O questionamento a cerca de que a inserção das normas fundamentais do direito comercial no Código Civil levaria a extinção do direito comercial no país, ou seja, se essa disciplina jurídica perderia a sua autonomia jurídica com a vigência do novo Código Civil.
O fato de a matéria comercial estar prevista no Código Civil, para alguns, seria suficiente para a absorção das normas comerciais pelo direito civil, o que prejudicaria o futuro do direito comercial, já que o seu conteúdo passaria para o direito civil.
O presente trabalho procura trazer esclarecimentos à cerca desde questionamento: “a autonomia do direito comercial”.
A AUTONOMIA DO DIREITO COMERCIAL
O direito comercial não abrange apenas os atos de comércio e o regime jurídico do comerciante, isso consistia a parte geral do Código Comercial. É no direito comercial que se estuda, além da caracterização de quem seria comerciante (parte geral), os títulos de crédito, as marcas e patentes, a falência e concordata, o direito societário, o direito marítimo, o direito aeronáutico e, dependendo da corrente doutrinária a ser seguida, também o direito do mercado de capitais e o direito bancário. A doutrina consagrou que disposições de ramos distintos se interpretam de forma distinta. Isso decorre, evidentemente, da natureza específica de cada ramo do direito, já que cada ramo do direito tem objeto de regulação distinto, expressões próprias, visam atender necessidades sociais diferenciadas.
Com o novo Código Civil foi revogada a primeira parte do Código Comercial de 1850, e inserida uma novidade no mundo jurídico: a figura do empresário (anteriormente “comerciante”) e dos atos empresariais (antes “atos do comércio”). Essa revogação não fez desaparecer o direito comercial, apenas a regulamentação dos atos praticados na economia entre pessoas de direito privado passou a ser feita pelo Código Civil.
O direito falimentar continua existindo, tendo modificado apenas seu âmbito fático de incidência, agora a todos os empresários; o direito das marcas e patentes permanece inalterado; títulos de créditos, como objeto de regulação, continuam sendo títulos de créditos, ainda que novas disposições legislativas; o “Registro Público de Empresas Mercantis” também continua existindo, passando apenas a registrar empresários e não mais comerciantes; direito societário também continua sendo direito societário, ainda que com algumas alterações legislativas trazidas pelo novo Código.
Afirmar que o direito comercial foi absorvido pelo direito civil é uma grande erro, pois não se pode confundir autonomia formal com autonomia cientifica. Autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado, já a autonomia cientifica de um ramo do direito decorre de vários outros aspectos: existência de um objeto único ou de objetos relacionados de regulação, existência de princípios e institutos próprios, método interpretativo diferenciado.
Cientificamente, apenas há alteração na parte geral do direito comercial, que passa a ser direito empresarial. As demais divisões internas do direito comercial continuam, cientificamente, inalteradas. Portanto, dizer que o direito comercial perdeu sua autonomia jurídica por causa do novo Código Civil é não perceber que a maior parte do seu objeto de regulação (falência e concordata, títulos de créditos, marcas e patentes, direito societário, registro de empresas etc) continua vivo e sem alteração sob o prisma científico, já que alterações legislativas de específicos tópicos regulados não tem o condão de modificar a estrutura científica de um ramo do direito.
O que se pode discutir é a conveniência de unificação do estudo do direito comercial com o direito civil, ou seja, dizer se as divisões do direito comercial pertencem ao direito civil ou se deveriam ser estudadas dentro de uma única disciplina, que seria chamada de “direito civil” ou de “direito privado”. Cientificamente, existe um ramo jurídico que regula as relações econômicas entre pessoas de direito privado. Esse ramo pode (e deve) continuar sendo chamado de “direito comercial”, embora não mais exista a figura do “comerciante” ou dos “atos de comércio”; ou pode-se adotar um novo nome “direito dos negócios privados” ou “direito da atividade econômica privada” ou mesmo “direito empresarial”.
CONCLUSÃO
Conforme o apresentado no presente trabalho, a unificação dos códigos realizada trata-se de questão de organização legislativa e em nada afeta a autonomia de determinado ramo do direito. O direito comercial, tenha ou não as suas normas inseridas em um código próprio (autonomia formal), sempre terá autonomia jurídica (autonomia cientifica), evidenciada em seus métodos e princípios próprios e uma extensão delimitada.
Com a vigência do Código Civil brasileiro o direito comercial continuara como disciplina jurídica autônoma no país, assim como ocorre em outros países em que o direito privado foi unificado sob o aspecto legislativo, pois a matéria comercial e a matéria civil não se confundem no novo código, a teoria da empresa não extingue a dicotomia do direito privado tradicional, amplia a abrangência do direito comercial ao alterar os limites de incidência das normas comerciais, que passam a tratar de atividades econômicas anteriormente destinadas ao regime civil pela teoria dos atos de comercio.
ANEXO
Direito Comercial e Direito Civil
– Não se confundem, apesar de inúmeros pontos de contato em seu objeto. Assim, regula o Direito Comercial as atividades profissionais do comerciante e os atos por lei considerados comerciais, escapam ao direito mercantil as relações jurídicas concernentes à família, à sucessão e ao estado da pessoa, que são objeto do Direito Civil. Direito Comercial – tendência profissional e Direito Civil – individualista.
– Por outro lado, atos jurídicos existem, no âmbito do Direito Comercial, que se regem pelas normas do Direito Civil, verbi gratia alguns contratos e obrigações, que se especializam em comerciais, em virtude da participação dos comerciantes. Ex: penhor (direito real de garantia sobre móveis- art. 768, cc) comercial, se a obrigação é comercial; compra e venda mercantil.
– No direito marítimo e quanto aos títulos cambiários vigoram sempre os princípios especializados do direito mercantil: onerosidade (especulação – lucro); meios de prova rápidos e destituídos de formalidades; boa-fé (presumida no caso do portador do título).
– Já operações sobre imóveis (insuscetíveis de circulação) e indústria agrícola (atividade que não realiza intermediação) subordinam-se ao Direito Civil.
Autoria: Carmen Luci Silveira