes das obras, que se tornaram objeto de inumeráveis estudos críticos e polêmicas. Cerca de metade dos textos foi publicada em vida do autor. A primeira coletânea surgiu somente em 1623, anos depois de sua morte, cercada de controvérsias quanto à cronologia das obras e, consequentemente, quanto à evolução literária e ideológica do autor.

Os escassos dados obtidos sobre a formação cultural de Shakespeare, sua origem relativamente modesta e a obscuridade em que viveu, levaram uma parte dos estudiosos a pôr em dúvida a autoria das peças. Segundo os defensores dessa ideia, a familiaridade manifesta na obra com os assuntos mais diversos — línguas, literatura, leis, história, política, geografia, além dos hábitos e linguajar da corte — seria incompatível com a história pessoal de Shakespeare. O fato de nenhum de seus manuscritos ter sobrevivido foi considerado uma evidência de que teriam sido propositalmente destruídos, para ocultar a identidade do verdadeiro autor.

Os textos foram atribuídos a nobres ingleses que, por questões familiares, não desejariam envolver-se publicamente com o teatro. Não foi possível, todavia, fundamentar tais suspeitas, já que pelo menos cinquenta pessoas contemporâneas de Shakespeare referiram-se a ele como autor e não deixaram um único testemunho que levantasse dúvidas quanto a isso.

A partir do século XVIII, o conhecimento sobre os textos shakespearianos aumentou muito. Em 1871, foi publicado o primeiro volume das edições Variorum, que pretendia apresentar todas as versões e emendas conjecturais feitas até então. A série ficou incompleta, mas as pesquisas prosseguiram, não somente sobre o texto, mas também sobre as condições de produção das edições elisabetanas, a identificação dos funcionários responsáveis pela composição e revisão e seus erros mais frequentes, a leitura comparativa de outros autores ingleses da época e outras investigações que pudessem elucidar as dúvidas.

Cronologia

Os críticos estabeleceram uma lista cronológica das peças, baseada nas datas das primeiras edições in quarto, em notícias da época sobre as representações e na evolução do verso shakespeariano. Esses dados permitiram dividir a obra em três grandes fases, que correspondem ao período de formação (até c.1595), à maturidade (entre 1600 e 1608) e aos últimos anos de vida do autor (fase que se estende até 1613).

Primeira fase

O drama Henry VI (1589-1592), em três partes, inicia o ciclo sobre a história da Inglaterra; segue-se Richard III (1592-1593), uma das peças mais famosas do dramaturgo, protagonizada pela figura demoníaca do rei Ricardo III. The Comedy of Errors (1592-1593; A comédia dos erros), a mais curta das peças do autor, é inspirada no comediógrafo romano Plauto e gira em torno das confusões causadas por dois pares de gêmeos; The Taming of the Shrew (1593-1594; A megera domada) é uma comédia de costumes; Titus Andronicus (1593-1594) é tragédia violenta, repleta de episódios sangrentos, à moda romana; e The Two Gentlemen of Verona (1594-1595; Os dois cavalheiros de Verona) baseia-se no argumento de um longo romance espanhol em prosa. É também dessa época a primeira das grandes tragédias shakespearianas, Romeo and Juliet (1594-1595).

O ciclo de peças históricas continuaria com Richard II (1595-1596), King John (1596-1597; Rei João) e as duas partes de Henry IV (1597-1598), a mais importante das peças históricas de Shakespeare, em que a ação se equilibra e harmoniza com as cenas de humor, dominadas por Falstaff, um dos maiores personagens criados pelo dramaturgo. Segue-se Henry V (1598-1599), peça sobre a guerra que, habilmente, evita cenas de batalha no palco e mostra os personagens enquanto se preparam para a vitória ou a derrota.

As comédias escritas entre 1596 e 1602 têm muito em comum. O tema é o amor e todas terminam em casamento. As histórias derivam de novelas e comédias italianas, contos ingleses e, no caso de Midsummer Night’s Dream (1595-1596; Sonho de uma noite de verão), da própria imaginação do autor. Com exceção de The Merry Wives of Windsor (1600-1601; As alegres comadres de Windsor), todas se passam em lugares imaginários, que tomam nomes conhecidos como Ilíria, Atenas, Veneza e Belmont. The Merchant of Venice (1596-1597; O mercador de Veneza) é protagonizada por Shylock, judeu que pretende usar a justiça para uma terrível vingança contra Antônio, o mercador cristão.

Much Ado About Nothing (1598-1599; Muito barulho por nada) explora mal-entendidos surgidos num baile de máscaras. Na bucólica As You Like It (1599-1600; Como você quiser), o encanto de Rosalind se contrapõe ao cinismo melancólico de Jacques. Twelfth Night (1601-1602; Noite de reis) é provavelmente a última das grandes comédias shakespearianas. As peças enaltecem a verdade, a ordem e a generosidade sem cair na obviedade. As tramas são complexas como um jogo de xadrez. Mesmo na conclusão, a harmonia não é geral, há sempre um ou mais personagens à parte, que se retiram, ficam isolados ou permanecem como observadores.

Ainda por volta de 1599, após as peças sobre a história inglesa, Shakespeare iniciou com Julius Caesar (1599-1600) o ciclo das tragédias romanas. César, figura particularmente fascinante para os elisabetanos, é assassinado na primeira metade da peça, mas permanece no centro da ação por meio das atitudes e reflexões dos outros personagens.

Maturidade

As peças escritas por Shakespeare entre 1600 e 1608 têm em comum uma visão fundamentalmente pessimista e amarga da existência e a profundidade no tratamento das paixões, conflitos e contradições da natureza humana. Destacam-se as grandes tragédias: Hamlet (1600-1601), Othello (1604-1605), King Lear (1605-1606; Rei Lear) e Macbeth (1605-1606), obras em que o magistral estudo psicológico dos protagonistas é realçado pelo equilíbrio com que o autor apresenta os outros personagens e pelo perfeito contraponto entre os diálogos e monólogos, obras-primas de linguagem poética.

Hamlet, a tragédia da dúvida, do desespero do solitário príncipe diante da violência do mundo, considerada a mais enigmática de todas as peças do poeta inglês, é também a mais representada e estudada até hoje. O forte caráter de Claudius, o vilão, torna-se um traço de valor e dá à trama uma complexidade que não poderia ser alcançada com a simples representação da luta entre o bem e o mal. As aparências que enganam e o predomínio das paixões sobre a razão foram temas frequentes na obra de Shakespeare.

Em Otelo, as consequências de tais atitudes não resultam em comédia, mas em tragédia. Novamente se evidencia o cuidado do autor em construir para Iago, o vilão, uma personalidade complexa e interessante que, por meio de ardis, leva Otelo a assassinar Desdêmona por ciúmes infundados. Rei Lear transcorre em torno do enlouquecimento de um rei, que precisa descrever uma árdua trajetória para tornar-se simplesmente homem. Macbeth é a única peça de Shakespeare aparentemente relacionada à situação histórica da Inglaterra do século XVI. O regicídio, considerado então o pior dos crimes, é o tema central, tratado de forma extremamente poética.

A maturidade de Shakespeare se expressa igualmente nas sombrias comédias Troilus and Cressida (1601-1602), paródia do heroísmo; All’s Well That Ends Well (1602-1603; Tudo é bom se acaba bem); e Measure for Measure (1604-1605; Medida por medida), cujo tom oscila entre a melancolia e a mordacidade. Apenas no século XX, no entanto, essas peças foram encenadas frequentemente e despertaram na audiência um interesse que o público elisabetano não pareceu sentir. Completam o ciclo romano Anthony and Cleopatra (1606-1607) e Coriolanus (1607-1608), sobre o irremissível fracasso e solidão final do herói. Timon of Athens (1607-1608; Timão de Atenas) mostra sinais de ter sido abandonada pelo autor, pois não se compara em qualidade às outras obras da fase madura.

Últimos anos

Por volta de 1610, Shakespeare retornou à cidade natal, onde passou seus últimos anos e escreveu suas últimas peças. O caráter experimental dessas obras — sobretudo de The Tempest (1611-1612; A tempestade) — parece próprio de um artista em pleno vigor criativo, que esperava trabalhar ainda por muitos anos. São dessa época Cymbeline (1609-1610), em que Póstumo faz uma aposta acerca da castidade de sua esposa Imogen; The Winter’s Tale (1610-1611; História de inverno), em que o autor propositalmente joga com o comprometimento emocional da plateia com a trama, ao matar de forma inesperada personagens que já conquistaram o interesse da assistência ou dar um salto de 16 anos na progressão da história; a já citada A tempestade, peça de ação movimentada que envolve a preparação de assassinatos, danças, cantos, uma romântica história de amor e algumas cenas de grande comicidade; e Henry VIII (1612-1613), talvez escrita em colaboração com John Fletcher, que retoma a história da Inglaterra, dessa vez de forma mais fragmentada e episódica.

William Shakespeare morreu em Stratford-upon-Avon, onde passou seus últimos anos, em 23 de abril de 1616. Não é verdade que tenha permanecido esquecido na Inglaterra até a segunda metade do século XVII. Somente no século XVIII, entretanto, graças às edições de Rowe, Pope e Samuel Johnson, sua grandeza foi integralmente reconhecida. Ao mesmo tempo, conquistou também toda a Europa. Admirado sempre na Inglaterra, foi sobretudo no começo do século XIX, com o romantismo, que sua figura alcançou indiscutível glória universal. Não seria exagerado afirmar que nenhum outro escritor exerceu influência equiparável sobre a literatura moderna.

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