Ecologia

Biopirataria

A biopirataria ocorre quando indivíduos ou corporações têm acesso ilegal aos recursos biológicos de um povo ou de uma nação, com a consequente apropriação não autorizada desses recursos.

Por que existe biopirataria

A maior ou a menor biodiversidade existente numa região está muitas vezes associada a certas particularidades de sua localização geográfica. Por isso, a maioria dos países detentores de grande biodiversidade está situada na região intertropical, como é o caso do Brasil, da Colômbia, da Costa Rica, da Zâmbia, da India, da Indonésia e da Malásia. Coincidentemente, muitos desses países são pobres ou estão em vias de desenvolvimento.

Num ambiente de pobreza, desinformação e conformidade, no qual também predominam altos índices de corrupção administrativa, alguns indivíduos ou organizações aproveitam para fazer uso dos recursos locais sem oferecer qualquer contrapartida aos povos nativos daquela região, detentores naturais do uso decorrente da biodiversidade.

O entendimento do termo biopirataria é bastante amplo, segundo este ou aquele ponto de vista, podendo inclusive abranger o grave problema do tráfico de animais silvestres. Segundo dados da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), “na lista dos animais mais visados pelo tráfico estão espécies de diversos tamanhos e hábitats, como o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), a preguiça (Bradypus variegatus), a jiboia (Boa constrictor constrictor) e o papagaio verdadeiro (Amazona aestiva), além de uma variedade de pássaros e tartarugas”.

Pássaros trancados em uma gaiola.
O tráfico de espécies silvestres pode ser considerado uma forma de biopirataria.

A biopirataria na fabricação de remédios

Frequentemente, certas indústrias farmacêuticas lançam mão de um artifício para se apropriar de espécimes nativos, dentro da mais absoluta legalidade.

Por meio de acordos com universidades locais, ONGs atuantes na região ou mesmo sob a cobertura de missões de cunho religioso, a empresa (muitas vezes representada por um grupo de pesquisadores) propõe a realização de uma “bioprospecção” da área.

A princípio, a ideia não é má, muito pelo contrário: o levantamento das espécies existentes, aliado ao conhecimento das comunidades nativas (povos indígenas, mateiros, seringueiros, matutos, ribeirinhos etc.) sobre a utilização de tais espécies para fins medicinais, pode e deve ser feito em regime de urgência, dada a velocidade com que esses ecossistemas e esses conhecimentos ancestrais vêm desaparecendo.

A questão, no entanto, está em quem vai compartilhar os lucros advindos dessas descobertas, e de que modo isso será feito. Apenas para exemplificar o quanto isso é frequente, segundo dados apresentados pela revista da Universidade de Brasília (UnB), dos 4 mil pedidos de patentes de biotecnologia recebidos pelo Brasil entre os anos de 1995 e 1999, apenas 3% foram apresentados por pesquisadores brasileiros.

O controle contra a biopirataria

Comunidades locais, legisladores, governos e organizações ambientalistas começam a discutir a adequação dos atuais sistemas de patenteamento. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual da ONU (Ompi), por exemplo, instituiu o Comitê Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos, Conhecimento Tradicional e Folclore para estudar formas de regulamentar o assunto.

Em 2001, pajés de diferentes comunidades indígenas do Brasil reuniram-se e elaboraram um documento intitulado “Carta de São Luís do Maranhão”, endereçado à Ompi, no qual questionam a validade de qualquer forma de patenteamento que derive de acessos a conhecimentos tradicionais sem a necessária concordância dos indivíduos interessados.

Em outubro de 2005, líderes de vários povos indígenas de diversas partes do mundo, participantes do Caucus Indígena Internacional, divulgaram ao final do encontro uma declaração intitulada “Diretrizes dos Povos Indígenas e Comunidades Locais Para a Proteção dos Conhecimentos Tradicionais”. Nessa declaração se reafirma, mais uma vez, a necessidade urgente da atenção de governos, sociedades, organizações em defesa do ambiente para a regulamentação dos processos de pesquisa e patenteamento de produtos que envolvam conhecimentos tradicionais dos povos nativos.

Biopirataria no Brasil

Empresas estrangeiras, ao longo dos anos, vêm retirando matéria-prima da flora brasileira e utilizando-a em perfumes, cosméticos e remédios.

Exemplo prático disso é a pilocarpina (medicamento utilizado no tratamento do glaucoma), que provém da planta conhecida como jaborandi (Pilocarpus pennatifolius), de ocorrência natural em algumas regiões do NorteINordeste do Brasil, especificamente entre o Maranhão e o Piauí. Quem detém a patente do uso do pilocarpo é o laboratório alemão Merck, que beneficia o planta aqui mesmo e leva o material pré-industrializado para refinamento e embalagem na Alemanha.

Os exemplos sobre o uso de material brasileiro extraído da flora não param por aí. Os derivados do curare são fabricados por laboratórios como o Wellcome, Abbot e Eli Lilly. O curare é uma substância resinosa de cor preta, largamente utilizada pelos índios como veneno de flecha. Extraído de uma planta cujo nome científico é Chondodendron tomentosum e fartamente encontrada na região amazônica, o curare tem como componente principal um alcaloide tóxico, o d-tubocurarina, utilizado como relaxante muscular em cirurgias.

Latex sendo retirado do tronco da seringueira.
Seringueira (Hevea brasiliensis).

Exemplo histórico de pirataria é a da seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa da Floresta Amazônica da qual se extrai o látex com o qual é feita a borracha.

O Brasil já foi líder na produção de borracha, mas, em 1876, um explorador inglês contrabandeou cerca de 70 mil sementes, que foram plantadas na Malásia. Em pouco tempo, a Malásia tomou-se o principal exportador da borracha. Esse episódio pode ser considerado um caso de biopirataria.

Fonte: Agência Brasil- Radiobrás – Ciência, Tecnologia & Meio Ambiente

Por: Paulo Magno Torres

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