Nos primórdios da sociedade romana, surgiu o instituto da arbitragem como forma de resolver conflitos oriundos da convivência em comunidade, como função pacificadora entre os litigantes.
Inicialmente, gerado um conflito, os litigantes procuravam um árbitro neutro para intervir e dar uma sentença. Era chamada arbitragem facultativa, na qual o árbitro não exercia função pública. Após surge a arbitragem obrigatória, as pessoas em litígio compareciam perante o pretor, comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido, pois não aceitavam qualquer intromissão do Estado nos negócios particulares. Escolhiam um árbitro e este recebia do pretor o encargo de decidir a causa. Nos meados do século III d.C., o pretor chamou para si a função do árbitro, surgindo ai a jurisdição e o processo como instrumentos de pacificação social.
O instituto da arbitragem não é novo no Direito Civil brasileiro, desde a Constituição Imperial de 1824 até hoje esteve presente no ordenamento jurídico, com a denominação de juízo arbitral ou compromisso, mas não recebeu o devido tratamento, pelo fato de não oferecer garantia jurídica e ser muito burocratizada sua forma de utilização. Segundo Rui Barbosa “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o Direito escrito das partes, e assim as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.
No Brasil, foi instituída em lei no ano de 1996, entrando em vigor através da Lei n.º 9.307. Surgiu com a finalidade de suprir a demanda do judiciário, resolvendo de forma rápida litígios que poderiam se estender por vários anos na justiça comum.
Principais pontos e características da Lei de Arbitragem
Uma das principais características que dispõe a Lei de Arbitragem, é de somente se aplicar a solução de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, com anuência das partes. Sendo que o árbitro escolhido poderá ser qualquer pessoa capaz, que seja independente e imparcial, não podendo estar vinculado a nenhuma da partes litigantes. Este terá a missão de proferir a sentença arbitral, resolvendo as pendências judiciais ou extrajudiciais.
Segundo o artigo 18 da Lei 9.307-1996 o ato decisório não fica sujeito a homologação ou recurso ao órgão jurisdicional, ocorrendo assim a extinção do litígio, sendo os litigantes obrigados a acatar tal decisão. Mas, tal decisão não tem caráter coativo, de obrigar ao cumprimento da sentença, podendo então a parte lesada buscar o cumprimento da sentença junto ao órgão jurisdicional.
Sobre o enfoque da irrecorribilidade da sentença arbitral a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal proferiu o seguinte parecer, “A irrecorribilidade da sentença arbitral não viola o princípio constitucional de ampla defesa. A sentença arbitral tem efeito, força de coisa julgada entre as partes. A arbitragem é instituto de natureza contratual e as partes, que livremente e de comum acordo instituírem o juízo arbitral, não podem romper o que foi pactuado”.
Ao dispensar a homologação, a lei conferiu força executória à sentença, equiparando-se à sentença judicial transitada em julgado.
O Supremo Tribunal Federal, estabeleceu um paralelo entre a garantia constitucional do direito de ampla defesa e o juízo arbitral, sendo que uma coisa é impedir o acesso ao judiciário nos casos previstos pela lei, outra é confundir tal acesso em função do mérito que se encontra definitivamente solucionado pelo árbitro. Sobre este assunto o min. Castro Nunes do Supremo Tribunal Federal, fundamentou seu voto dizendo, “O que se assegura é o Direito a jurisdições regulares, a possibilidade ressalvada de poderem leva a juízo a sua pretensão ou de não responderem senão em juízo, do inverso, o Juízo Arbitral supõe, no ato de sua constituição, o acordo das partes que consentem em subtrair a causa às Justiças regulares, estando pelo que decidirem os juízes-árbitros por eles escolhidos. Jamais se entendeu, aqui ou alhures que pudesse o compromisso arbitral constituir uma infração daquele princípio constitucional”.
O inciso VI do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor criado pela Lei n.º 8.078/90, considerava nulas, de pleno direito, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que determinassem a utilização compulsória de arbitragem, este foi revogado conforme parecer n.º 221/93 do Senado Federal. A nova lei no § 2º do art. 4º, cita que nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordar, expressamente, com sua instituição.
Há que ser observado que estão fora do âmbito de aplicação da arbitragem questões sobre as quais não podem efetuar transações; não podem dispor como quiserem, como exemplo as referentes aos impostos, estado civil, ao nome da pessoa, delitos criminais. Enfim todas as questões que estão fora da livre iniciativa das pessoas e que só podem ser resolvidas através da intervenção do Poder Judiciário.
A lei permite, mesmo sem a cláusula contratual prevendo a utilização da arbitragem, as partes podem mesmo depois de ter surgido um conflito invocar uma solução arbitral, podendo os litigantes já terem ingressado no judiciário. Assinarão um documento particular, na presença de duas testemunhas ou por escritura pública, o qual é chamado de compromisso arbitral ou cláusula compromissória. Sendo somente válida esta cláusula se for estabelecida por escrito no próprio contrato, não sendo considerada uma forma verbal de estipulação. Porém pode-se incluir tal cláusula em outro documento separado do contrato a que se refira, devendo o contrato citar a existência de outro documento o qual esteja inserida a cláusula compromissória.
Outra característica da utilização da arbitragem é a possibilidade de ser utilizado pelo árbitro um critério de julgamento que não seja juridicamente legal, mas entendido pelo árbitro como sendo o mais justo, não podendo as partes se furtar do resultado do julgamento.
A única possibilidade de uma anulação de uma sentença arbitral é quando:
- quem for árbitro estava impedido;
- quando a sentença não estiver fundamentada;
- quando não decidir toda a controvérsia;
- quando for comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
- quando não se observou os princípios da igualdade das partes e de Direito de defesa;
- quando for proferida fora do prazo.
Em alguns casos o juiz poderá determinar que o árbitro emita nova sentença arbitral. Sendo que o prazo para as partes proporem uma ação de anulação da sentença arbitral é de noventa dias.
– RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS: sentenças arbitrais proferidas fora do território nacional serão reconhecidas aqui de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e na ausência, estritamente de acordo com os termos desta lei (art. 34), estando sujeitas, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal (art. 35). A petição inicial, além dos requisitos do art. 282 do CPC, deverá ser instruída com os requisitos do art. 37. Poderá ocorrer denegação de tal pedido nos casos dos arts. 38 e 39, mas o art. 40 prevê a renovação do pedido uma vez sanados os vícios formais que a afetavam.
– SENTENÇA ARBITRAL: produz efeito entre as partes e seus sucessores sem depender de homologação em juízo e, sendo condenatória, constituirá título executivo. Deverá ser proferida no prazo previsto na Convenção Arbitral ou em 6 meses, caso tal previsão inexista, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro (art. 23). A sentença será sempre expressa em documento escrito e deverá sempre conter os requisitos do art. 26.
– RECURSOS: a sentença proferida por árbitros não fica sujeita a recursos e nem depende de homologação judicial, mas cabem Embargos de Declaração, no prazo de 5 dias, conforme o art. 30. E, da sentença que julgar o pedido de instituição de arbitragem, por recusa de cumprimento voluntário da cláusula compromissória (art. 7º), caberá apelação, sem efeito suspensivo, caso seja decretada a procedência do feito.
– NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL: casos do art. 32, devendo, de acordo com o art. 33 ser postulados no juízo ordinário (Poder Judiciário), no prazo de 90 dias da notificação da sentença arbitral. A diferença dos casos de nulidade absoluta e relativa é feita pelo § 2º do art. 33.
BIBLIOGRAFIA:
- PARIZATTO, João Roberto. Arbitragem. São Paulo: Led, 1996.
- BULOS, Paulo Furtado. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998.
- PODESTÁ, Fábio Henrique. Juízo Arbitral. Artigo Tribuna da Magistratura. São Paulo: Caderno de Doutrina, 1997.
- CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2002
- João Roberto Parizatto (Arbitragem, cit., p. 11)
- Paulo Furtado (Lei da Arbitragem Comentada, cit., p. VIII)
- Fábio Henrique Podestá (Caderno de doutrina tribuna da Magistratura, cit., p. 117)
Por: Mário César de Oliveira França