I – INTRODUÇÃO
Aspectos gerais e conceitos iniciais
A antijuridicidade é amplamente teorizada pelos estudiosos do Direito Penal. Importante é entender a sua conceituação básica para, então, compreender as chamadas Excludentes de antijuridicidade.
É mister lembrar, como afirma Damásio, que “no Brasil, a maioria dos autores não faz distinção entre antijuridicidade, injusto e ilicitude, de forma que podemos empregar as expressões como sinônimas”. Ressalva-se, pois, que nosso Código usa somente o termo ilicitude. (Barros, p. 235)
Segundo Welzel (Apud Prado, p. 240), antijuridicidade é “a violação da ordem jurídica em seu conjunto, mediante a realização do tipo”.
Prado conclui, então, do estudo das obras de Welzel, Maurach e Cerezo Mir, que “A realização de toda ação prevista em um tipo de injusto de ação doloso ou culposo será antijurídica, enquanto não concorrer uma causa de justificação”. (p. 240-1)
A causa de justificação, pois, é a excludente de antijuridicidade, o que nos leva a inferir que uma ação, mesmo típica, se possuir uma causa de justificação, o seu caráter de ilicitude será excluído de sua análise, e essa ação típica não causará uma pena.
Assim, continua a explanar Prado, “após ter sido constatada a tipicidade, será aferida a ilicitude através da averiguação de que não concorre qualquer causa justificante”.
Desse modo, a ilicitude de uma ação só é constatada quando não concorre qualquer causa justificante, ou seja, qualquer excludente de antijuridicidade já delineada pelo ordenamento jurídico vigente, que recai sobre toda conduta correspondente, não sobre um agente em particular. (Prado, p. 241)
Na doutrina, encontramos a divisão do termo antijuridicidade em dois tipos: a formal e a material. Essa distinção remonta a Liszt (Apud Damásio, p. 357), “para o qual deve ser considerado formalmente antijurídico todo comportamento que viola a lei penal; materialmente antijurídica é toda conduta humana que fere o interesse social defendido pela norma”.
Essa divisão, no entanto, é criticada por certos autores, como Barros (p. 234) e Damásio (p. 358), e este último assevera que a antijuridicidade dita formal é, propriamente, o caráter típico da ação, não cabendo essa classificação já que se trataria de dois aspectos distintos da conduta (existindo, assim, somente a antijuridicidade material – caráter antissocialdo fato típico – e a tipicidade – caráter de oposição da conduta ao ordenamento jurídico).
“Em suma – conclui Damásio – a antijuridicidade é sempre material, constituindo a lesão de um interesse penalmente protegido”.
Também existe outra classificação, a subjetiva e a objetiva. A antijuridicidade subjetiva leva em conta a vontade humana que realizou o fato típico (sendo assim aceita a teoria da culpabilidade como elemento constitutivo do crime); a objetiva é a ilicitude que corresponde à qualidade que possui o fato de contrariar uma norma. Isto é, leva-se em conta o fator objetivo, independentemente da vontade subjetiva e, logo, independentemente da culpabilidade do agente (no caso de inimputáveis). Essa classificação é importante para entendermos os requisitos objetivos e subjetivos das causas de justificação, que veremos posteriormente.
Podemos concluir que a antijuridicidade é o caráter da lesão de um interesse formalmente protegido, de um bem jurídico que a Lei guarda, caráter o qual a conduta típica foi causa.
Sendo a antijuridicidade requisito de crime, pode ser afastada por algumas causas, como já dito anteriormente. Segundo Prado (p. 240-1), toda ação típica será antijurídica se não concorrer uma causa de justificação. O fato de haver excludente de antijuridicidade não afasta o caráter típico da conduta, mas, porém, não há crime: “excluindo-se a ilicitude, e sendo ela requisito do crime, fica excluído o próprio delito. Em conseq-ência, o sujeito deve ser absolvido”. (Damásio, p. 360)
Temos o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 23, expondo as causas de exclusão mencionadas:
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
Requisitos objetivos e subjetivos de justificação
Para a doutrina clássica, as excludentes têm caráter objetivo, ou seja, sua incidência requer apenas a contemplação de requisitos de ordem objetiva, não dependendo da vontade do agente.
Mas a doutrina finalista veio mudar esse entendimento, passando a preconizar que, para haver a justificação de uma ilicitude, a ação deve revestir-se de requisitos objetivos e também subjetivos, que demonstrem o ânimo do agente devidamente enquadrado nos casos de exclusão de antijuridicidade expostos no Código Penal vigente.
Damásio explica (361-4) que os requisitos objetivos e subjetivos têm que estar contemplados na ação pelo agente, já que, a ausência das elementares do tipo permissivo (elementares essas que excluem a antijuridicidade), sejam elas objetivas ou subjetivas, torna a conduta antijurídica, de modo que:
Se “o sujeito satisfaz a tipicidade objetiva permissiva, mas não satisfaz a parte subjetiva”;
Ou “se o sujeito satisfaz a finalidade justificante, mas estão ausentes as elementares objetivas do tipo permissivo”,
A conduta será antijurídica e o seu agente responde por crime consumado (na primeira hipótese) e ocorre um erro de proibição (na segunda hipótese). (Damásio, p. 363)
Para finalizar essa parte introdutória, importante lembrar que não pode haver, segundo o nosso Código, analogia nos casos de exclusão de ilicitude, sendo estas somente aceitas como elementares do fato típico descrito expressamente.
Também importa ressalvar que pode haver excesso nas justificativas, que acontece quando o agente ultrapassa os limites da justificativa. Ele pode fazê-lo consciente ou inconsciente. No primeiro caso, também chamado excesso doloso, o agente age licitamente (amparado pela elementar excludente) num primeiro momento, mas continua a agir, agora ilicitamente, quando o perigo ou a agressão injusta já cessou. Nesse caso, responde ele por dolo na ação excessivamente intencional.
No segundo caso, também chamado não-intencional, o excesso é derivado de erro, em que o autor, em face da falsa percepção da realidade da situação concreta ou dos requisitos permitidos pela Legislação de exclusão de ilicitude, não tem consciência da “desnecessidade da continuidade da conduta” (Damásio, p. 366). Esse caso gera erro do tipo e erro de proibição. Mas nessa circunstância, o agente só não responde se for erro, seja de tipo ou de proibição, escusável.
Responde o agente por excesso culposo (quando erro de tipo) ou por responsabilidade a título de dolo com pena diminuída (quando erro de proibição) se erro inescusável.
Para tornar mais clara a compreensão, explicitaremos abaixo as causas de exclusão e seus conceitos.
II – TIPOS E CARACTERÍSTICAS
Legítima Defesa.
Considerada por Bitencourt a representação de uma forma abreviada de realização da justiça penal e da sua sumária execução, a legítima defesa é um dos institutos jurídicos melhor elaborados através dos tempos. Muitos autores afirmam que ela representa uma verdade inerente à consciência jurídica universal, que paira acima dos códigos, uma das grandes conquistas da civilização.
Tendo o Estado reconhecido sua natural impossibilidade de solucionar imediatamente as violações da ordem jurídica, e com o objetivo de não constranger a natureza humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, este permite, excepcionalmente, a reação instantânea a uma agressão injusta, denominada legítima defesa.
De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu art. 25, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Welzel, citado na obra do grande jurista Cezar Roberto Bitencourt, define legítima defesa como “aquela requerida para repelir de si ou de outro uma agressão atual e ilegítima”.
A legítima defesa apresenta um duplo fundamento: de um lado, a necessidade de defender bens jurídicos perante a agressão; de outro lado, defender o próprio ordenamento jurídico, que se vê afetado ante uma agressão ilegítima.
A doutrina diz que o fundamento da legítima defesa encontra-se em duas teorias:
a) teorias que entendem o instituto como escusa e causa de impunidade
b) teorias que fundamentam o instituto como exercício de um direito e causa de justificação.
Os requisitos para que um ato seja considerado legítima defesa dividem-se em objetivos e subjetivos. Vê-los-emos abaixo:
– Objetivos:
a) agressão injusta, atual ou iminente: exige-se que a agressão seja injusta, contrário ao ordenamento jurídico, pois, se ela for lícita, não seria possível considerar legítima defesa. Além disso, deve ser atual ou iminente, ou seja, impedir o início da ofensa naquele momento ou evitar sua continuidade, pois se for passado, caracteriza vingança e se for futuro, perde o caráter de defesa e constituirá crime.
b) direito próprio ou alheio: o art. 25 permite a conduta do agente para repelir a injusta agressão “a seu direito ou de outrem”, que pode ser qualquer pessoa (física ou jurídica). Deve ser lembrado também que qualquer bem jurídico pode ser protegido, não havendo distinção entre bens pessoais e impessoais. A legítima defesa de terceiro se dá nos casos em que se evita atentado contra sua incolumidade física.
c) repulsa com os meios necessários: somente ocorre legítima defesa quando a conduta de defesa é necessária para repelir a agressão
d) uso moderado de tais meios: encontrado o meio necessário para repelir a injusta agressão, o sujeito deve agir com moderação e não empregar meio além do que é preciso para evitar a lesão do bem próprio ou de terceiro. Caso contrário desaparecerá a legítima defesa ou aparecerá o excesso culposo.
– Subjetivo:
Conhecimento da situação de agressão e necessidade de defesa
Damásio de Jesus, afirma em sua obra Direito Penal, que é preciso que o sujeito tenha conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade da repulsa, pois, dessa forma a repulsa legítima seria objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de se defender.
Resumidamente podemos dizer que o excesso surge em decorrência da não moderação na repulsa necessária e do uso de meios desnecessários na mesma.
Quando há o excesso, que pode ser culposo ou doloso, não mais se caracteriza legítima defesa, pelo fato de inexistir no caso a presença de todos os requisitos necessários.
Ex: Um sujeito mata uma criança porque a flagrou furtando frutas de seu pomar.
O consagrado jurista brasileiro Damásio de Jesus, classifica em três os tipos de legítima defesa, sendo eles:
a) Subjetiva: é o excesso por erro de tipo escusável, que exclui dolo e culpa. Simplificando, ocorre nos casos em que o agente, por erro quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modo da reação, plenamente justificado pelas circunstancias, supõe ainda encontrar-se em situação de defesa.
b) Sucessiva: é a repulsa quanto ao excesso
c) Putativa: ocorre quando o agente, por erro de tipo ou de proibição plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe encontrar-se em face se agressão injusta. Difere da legítima defesa subjetiva pelo fato de haver nesta o ataque inicial.
O exercício da legítima defesa é um direito do cidadão e constitui uma causa de justificação. Quem se defende de uma agressão injusta, atual ou iminente, age conforme o Direito.
Estrito cumprimento do dever legal.
Há casos em que a lei expressa não ser ilícita uma conduta, embora típica. O estrito cumprimento do dever legal é uma causa lógica de exclusão contida no inciso III do artigo 23, 1ª parte. Por ser um dever imposto por lei, aquele que age em seu cumprimento, não pode estar praticando um fato contrário à lei, e sim segundo a lei. Porém para que não houvesse exageros, foi assinalado no código penal com o adjetivo estrito, restringindo aos casos em que o agente está realmente dentro do seu dever legal.
A excludente só ocorre quando há um dever imposto pelo direito objetivo e pode ser imposto por qualquer lei, não necessariamente lei penal. O dever pode estar contido em regulamento decreto ou qualquer ato emanado do poder público, desde que tenha caráter geral. Outro caráter (religioso, moral, social ), não autoriza a pratica de um fato típico sob o abrigo dessa justificativa.
Não se refere somente a funcionário público e a seu cargo ou função. O particular deve observar o caráter estrito da justificativa quando travestido numa função pública.
Ex: jurado, perito judicial, cidadãos requisitados para trabalhos eleitorais.
Isto só ocorre nos crimes dolosos. Ou seja, não é admitido a justificativa nos delitos culposos porque o dever legal exige que a pessoa tenha o conhecimento de que esta praticando um fato imposto pela lei, logo, jamais poderia estar ligado a imprudência, negligência ou imperícia, que são modalidades da culpa.
Ex: Carrasco que executa a pena de morte; Agentes policiais que usam a força para manter a ordem, ou efetuar prisão quando o sujeito oferecer resistência; morte do inimigo no campo de batalha, etc.
Exercício regular de direito.
Se alguém possui um direito, ao exercitá-lo não pode estar agindo contrariamente a ordem jurídica e sim, de acordo com ela. No inciso II do artigo 23, 2ª parte, está assinalada com o termo regular, em função do qual existirá ou não exclusão. A não utilização regular do direito implica em abuso de direito ou mesmo um mau uso de direito.
Fugiria da lógica o fato de uma pessoa ter a faculdade de agir e não fazer uso, pelo fato de que este iria colidir com uma norma incriminadora. Essa faculdade de agir pode não vir expressa num texto legal. Ela decorre do ordenamento jurídico como um todo, no sentido amplo.
O agente somente cometerá ato irregular ou ofensivo ao direito quando houver excesso no uso do mesmo. O código fala em exercício regular do direito pelo que é necessário que o agente obedeça rigorosamente aos requisitos traçados pelo poder público. Exige-se também o requisito subjetivo: conhecimento de que o fato esta sendo praticado no exercício regular de um direito.
Como nas demais justificativas, o excesso tanto doloso como culposo produz resultados típicos, criminosos, que não se justificam e, em conseq-ência serão responsabilizados criminalmente.
Exemplos: prisão em flagrante realizada por um particular; liberdade de censura prevista no artigo142 CP; direito de retenção permitido pelo CC; pai que castiga o filho com fins de educá-lo; Intervencões médico-cirúrgicas (por pessoa habilitada, autorizada e regulamentada pelo Estado) e violência esportiva. No entanto aquele que causar um dano ou prejuízo por não ter observado as regras do jogo, pode cometer crime pelo resultado produzido.
Embora alguns autores coloquem a offendicula (aparelhos preventivos: alarme, cerca elétrica, muro com cacos de vidro), como legítima defesa preordenada, parece caber a sua caracterização como um exercício regular de direito (proteção do direito de propriedade).
Consentimento do ofendido.
Consoante a artigo 23, III, do CP, parte final, “não há crime quando o agente pratica o fato: III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Isso abrange qualquer espécie de direito subjetivo penal ou extrapenal.
Ao preceituar o código o exercício regular de direito, siginifica que o agente deve obedecer, religiosamente aos requisitos objetivos descritos pelo poder público. Se deles se desviar, estará cometendo abuso de direito.
Constitui entre outros, como exercício regular de direito, o consentimento do ofendido, sendo classificado por muitos autores como causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, pois não está previsto tacitamente na legislação penal.
Outros bens jurídicos existem que não são lesados desde que haja consentimento do ofendido. Assim, no furto, a subtração de coisa alheia só se dá invito domino, isto é, contra a vontade do dono. O dissenso é elemento típico. Faltando ele, não tem o fato típico.
Casos existem em que o consentimento do ofendido funciona como excludente da ilicitude. São requisitos de consentimento: uma vontade juridicamente válida e a disponibilidade do bem pelo consenciente.
Aníbal Bruno ensina:
“Os crimes contra o patrimônio constituem a grande categoria de fatos cuja antijuricidade pode ser impelida pelo consentimento. Aí, o interesse predominante é evidentemente de ordem privada, salvo os casos de exceção, em que o interesse público torna o bem irrenunciável. Mesmo naqueles em que o fato de ser o ato do agente contrário à vontade do ofendido não é elemento do tipo, o consentimento exclui a possibilidade de crime, por ausência de antijuricidade. Não há, por exemplo, crime de dano, se o dono da coisa consente na sua destruição, nem viola direito de autor quem age com o consentimento do titular do bem”.
Assim pode se manifestar no consentimento do ofendido:
- Causa excludente da tipicidade – ocorre quando a figura típica tem a divergência do ofendido como elemento específico;
- Causa excludente da antijurídica – ocorre quando a figura típica não possui em sua composição o dissentimento do ofendido como elementar, desde que este seja pessoa capaz e disponível o bem jurídico.
- Observe-se que nestas hipóteses, o consentimento só terá eficácia, se houver dois requisitos:
- O bem jurídico deve ser disponível, pois do contrário, será o fato ilícito;
- O ofendido deve ter capacidade para o consentimento, isto é, possuir a capacidade penal, atingida aos 18 anos de idade, e que não tenha nenhum vício que lhe casse a validade (erro, dolo, violência, doença mental etc.)
Alguns autores, entre os quais Soler, José Frederico Marques e Maggiore, entendem que o consentimento deve emanar de pessoa plenamente capaz no Direito Civil, ou seja, aos 21 anos de idade.
Ficamos com a posição que configura-se como a mais sensata, uma vez q é aquela preceituada pelo código penal, que determina a maioridade aos 18 anos de idade (art. 27).”
Estado de Necessidade
Primeiramente, torna-se importante apresentar o que preceitua o Código Penal brasileiro a respeito do estado de necessidade, para se chegar a uma boa definição. Segundo o CP, no art. 24, “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. Partindo-se daí, pode-se definir como sendo estado de necessidade, uma situação de perigo atual de interesses protegidos juridicamente, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro caminho senão o de lesar o interesse de outrem. O estado de necessidade pressupõe um conflito entre titulares de interesses lícitos, em que um pode perecer licitamente para que outro sobreviva. Outrossim, vale avultar, que se o agente pratica o fato em estado de necessidade, não haverá crime, pois se trata de causa excludente de antijuridicidade, que é elemento imprescindível do mesmo.
Sabe-se que são diversos os casos de estado de necessidade, como os de antropofagia entre náufragos ou perdidos na selva; aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante; quando dois alpinistas (A e B) percebem que a corda que os sustenta está prestes a romper-se, e A atira B num precipício para salvar-se. Importa destacar, que nos exemplos citados anteriormente e nos outros que existem, é necessário que não haja a ausência de qualquer requisito do estado de necessidade, pois caso isso ocorra não será caracterizada tal excludente.
O estado de necessidade apresenta como requisitos indispensáveis: a ameaça a direito próprio ou alheio; a existência de um perigo atual e inevitável; a inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado; uma situação não provocada voluntariamente pelo agente, a inexistência de dever legal de enfrentar perigo; o conhecimento da situação de fato justificante e inevitabilidade do comportamento lesivo. Para se caracterizar estado de necessidade é necessário que o bem jurídico do sujeito esteja em perigo; que ele pratique o fato típico para evitar um mal que pode ocorrer se não o fizer. Esse mal pode ter sido provocado pela força da natureza ou por ação do homem, como nas hipóteses de invasão de domicílio para escapar de um seq-estro ou a destruição de uma coisa alheia para defender-se de agressão de terceiro etc.
Ademais, apresenta-se necessário, que o sujeito atue para evitar um perigo atual (perigo que está acontecendo, presente) ao bem jurídico. Não trata a lei do perigo iminente, mencionando apenas o perigo atual. No entanto, o perigo é sempre uma situação de existência da probabilidade de dano imediato e, dessa forma, abrange o que está prestes a ocorrer. Se a conduta lesiva já ocorreu ou se é esperada no futuro, não há estado de necessidade, ou seja, é necessária a ocorrência de um perigo atual, e não um perigo eventual e abstrato, para o reconhecimento da excludente de estado de necessidade, que iria dar legitimidade à conduta do agente. É necessário também, que tal perigo seja inevitável, numa situação em que o agente não podia de outro modo, evitá-lo. Caso, nas circunstâncias do perigo, possa o agente utilizar-se de outro modo, não haverá estado de necessidade na conduta típica adotada pelo sujeito ativo que lesou o bem jurídico desnecessariamente.
É necessário, além disso, que o agente não tenha provocado o perigo por sua vontade. Inexistirá a excludente, por exemplo, quando aquele que incendiou o imóvel para receber o seguro, mata alguém para escapar do fogo. Determina a lei, ainda, que se deve verificar se era ou não razoável exigir-se o sacrifício do bem ameaçado e que foi preservado pela conduta típica. O Código Penal brasileiro adotou a teoria unitária, logo, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado, como no caso físico do homicídio praticado pelo náufrago para se apoderar da tábua de salvação.
Por derradeiro, a fim de evitar qualquer dúvida na aplicabilidade da lei aos fatos que poderiam gerar discrepância, prevê o CP, na Parte Especial, alguns casos de estado de necessidade específicos a determinados crimes, ora excluindo a antijuridicidade, ora excluindo a tipicidade. Como exemplo, pode-se citar: o aborto para salvar a vida da gestante, no art. 128, I; a violação de segredo com justa causa, nos arts. 153 e 154; a invasão de domicílio quando algum crime está sendo praticado ou na iminência de o ser, no artigo 150, §3º,II. Cabe salientar, também, que se excedendo o agente na conduta de preservar o bem jurídico, responderá por ilícito penal se atuou dolosa ou culposamente. Cita-se como exemplo o agente que, podendo apenas ferir a vítima, acaba por causar-lhe a morte.
III – JURISPRUDÊNCIA
Estrito cumprimento do dever legal
Segundo a jurisprudência vigente, no que concerne ao cumprimento do dever legal, este deixa de ser estrito “se o agente excede os limites de seu dever, há excesso ilícito de poder (TACrSP, RT 587/340). Impõem-se que a ação fique limitada ao estrito cumprimento do dever legal (TJSP, RT 572/299, 486/277, 517/295; TJSC, RT 561/405)”. Já em relação à não aplicação do cumprimento do dever legal como excludente de antijuricidade, tem-se na jurisprudência: “o estrito cumprimento de dever legal é incompatível com os delitos culposos (TACrSP, RT 516/346)”.
Exercício regular de direito
Em relação ao exercício regular de direito, a jurisprudência assevéra que: “como a ilicitude é una, não se pode reconhecer ilicitude no comportamento permitido por norma jurídica, pois o exercício de um direito nunca é antijurídico (TACrSP, Julgados 87/77). Não há calúnia, mas exercício regular de direito ( CR/88, art. 5º, XXXIV), na conduta de quem denuncia fiscal de tributos a superior hierárquico (STJ, RT 686/393)”. Quanto ao limite da aplicação do exercício regular de direito como um excludente, tem-se: “não se aplica a homicídio, pois a lei não confere a quem quer que seja o direito de matar (TJMG, RT 628/352). Há abuso de direito e não o seu exercício regular, quando agente exorbita dos limites (TACrSP, RT 587/340)”.
Estado de necessidade
Quanto ao estado de necessidade, tem-se como noção deste na jurisprudência: “o estado de necessidade é circunstância capaz de forçar o homem médio ao antissocial, quando for irrazoável exigir-lhe procedimentos diversos (TAMG, RJTAMG 22/376)”. Em relação às aplicações do estado de necessidade: “o estado de necessidade costuma ser invocado em crimes como homicídio ou furto (TACrSP, Julgados 86/425, 82/206, RT 488/380), mas já foi reconhecido até em delito de trânsito (TACrSP, RT 436/406), estelionato contra a Previdência Social (TFR, Ap. 5.602, DJU 1.3.84), apropriação indébita de contribuições previdenciárias (TRF da 4ª R., Ap. 11.700/5, DJU 21.9.94, P. 52776; Ap. 3.243-0, mv, DJU 2.12.92, p. 40574), contravenção penal (TACrSP, RT 603/354), peculato (STF, RTJ 62/741; contra: TJSP, RT 597/287; TFR, Ap. 4.408, DJU 4.6.81, p. 5325) e “jogo do bicho” (TACrSP, RT 526/391; contra: TACrSP, RT 593/357)”. Jurisprudencialmente, “é necessário que a ação seja inevitável (TACrSP, RT 637/273, Julgados 65/384; STJ, JSTJ e TRF67/417) não caracterizando o estado de necessidade se podia recorrer ao auxílio de parentes, vizinhos ou autoridades públicas (TACrSP, RT 787/642). Se o próprio agente não alegou ter agido por necessidade, não se reconhece (TACrSP, Julgados 89/402).
Legítima defesa
No que concerne à legítima defesa, a jurisprudência a conceitua como “a reação imediata à ameaça iminente ou agressão atual a direito próprio ou de outrem (TJSP, RT 518/349)”. Como fundamento mora para a asserção da legítima defesa nas excludentes de antijuridicidade, tem-se: “em face de agressão injusta, a vítima tem a faculdade legal e o dever moral de obstá-la, mesmo recorrendo ao exercício de violência (TJSP, RT 624/303; TACrSP, Julgados75/406). Os direitos protegidos pela legítima defesa são: “ela alcança quaisquer bens ou interesses juridicamente protegidos, como a vida, saúde, honra, pudor, liberdade pessoal, patrimônio, tranq-ilidade de domicílio, pátrio poder, segredo epistolar etc. (TACrSP, Julgados 76/279; STJ, RHC 2.367-7, DJU 14.6.93, p. 11791)”.
Coexistência entre as excludentes
Segundo Damásio (p. 397), “a legítima defesa pode coexistir com o estado de necessidade. Ex.: A, para defender-se da agressão de B, lança mão de uma arma que se encontra na posse de C. Há legítima defesa contra B; estado de necessidade contra C.
IV – Referência bibliográfica:
- BARROS, Flavio Augusto Monteiro. Direito penal: Parte geral, v.1. São Paulo: Saraiva, 1999.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v.1.
- DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
- JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1.
- JUNIOR, Osvaldo Palotti. Direito Penal: Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Saraiva, 1999. v.1.
- MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral arts. 1º a 120 CP, conforme lei nº 7.209, de 11.07.84. 9 ed. São Paulo: Atlas, 1995.
- PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro : parte geral. 2.ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001.
- SILVA JUNIOR, Euclides Ferreira da. Lições de direito penal: parte geral.ed.São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.
Autoria: Érika Batista Santos