O contrato estimatório recebe tal nome a medida que o consignante atribui a coisa um valor, isto é um valor de estima.
Há controvérsias doutrinárias sobre a figura do contrato estimatório no direito Romano, porém o mesmo não era completamente ignorado pelo direito romano. Todavia acredita-se que este instituto, que constituí-se em uma inovação no Código Civil de 2002, parte do que já era apreciado pelo direito romano.
Sob denominação equivocada, o citado contrato é conhecido popularmente como “venda sob consignação”, prática habitual antes mesmo do advento do novo Código Civil brasileiro. Não se constituía em prática ilegal, porém não havia tutela legal que visasse este instituto. Afim de contempla-lo no novo código, o legislador usou como base o Código Civil da Itália, como verificamos em análise comparativa dos artigos 534 á 537 do Código Civil brasileiro que reproduz em grande parte os artigos 1556 à 1558 do Código Civil italiano.
Segundo Dr. Paulo Netto Lobo, doutor em direito pela USP (¹), o contrato estimatório se desenvolve da seguinte forma:
“ No contrato estimatório, o proprietário ou possuidor, denominado consignante, faz entrega da posse da coisa a outra pessoa, denominado consignatário, cedendo-lhe o poder de disposição, dentro do prazo determinado e aceito por ambos, obrigando-se o segundo a pagar ao primeiro o preço por este estimado ou restituir a coisa. Há o intuito de alienar a coisa, que um tem, e a livre disponibilidade, que tem o outro. O consignatário tem a posse própria que se separou do proprietário ou consignante.”
Verifica-se desta forma, os dois polos desta relação jurídica, as figuras do consignante e do consignatário, assim a definir:
- Consignante: É de fato o proprietário da coisa consignada, trata-se do que sede a pose ao consignatário, abrindo mão de dispor da coisa durante determinado período e passando tal atribuição a um terceiro, o já citado consignatário, mediante a submissão deste a obrigar-se a uma prestação ou restituição da coisa.
- Consignatário: Trata-se do terceiro a quem é cedida a posse e a possibilidade de disposição da coisa, a este cabe a obrigação de dispor da coisa no prazo determinado e estipulado na cláusula estimatória do contrato.
Encontramos tais sujeitos elencados no art 534 do Código Civil, abaixo:
“Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.”
APLICABILIDADE
Ter a venda autorizada, não essencial para a noção desse contrato, pois resguarda-se ao consignatário a faculdade de adquirir a coisa para si ou simplesmente restituí-la ao consignante. Não há qualquer consequência (sanção) jurídica pela não venda da coisa.
São partes do contrato o consignante e o consignatário (duas figuras já elencadas no tópico anterior). No direito italiano (o qual se baseia o contrato estimatório) os termos anteriormente citados, não são utilizados, deste modo a doutrina prefere deter-se a termos mais genéricos, como tradens (aquele que promove a tradição, que em comparação simplista, seria o consignante) e accipiens (aquele que recebe a coisa, isto é, meramente comparando, consignatário).
No direito brasileiro, tal dispositivo jurídico dá a possibilidade de que o mero possuidor não está impedido de transferir a posse, ainda que da coisa não seja titular de direito real.
Vale ressaltar que a figura do consignante nem sempre se caracteriza em empresas ou na figura do empresário, podendo ser um particular, sem qualquer prejuízo da tutela legal. Apesar de ser bastante apropriado as relações mercantis e ter sua roupagem voltada a tal, o contrato estimatório poderá ser efetuado entre particulares, em vista que não se encontra no Código Civil nenhuma restrição quanto a esta hipótese, comumente vista na atualidade.
Para Tânia da Silva Pereira (²), o contrato estimatório pode ser visto hoje em vários exemplos, tantos entre empresas/empresários e particulares, quanto entre particulares. Nesse tocante, em sua obra, a autora busca utilizar-se de uma situação para elucidar a situação onde se faz uso do contrato em questão, como citamos a seguir:
“Um pintor de quadros normalmente não costuma comercializar suas obras diretamente. Esta atividade em geral é exercida pelas galerias de arte que têm meios de melhor acesso ao público comprador. Estas galerias, em princípio, não dispõem de capital de giro que lhes permita adquirir todo um acervo de um pintor para vendê-lo. Daí a eficiência desta forma de contrato que, em linha geral, se caracteriza pela entrega de coisas móveis a outra pessoa com autorização de alienar, mas com a obrigação de restituí-las ao consignante, ou então pagar-lhe o preço estipulado dentro de um certo prazo. (…) Da mesma forma, o comércio de joias e pedras preciosas utiliza-se desta modalidade contratual, o que permite chegar ao público objetos de alto valor sem precisar o vendedor desembolsar grandes quantias para adquiri-los para venda”
NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO ESTIMATÓRIO
Na Itália, onde temos o embasamento para o contrato estimatório, houve durante muito tempo uma discussão acerca da natureza deste contrato, pois uma corrente acreditava que havendo a tradição, haveria em consequência a transferência de propriedade da coisa do consignante para o consignatário, ora, desta forma o consignante é retirado desta figura e passa a ser um credor, descaracterizando o contrato estimatório, afastando-se de suas características essenciais e transferindo-se para a tipicidade de compra e venda, por tal, a referida corrente foi logo contestada, porém as controvérsias a cerca deste contrato permaneceram. Em vista que nosso Código Civil teve os artigos do referido contrato praticamente “transcritos” da legislação italiana, tais controvérsias também ocorrem no nosso contexto.
Fora as controvérsias doutrinárias são certas afirmar quanto à natureza jurídico que o contrato estimatório é típico, bilateral, oneroso e real. Como detalharemos a seguir:
- Típico: Possui definição, previsão, tutela legal. Tal contrato é apreciado pela legislação civil brasileira. Tipificado.
- Bilateral: Possui dois polos, como já vimos em tópicos anteriores. Duas figuras caracterizam este contrato (consignante e consignatário).
- Oneroso: Pois há sacrifício patrimonial de uma das partes e em conseguinte uma vantagem da outra.
- Real : Se caracteriza apenas quando há tradição, quando a coisa é entregue ao consignatário.Porém a entrega da coisa no contrato estimatório, não produz os efeitos como a transferência da propriedade, isto é, ainda que o contrato seja real, não produz efeitos reais.
Cabe neste momento, citar que para Pontes de Miranda ( ³ ), o contrato estimatório é consensual, pois conclui que antes mesmo de ser feita a tradição o contrato estimatório pode ocorrer.
OBJETOS DE CONTRATO ESTIMATÓRIO
Para alcançar a finalidade do contrato se faz necessário a posse física da coisa, para ter disposição de tal, assim transferi-la a um terceiro interessado. Fazendo um paralelo com a relação de compra e venda, podemos notar que, nem todo objeto suscetível nesta estará da mesma forma disponível para o contrato estimatório.
As coisas imóveis, não são passiveis de serem objetos do contrato estimatório, uma vez que destes não temos uma tradição real (traditio ficta), não tendo assim um pressuposto essencial, que é a circulação do bem entre o consignante e o consignário.
A coisa pode ser especifica, singular ou genérica, não há qualquer impedimento de que se trate de bem fungível, porém os bens imateriais ( direitos autorais), não são objetos do contrato em questão. Para que seja objeto de contrato estimatório, este tem que ser passível à alienação, uma vez que os direitos imateriais não se enquadram nesta situação, segundo a legislação brasileira, os mesmos não são elencados no que concerne a consignação.
Os bens imateriais (por exemplo, os direitos de autor) não podem ser objeto de contrato estimatório. No direito brasileiro, os contratos de alienação desses bens são definidos taxativamente, seja para cessão, concessão de uso ou licenciamento. Esses bens são insuscetíveis de tradição física, porque destituídos de corpos físicos.
OBRIGAÇÕES DO CONSIGNANTE E DO CONSIGNATÁRIO
a) Consignante
- Garantir ao consignário a disponibilidade da coisa entregue;
- Abster-se de qualquer ato que possa dificultar de alguma forma que o consignatário possa dispor do bem;
- Responder pelos vícios da coisa, dos riscos de evicção perante o adquirente;
- Não interferir nos procedimentos adotados pelo consignatário;
b) Consignatário
- Contração de dívida e obrigação alternativa, isto é, dentro do prazo deverá pagar ou restituir a coisa;
- Se passado o prazo estipulado, o consignatário deverá pagar a coisa tendo o não vendido a mesma;
- O consignatário estará responsável pela coisa enquanto estiver em sua posse;
- Caso o consignatário restitua a coisa com dano, este será obrigado a indenizar o consignante ao correspondente;
- Mesmo que não haja culpa do consignatário, se a coisa se perder, este será obrigado a pagar por esta.
DURAÇÃO DO CONTRATO
O contrato estimatório é sempre feita a termo, isto é, com prazo determinado, o consignatário só possui a posse da coisa durante o tempo estipulado. Acabado o prazo, não havendo pagamento do preço ou restituição da coisa consignada, o domínio é transferido ao consignatário, que ficará obrigado a pagar o preço estimado, o não pagamento nestes termos constitui-se em inadimplemento, sendo passível as consequências, tais como mora. Não considera-se inadimplente o consignatário que dentro do prazo se recusa a vender a coisa, não podendo o consignante obriga-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contrato estimatório possui natureza mercantil, vindo a ser regulado em nosso novo Código Civil ( artigos 534 a 537), uma vez que o anterior não o contemplava.
Tal contrato é ligado intimamente a prática de compra e venda e já era habitualmente utilizado antes do advento do novo Código Civil, sendo conhecido popularmente por venda em consiginação. Sendo seus dispositivos legais extraídos da legislação civil italiana, onde tal instituto possuía a muito tutela legal.
Deve-se ressaltar o aspecto controvertido da natureza jurídica do contrato, onde a tradição da coisa entre o consignante e o consignatário, diferente de outros institutos, não constitui posse plena da coisa, porém dá ao consignatário a possibilidade de dispor da mesma. Todavia é de acordo de maior parte da doutrina que, quanto a natureza, este contrato pode ser definido como típico, bilateral, oneroso e real.
Em termos gerais o contrato estimatório é o negócio jurídico onde um sujeito, determinado consignatário, recebe de outrem, denominado consignante, bens móveis, ficando autorizado a vende-los, obrigando-se a se responsabilizar pelo mesmo, enquanto estiver em sua posse e a transferi-lo para um terceiro interessado no prazo ajustado, se assim não o for a coisa deverá ser restituída ao consignante ou pago a este o valor.
BIBLIOGRAFIA
- Paulo Luiz Netto Lôbo, doutor em Direito pela USP, advogado, professor dos programas de Mestrado e Doutorado em Direito da UFPE, UFAL e UnB, membro do Conselho Nacional de Justiça
- Tânia da Silva Pereira, Contrato Estimatório: Autonomia no Direito Moderno, in Estudos em Homenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 592.
- Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2001, vol. III, p. 143
- Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, vol. 39, p. 396.
- CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, 2002 – Editora Saraiva
Autoria: Silvia Campos Paulino