Animais

Seres Abissais

Na zona abissal, a temperatura é constante e baixa (cerca de 3 °C), não há luz solar, há menor concentração de gás oxigênio e pouco alimento e a pressão ultrapassa dos 600 atm. Por apresentar condições abióticas extremas, poucas espécies de seres vivos conseguiram colonizá-la, tornando a comunidade dos ecossistemas da zonal abissal peculiar. As espécies adaptadas a ela são chamadas de seres abissais.

O fundo oceânico faz parte da zona abissal ou abissopelágica, que compreende a camada do ambiente pelágico entre 4 mil e 6 mil metros de profundidade, correspondendo a 70% da biosfera do planeta.

A total ausência de luz não permite a existência de seres autótrofos fotossintetizantes, por isso, por muitos anos, acreditava-se que os poucos seres abissais conhecidos dependiam exclusivamente dos alimentos vindo da superfície. Porém, com os avanços do mergulho de profundidade, os cientistas descobriram uma teia alimentar tão complexa quanto a de ambientes de superfície.

Adaptações à vida abissal

Os fatores abióticos do ambiente inóspito da zona abissal causam grande pressão seletiva, que gerou, ao longo do processo evolutivo, algumas adaptações interessantes. Na escuridão dos fundos oceânicos, uma dessas adaptações é a bioluminescência, capacidade dos organismos de produzir e de emitir luz, por meio de reações bioquímicas. Estima-se que 90% dos seres abissais emitem bioluminescência, que está relacionada, por exemplo, à predação (atração de presas) e ao acasalamento.

Peixe-pescador.

O peixe-pescador é o nome popular para várias espécies de peixes actinopterígeos lofiformes. São peixes exclusivamente marinhos que utilizam uma modificação na nadadeira dorsal em forma de “vara de pesca” para atrair presas próximas à boca. Nas espécies abissais, a ponta dessa “vara” emite bioluminescência, adquirida por meio de simbiose com bactérias. A boca e o estômago dos lofiformes distendem o suficiente para engolir presas com o dobro do seu comprimento.

Portador de pente.

Aparentados aos cnidários, algumas espécies de ctenóforos circulam pela zona abissal. Animais exclusivamente marinhos, os ctenóforos recebem esse nome “portador de pente” em razão da presença de pentes ciliados utilizados na locomoção. Apresentam bioluminescência.

Em animais com algum sistema visual desenvolvido, como peixes, existem espécies totalmente cegas e outras com olhos comparativamente maiores, capazes de captar as menores quantidades de luz.

Os seres abissais também possuem uma fisiologia diferenciada, que depende de macromoléculas resistentes a pressão esmagadora e que funcionam no frio. Por exemplo, até certa profundidade, a presença de óxido de trimetilamina (TMAO), encontrada em peixes, evita a distorção e a compressão de proteínas e outras moléculas vitais dentro do corpo sob pressão externa intensa. Além disso, os seres abissais tendem a apresentar um corpo mais mole, com poucas cavidades que possam acumular gases e com maior concentração de água, cuja compressão é desprezível.

A lula-gigante (foto) e a lula-colossal são os maiores invertebrados de que se tem conhecimento. Habitam águas profundas, com mais de 500 metros. O maior espécime de lula-gigante já preservado mede 8,26 m e está guardado no Museu de História Natural de Londres. A primeira filmagem de uma lula-gigante viva no hábitat natural foi feita por cientistas japoneses em 10 de julho de 2012.

No caso dos peixes ósseos, essas características do corpo se refletem em tecidos que acumulam mais gordura, perda de ossos, que também são menos densos, e na ausência de bexiga natatória e outras cavidades que possam acumular gás.

Em comparação aos peixes de superfície são mais lentos e menos ágeis. A maioria dos peixes abissais é carnívora e dependente do alimento que vem da superfície. Apresentam boca grande, mandíbula articulada com dentes afiados e estômago mais elástico, por isso são capazes de processar grandes quantidades de alimentos, que são escassos. Essas criaturas chegam a se alimentar de outros peixes até quatro vezes maiores do que o tamanho deles.

Não se conhece muito sobre a biologia do peixe-enguia-pelicano, que habita regiões de até 3 mil metros de profundidade. Os poucos espécimes conhecidos foram coletados acidentalmente em redes de pesca de profundidade. A estrutura da boca avantajada é uma das características mais marcantes desse animal.

A reprodução é outro desafio para os seres abissais. Muitas espécies são hermafroditas, o que significa que, na ausência de parceiros, fecundam-se a si mesmos. Há também espécies com sexos separados. Entre as espécies de peixes-pescadores, por exemplo, os machos podem ser até seis vezes menores que a fêmea e, ao encontrá-la, prende-se ao corpo dela, tornando-se um suprimento de esperma.

Peixes-pescadores.

Em algumas espécies de peixes-pescadores, ocorre uma fusão da boca do macho à região ventral da fêmea, prendendo-os pelo resto da vida. O macho prende-se por tanto tempo, que a pele da fêmea cresce ao redor da boca do macho, ao ponto de haver uma ligação entre o sistema circulatório dos animais. Ao se fundir, o macho depende inteiramente da fêmea para alimentar-se e eliminar os resíduos metabólicos. Uma única fêmea pode ter mais um macho ligado ao corpo.

Em razão de estarem adaptados às condições extremas da zona abissal, a maioria dos seres abissais não chegam vivos à superfície.

Quimiossíntese: a base das teias alimentares abissais

Ao longo das dorsais meso-oceânicas dos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, em profundidades superiores a 2 mil metros, são encontrados os escapes hidrotermais, regiões resultantes da atividade vulcânica do fundo marinho, de onde emerge o magma escaldante das partes profundas da crosta.

A água que entra em contato com o magma é aquecida acima dos 400 °C, dissolvendo metais e minerais das rochas. Essa mistura é expelida como geyser, que, em contato como a água fria e densa do oceano profundo, causa um acúmulo de minerais e de metais precipitados em uma formação geológica singular, denominada de chaminés. Das chaminés, emanam as fumarolas, que podem ser negras ou brancas, de acordo com a temperatura da água e da composição química. As fumarolas negras emanam de águas mais quentes, contendo sulfeto de ferro. Já as fumarolas brancas são formadas a partir da água menos quente, contendo compostos de bário, cálcio e sílica.

Associados aos escapes hidrotermais, habitam organismos endêmicos a esses locais, adaptados a gradientes de temperaturas elevadas, baixas taxas de gás oxigênio e concentrações tóxicas de enxofre e de metais pesados. A teia alimentar tem como base bactérias quimiossintetizantes que utilizam a energia química do sulfeto de hidrogênio (H2S), gás liberado pelos escapes.

Poliquetas da espécie Riftia pachyptila.

Uma característica convergente entre organismos que habitam as regiões dos escapes hidrotermais é o gigantismo, ou seja, seres com proporções gigantes se comparado aos existentes em águas rasas.  Um exemplo é dos poliquetas da espécie Riftia pachyptila, que podem atingir cerca de três metros de comprimento e quatro centímetros de diâmetro. Esses animais formam tubos fixos nos afloramentos rochosos dos escapes hidrotermais e estabelecem uma relação simbiótica com bactérias, as quais oxidam o H2S em um nutriente utilizável pelos vermes. Por sua vez, os poliquetos liberam sangue contendo hemoglobina que ajudam as bactérias na decomposição dos sulfetos.

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