Direito

A psicologia nas questões de varas de família

Com a promulgação da legislação atual a assistência à infância, à adolescência e ao idoso passou a ser enfocada como uma “questão social” e o Estado brasileiro vêm atuando como grande interventor e o principal responsável pela assistência e pela proteção desses sujeitos sociais e de seus direitos.

Procurando atender às necessidades biopsicosociais dos envolvidos nos processos de guarda, adoção e interdição, o Poder Judiciário procura obter e manter todas as informações pertinentes à origem e história de vida dos sujeitos do polo ativos (requerentes) e polo passivo (requerido). Torna-se então de fundamental importância o trabalho de profissionais especializados para procederem aos estudos e investigações necessários, que irão possibilitar ao Estado defender e atender aos interesses dos sujeitos do polo passivo.

O psicólogo dentre outros profissionais desenvolve um trabalho relevante para o juizado cível, especialmente nos processos de guarda, adoção e interdição. Através de um estudo psicológico criterioso fornecem uma avaliação importante que deve ser considerada no momento da decisão judicial. O estudo psicológico, além, de detectar “algo encoberto” ou mesmo disfarçado pelas famílias ou pessoas envolvidas no processo, ajuda a evitar erros que trazem grande sofrimento e grandes transtornos para serem revertidos, o acompanhamento psicológico torna mais tranquilo e seguro os processos em questão.

A APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA NAS QUESTÕES JUDICIAIS

A Psicologia, mais especificamente, a Psicologia Jurídica como uma ciência autônoma, produz conhecimento que se relaciona com o conhecimento produzido pelo Direito, o que possibilita que haja uma interação, um diálogo entre essas ciências.

O psicólogo jurídico atua fazendo avaliações psicológicas, perícias, orientações, acompanhamento, contribui para políticas preventivas, estuda os efeitos do jurídico sobre a subjetividade do indivíduo, entre outras formas de atuação.

No direito de família torna-se imprescindível à atuação do psicólogo. As questões familiares são mais amplas e complexas. Não se limitam à letra fria e objetiva da lei, esta nem sempre é suficiente para dirimir as questões familiares levadas ao judiciário. A psicologia, como ciência do comportamento humano, vem, através de seu aparato, buscar compreender elementos e aspectos emocionais de cada indivíduo e da dinâmica familiar, e assim, encontrar uma saída que atenda adequadamente as necessidades daquela família, que muitas vezes passam despercebidas nos litígios judiciais.

As duas atuações de destaque da psicologia jurídica no direito de família são a perícia psicológica e a de assistente técnico.

A perícia psicológica é importante para a compreensão da dinâmica familiar e da comunicação verbal e não-verbal de cada um dos indivíduos. O psicólogo perito deve ser imparcial e neutro para escutar as mensagens conscientes e inconscientes do grupo familiar e através de procedimentos específicos fornecer subsídios à decisão judicial, apresentando sugestões, com enfoques psicológicos que possam amenizar o desgaste emocional das envolvidos, e principalmente preservar a integridade física e psicológica dos filhos menores.

O assistente técnico é um psicólogo autônomo contratado pela parte para reforçar sua argumentação no processo e complementar o estudo psicológico feito pelo perito. É como um consultor da parte, mas seu trabalho deve sempre atender aos princípios da ética profissional à qual está sujeito, e não deve limitar a uma visão parcial. Precisa, para resguardar a qualidade de seu trabalho, obter informações acerca da dinâmica familiar completa, e assim fornecer subsídios à decisão judicial que, a principio são favoráveis ao seu cliente, mas servem também para compreender o contexto familiar integral e identificar as reais necessidades dos membros da família.

Essa interação do trabalho dos psicólogos, perito e assistente com o dos juristas objetiva evitar que o confronto familiar se agrave ou se perpetue, minimizando os danos que por ventura venham sofrer seus envolvidos, especialmente crianças e adolescentes.

Antes de encerrarmos esse capítulo é importante esclarecer, sucintamente, a distinção entre perícia e avaliação psicológica. Esta última é utilizada como primeiro e principal instrumento para analisar os vários e distintos casos que chegam à Justiça. É um procedimento utilizado para diagnosticar a situação de conflito, pressupõe uma intervenção no caso por meio de um estudo, às vezes prolongado, da vítima, do contexto em que tudo aconteceu, dos familiares e de outros indivíduos envolvidos no processo judicial.

Nos casos de processos de família, como a separação conjugal, disputa de guarda dos filhos, regulamentação de visitas e outros, os psicólogos são nomeados peritos pelos Juízes, são encarregados de fazer avaliações psicológicas de todas as pessoas que compõem o caso a ser julgado, utilizam-se, também de entrevistas, técnicas de exame e investigação, de acordo com a natureza e gravidade do caso. Elaboram um laudo pericial com um parecer indicativo ou conclusivo. Esse laudo oferece ao Juiz elementos do ponto de vista psicológico, para que ele possa decidir o processo com novas bases de conhecimento além do Direito.

PROCESSOS DE GUARDA

O papel do Psicólogo Judiciário nas disputas de guarda dos filhos e programação das visitas quando o casal se separa é, atualmente, reconhecida e até mesmo obrigatória, tanto que sua atuação tem sido institucionalizada na estrutura judiciária mediante a instalação de serviços psicossociais forenses, como serventias de quadros próprios, aparelhadas para as suas atribuições específicas.

Com a separação surgem os papeis do guardião e do genitor descontínuo, o primeiro deve coincidir com o cuidador ou cuidadora, independente do gênero, pois é ele quem provê as necessidades básicas da criança. Pela letra fria da lei não haveria suporte legal para se atribuir automaticamente a guarda à mãe. Genitor é aquele que não fica diariamente com a criança, mas tem direto a visita, ou melhor dever de visitar, dever de se fazer presente e influenciar na criação dos filhos.

A atuação do psicólogo na vara de família, que trata de questões como separação, guarda e visita, se deve, em grande parte, pela presença de crianças, visto a dificuldade de questioná-las diretamente e de saber o que se passa com elas, por isso a necessidade de um profissional com formação especifica em relação ao desenvolvimento infantil, processo psicológico e psicodinamismo da família. O Juiz apesar de não ter sido preparado para entender de criança tem que tomar uma decisão que condicionará a vida do pai, da mãe e da criança, os psicólogos suprem essa deficiência, buscando amenizar os conflitos pré-existentes na separação litigiosa.

Em relação à guarda, ela pode ser alternada ou compartilhada. Na guarda alternada o guardião tem certos direitos que são direitos superiores ao do genitor descontínuo. A guarda compartilhada quer dizer que ambos têm a mesma prerrogativa de escolher, opinar e influir na direção do filho. Nesse sentido, é mais justo quanto ao equilíbrio daquilo que se confere ao pai ou à mãe. A decisão quanto à guarda e as visitas não vêm do psicólogo, ele apenas fornecerá dados que embasarão a decisão do Juiz. Permitindo, desta forma, um diálogo com a letra fria da lei e as implicações simplesmente morais, conferindo às decisões judiciais um maior senso de justiça e preocupação social. A psicologia contribui ao dizer que existem duas pessoas que personificam duas funções dentro da psicologia, a mãe e o pai, um não substitui o outro, por isso a criança deve ter acesso aos dois e às suas linguagens que são parte simbólica e parte da carga genética dela mesma.

ADOÇÃO

No processo de adoção é preciso que haja o consentimento dos pais ou do representante legal da criança ou adolescente. E deverão ser encaminhados no Juizado da Infância e Juventude para que sejam tomadas as providencias legais. Os parentes poderão adotar, mas os avós e irmãos interessados deverão solicitar a guarda da criança junto ao serviço social judiciário.

No andamento do trâmite legal serão realizados os trabalhos técnicos responsáveis pelos estudos psicossociais das famílias e das crianças, serão realizadas investigações com respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente (art.50, §1º) que visa proteger e garantir os direitos fundamentais  da criança e do adolescente. Os profissionais avaliam e emitem pareceres e relatórios técnicos que indicam positivamente ou não a adoção, buscando sempre a satisfação das necessidades do adotado.

A intervenção da psicologia jurídica no direito de família, especialmente na adoção, vai além das preocupações de moradia digna, alimentação, escola e saúde. Na verdade, visa atender às necessidades biopsicossociais das crianças e adolescentes, analisando os aspectos de adaptação, aceitação, integração da criança dentro da família em relação aos filhos biológicos e demais familiares, na reconstrução de sua nova história familiar.

É preciso,ainda, lembrar que “antes de uma história de adoção existe uma história de abandono”. A situação de abandono das famílias originárias, o desamparo e o grande  sofrimento físico e psíquico das crianças e adolescentes, o motivo das adoções, as características da família adotiva, seus anseios, medos, dificuldades e vulnerabilidade são aspectos que precisam ser trabalhados antes e durante o processo. A psicologia permiti uma análise sobre a importância métodos do psicólogo, em especial a escuta, para o atendimento das famílias e das crianças, podendo gerar mudanças significativas em suas vidas. Objetivando defender os interesses e os direitos do adotado numa tentativa de restituir dos danos até então sofridos, com o estabelecimento de uma relação familiar estável e benéfica.

Dentre os métodos do psicólogo estão a entrevistas, a investigações, a visitas e a análise dos dados coletados, assim como valores, atitudes explícitas e implícitas, crenças dos sujeitos e demais aspectos relevantes que possam interferir no processo de adoção. O momento do processo de produção de  informações, pode conduzir a novos indicadores, emergindo novos elementos e novas ideias e posicionamento. A combinação das informações  indiretas  e omitidas constituem uma grande área para a análise da possibilidade de haver algo encoberto, mascarado ou disfarçado. O estudo criterioso, imparcial, de surpresa é pertinente e necessário para que seja capaz de detectar as situações de risco e agir em defesa dos interesses das crianças e adolescentes.

Estudos realizados pela Universidade Católica de Brasília e Universidade de Brasília juntamente com o Serviço Psicossocial Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, apontam que:

  • Os estudos psicossociais proporcionam não somente um novo conhecimento, mas um processo de reflexão e uma mudança de postura e atuação;
  • Muitas vezes a entrega de uma criança à adoção poderia ser considerado como um ato responsável e consciente em defesa da vida de um filho;
  • Torna-se  de fundamental importância que o judiciário mantenha um banco de dados pertinentes à origem e história de vida do adotando/adotado a fim de que este possa reconstruir sua história, facilitando a construção de uma auto imagem clara e definida;
  • No Brasil, a demanda pela adoção caracteriza-se por buscar a solução dos conflitos do adotando e não exatamente do adotado;
  • O medo do desconhecido e o preconceito quanto à hereditariedade das crianças são fatores que desestimulam a adoção;
  • O estágio de convivência e morosidade da sentença judicial provocam grande insegurança e sofrimento aos sujeitos do processo, não só pela indefinição mas principalmente pelo medo da perda;
  • A  experiência da preparação psicológica para a adoção, as aproximações sucessivas, a orientação, o apoio e o aconselhamento, se revelaram importantes para as famílias adotantes e para os adotados trazendo-lhes confiança, tranquilidade e segurança;
  • O estudo psicossocial é um vasculhamento necessário para minimizar os riscos de uma adoção mal sucedida, podendo-se chegar a uma adequação da família sonhada com a família possível para todos e, em especial para a criança;
  • ·  Famílias adotantes entrevistadas valorizam as informações e orientações recebidas durante o estudo psicossocial, ressaltando inclusive a necessidade de maior divulgação do tema na mídia para desmascarar preconceitos e auxiliar outros adotantes a buscar a realização de uma adoção legal.

INTERDIÇÃO

A interdição judicial de um cidadão, no Estado de Direito, está prevista como medida de exceção da cidadania, sendo regulada por lei, e atribui a responsabilidade aos agentes públicos, para efeito da sua execução. Como ato do Estado que estabelece restrição ao gozo dos direitos do cidadão, o instituto da interdição judicial deveria encontrar-se revestida de todos os cuidados e reservas,  na medida em que sua ocorrência produz sérias limitações ao atingido no tocante à sua capacidade de se posicionar como agente de reivindicação diante das instituições,  inclusive do próprio Estado e dos seus agentes.

Estabeleci-se uma posição semelhante a de menor idade civil, por meio da tutela ou da curatela,  instaura-se graves prejuízos ao desempenho social dos atingidos, fragilizando-os sobremaneira e colocando-os à mercê de injunções em  suas vidas privadas, sobre as quais estes não têm o menor controle.

A interdição judicial é uma excepcionalidade contra a cidadania: ao mesmo tempo em que priva de responsabilidades o cidadão, transfere a gestão de seus direitos a um terceiro, seja este um agente do Estado, seja um particular que passa a responder por aquele cidadão.

O termo ação cível se enquadra no processo da “Capacidade Cível” em que se permite a uma pessoa adquirir direitos e contrair obrigações por conta própria, por si mesma, sem a necessidade de um representante legal. Para a ocorrência de uma ação cível de interdição, faz-se necessário que o indivíduo perca a capacidade de gerir seus bens e sua própria pessoa. Esta situação judicial apresenta-se como a mais frequente nas perícias psiquiátricas, que incidem frequentemente na incapacidade total e definitiva, a qual se configura pela perda da autodeterminação da pessoa.

A necessidade da perícia psiquiátrica nos casos de ações para uma possível interdição apresenta-se hoje frequente na realidade brasileira. Este fato solicita deste profissional, cada vez mais, uma especificidade para diagnóstico diferencial, cuja conduta seja adequada a cada caso.

CONCLUSÃO

A psicologia jurídica tem desempenha papel imprescindível nos processos de guarda, adoção e interdição. Suas análises acerca dos indivíduos que compõem a relação jurídica e dos terceiros envolvidos enriquecem e muito o trabalho dos juristas, que com base nas informações que os psicólogos abstraem, através de seus métodos específicos norteiam as decisões judiciais tornando o processo menos danoso e sofrido principalmente para as crianças e adolescentes envolvidos, além de possibilitarem um tomada de decisão, por parte do juiz, mais justa e humana fundada na individualidade daquele determinado grupo familiar.

Atualmente, tem-se implementado conhecimentos de psicóloga jurídica na própria formação dos juristas, o que não ameaça o trabalho dos psicólogos, visto que é uma atividade complexa que cabe apenas aos psicólogos devido sua formação específica. Para os juristas essas noções de psicologia jurídica servem para que estes não sejam totalmente leigos diante de um laudo pericial psicológico. Além dos inúmeros benefícios na compreensão global dos casos eles confiados, tanto na atividade de advogados quando de juizes, permitindo-lhes uma visão mais subjetiva e não limitando-se apenas à objetividade da lei. Parece simples, mas é uma questão de fundamental importância no direito de família, por se tratar de um momento delicado em um dos principais pilares da sociedade, a estrutura familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. ALVES, Jones Figueirêdo. Psicologia aplicada ao Direito de Família . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002.

Por: Denise Maria Perissini da Silv
psicóloga clínica, psicoterapeuta, assistente técnica jurídica civil em processos judiciais nas Varas da Família e Varas da Infância, e bacharel em Direito.(Baseado no livro da autora Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro, lançado pela Casa do Psicólogo Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 2003.)