Surgida no final dos anos 1950, a bossa nova sofisticou a música popular brasileira. Influenciada pelo jazz, devolveria mais tarde a influência, tendo sido assimilada por músicos do mundo todo.
História da Bossa Nova
Os pais da bossa nova são João Gilberto, responsável pela batida do violão que a caracterizou, e Tom Jobim, responsável por sua sofisticação harmônica, baseada em acordes dissonantes. A bossa nova não é exatamente um ritmo, e sim uma forma de tocar baseada em uma nova divisão rítmica criada por João Gilberto.
Foi com João Gilberto, que tocou violão em duas faixas (“Chega de saudade” e “Outra vez”) de um disco gravado por Elizeth Cardoso no início de 1958, Canção do amor demais, que a bossa nova se tomou a trilha sonora de uma geração privilegiada, aquela que era jovem no auge dos “anos dourados”, como se chamaria o período em que governou Juscelino Kubitschek, o “presidente bossa nova”.
A economia crescia, Brasilia era construída, a seleção brasileira ganhava sua primeira Copa do Mundo. Foi nesse ambiente, de muita efervescência cultural, que a bossa nova conquistou os ouvidos mais apurados. Desde então, a bossa nova se tomou um divisor de águas.
Atualmente, produz-se menos bossa nova, mas ela não deixa de ser tocada no Brasil e no mundo. Além disso, quase todos os gêneros posteriores da música popular brasileira lhe são devedores em alguma medida. Nos anos 1990, a bossa nova recebeu um forte impulso com a publicação do livro Chega de saudade, de Ruy Castro, que conta a história do movimento musical.
O ano de 2008 marca o aniversário de 50 anos do movimento, com manifestações culturais por todo o mundo.
Antecedentes da bossa nova
Até surgir oficialmente, com João Gilberto e Tom Jobim, a bossa nova teve alguns antecessores.
Entre os músicos, cabe destacar o compositor, pianista e arranjador João Donato (1934-). Em 1953, cinco anos antes do nascimento da bossa nova, Donato usava síncopes muito semelhantes à batida do violão de João Gilberto.
O maestro Radamés Gnattali, que havia modernizado a música popular brasileira, também teve influência, se bem que mais remota, pois fora um mestre para Tom Jobim (que lhe dedicou duas músicas em seu último álbum).
Entre os cantores, os mais importantes foram Johnny Alf, nascido em 1929, e Dick Farney (1921-1987). Ambos eram admiradores do jazz e gravaram também em inglês. Johnny Alf, que além de cantor é pianista, já tinha intimidade com as harmonias dissonantes do gênero. Quanto a Dick Farney, conhecia todo o repertório de standards americanos em suas releituras jazzísticas.
Lúcio Alves (1927-1993), que gravou a conhecida “Tereza da praia’’ com Farney, é outro antecessor da bossa nova. Orlando Silva, embora não seja diretamente associado à bossa nova, foi uma grande influência para João Gilberto, que o admirava “por uma característica: na segunda vez que cantava as músicas, Orlando fazia antecipações e retardos que não havia na melodia original”, afirma o estudioso Zuza Homem de Mello.
Características da bossa nova
Ritmo
Talvez o elemento mais importante e característico da bossa nova seja o ritmo. A novidade da batida do violão de João Gilberto é a síncope, que realça o tempo fraco de um compasso, provocando tensão na música (ao contrário da ênfase no tempo forte, como no samba tradicional, que cria uma sensação de repouso).
Às vezes, a forma de tocar de João Gilberto também quebrava a hierarquia “forte-fraco” do compasso, sem acentuar nenhum dos tempos. Num ou noutro caso, é esse deslocamento do acento para o tempo fraco o responsável pelo balanço peculiar da bossa nova.
Harmonia
A bossa nova lançou mão de acordes dissonantes, aqueles que usam notas estranhas à harmonia tradicional. Muitos deles foram trazidos do jazz. Outras conduções harmônicas foram criadas por Tom Jobim. Antes da bossa nova, a base era dada por acordes perfeitos, que, por serem consonantes, cumpriam a função de dar estabilidade harmônica à música.
Com as sequências desses acordes era possível compor qualquer música popular. Mas eles eram insuficientes para a bossa nova e seus intérpretes e compositores tiveram de lançar mão de novos acordes.
Essa nova harmonia não era apenas dissonante: era também baseada em acordes invertidos, criando novos encadeamentos harmônicos. Na harmonia tradicional, a primeira nota de um acorde, a tônica, corresponde ao bordão, ou seja, à nota mais grave. Num acorde invertido, o bordão pode ser outra nota que não seja a tônica.
Canto
A maneira de colocar a voz também é uma característica da bossa nova. Não se trata apenas de “cantar baixinho”, de forma intimista, algo que foi viabilizado pelo surgimento de microfones de maior qualidade. Mario Reis também cantava assim e não cantava bossa nova.
O mais importante é que o cantor de bossa nova não fica subordinado à estrutura rítmica. Ele pode se antecipar ou se demorar em relação ao compasso, esticando ou encurtado notas.
No início, achava-se que a orquestra ia para um lado e o cantor, para outro. Não só os leigos estranhavam. Os músicos tradicionais também não entendiam a bossa nova. Depois do impacto inicial, no entanto, esse jeito de cantar passou a ser cada vez mais aceito.
Letra
Com a bossa nova, as letras também mudaram. O tom ficou mais coloquial, espontâneo, direto, sem o uso de metáforas. O maior letrista da bossa nova foi Vinícius de Moraes (1913-1980). Poeta de prestígio, autor de versos sofisticados. Vinicius foi um letrista que buscou a simplicidade.
As duas músicas que foram verdadeiros manifestos da bossa nova, no entanto, são de autoria de Newton Mendonça (1927-1960). Em “Desafinado”, ele nomeia a nova tendência: “Se você insiste em classificar/ meu comportamento de antimusical/ eu, mesmo mentido, devo argumentar/ que isto é bossa nova, isto é muito natural”.
Em “Samba de uma nota só”, ele, utilizando a música como metáfora – a melodia vai ilustrando o que a letra diz -, mostra a “construção” de uma bossa nova. Newton Mendonça também era excelente pianista e foi coautor desses sucessos, junto com Tom Jobim.
Principais músicos da bossa nova
O surgimento da bossa nova coincidiu com a formação de um grupo de jovens músicos da zona sul do Rio de Janeiro, que rejeitavam o samba tradicional, mas cantavam e compunham sambas-canções. Quando conheceram as primeiras gravações de João Gilberto, a assimilação foi imediata. Entre os integrantes do grupo, destacam-se:
- Nara Leão (1942-1989). Com poucos recursos vocais, soube ser a grande intérprete da bossa nova. O grupo bossa-novista do Rio reunia-se em seu apartamento. Ainda no auge do gênero, no entanto, afastou-se do grupo e passou a cantar música mais engajada.
- Carlos Lyra. Violonista e compositor, nascido em 1939. Duas de suas músicas mais conhecidas são “Minha namorada” e “Coisa mais linda”, ambas gravadas em 1961, com letra de Vinicius.
- Roberto Menescal. Com extensa formação musical, fundou com Carlos Lyra uma academia de violão, onde divulgava a bossa nova. Nascido em 1937, obteve seu primeiro sucesso em 1960, com “O barquinho”.
- Ronaldo Bôscoli (1928-1994). Jornalista, foi um grande divulgador da bossa nova, tendo organizado os primeiros shows no Rio. Foi também letrista. E dele “Lobo bobo”, com música de Carlos Lyra, gravada em 1959 por João Gilberto.
- Marcos Valle. Nascido em 1943, era um dos mais novos da turma. Seu maior sucesso é “Preciso aprender a ser só” (1965).
- Baden Powell (1937-2000). Um dos mais respeitados violonistas brasileiros, não fez parte do grupo inicial. Conheceu Vinicius em 1962, dando início a uma profícua parceria, que assina, entre outras músicas, “Samba em prelúdio” (1962), “O astronauta” e “Samba da bênção”, as duas compostas em 1964. Baden Powell uniu os acordes da bossa nova a uma música mais visceral, uma rítmica mais africanizada, influenciando gerações de violonistas com seu virtuosismo, criando uma obra única, à margem do gênero. Outro parceiro frequente de Baden foi o letrista Paulo César Pinheiro (1949-).
Por: Paulo Magno da Costa Torres