Sem qualquer pretensão literária e com mãos rudes, que mais lideram com rédeas do que com a pena, enfrento neste momento um grande desafio, consciente da necessidade que temos, cavaleiros de ontem, de passar aos mais novos e ao nosso povo – tão distante de nós e dos não poucos triunfos hípicos brasileiros – nossa história, uma grande colcha de retalhos costuradas com milhares de informações recebidas, um mundo de pesquisas realizadas e também os instantes vividos por mim, que compõem este artigo.
Produzi-lo foi um desafio maior, que procurei vencer com a coragem, persistência, paciência, franqueza, simplicidade e o engenho aprendidos com os cavalos, nobres amigos do dia-a-dia, e em tantos concursos por todos os cantos do mundo.
Com o coração batendo mais forte como quando me apresentava, em continência, num estádio olímpico e com a mesma responsabilidade e confiança que logo se apossavam de mim, procurando fazer o melhor, é que me volto para vocês, esperando que tenham comigo a mesma tolerância dos cavalos, que desculpam nossos erros.
Ao longo e par de tudo o que fiz e passei na vida, se sucesso alcancei, devo a uma sólida retaguarda: minha família. À frente dela – lembrando a bela Canção da Cavalaria – minha estrela guia, força maior que em negros horizontes me guiou na luta e na vitória: Dulcinha, minha mulher. A ela, meus filhos Mauro, Marcello e, especialmente Márcio (idealizador e maior incentivador), netos e a todos aqueles que acreditaram que pudesse fazê-lo, ofereço este livro.
Era notável, na década de 40, o entusiasmo e o expressivo progresso técnico dos cavaleiros civis na América do Sul, especialmente no Brasil, Argentina e Chile. Para satisfazer o justo anseio desses ginetes de integrar as equipes nacionais, os comitês organizadores dos CHIs do Chile, em 1949, e Rio de Janeiro, 1950, permitem a participação de todos os que se julgam em condições de corresponder às exigências técnicas das provas. Por vaidade, muitos que ainda não estavam aptos a concorrer inscrevem-se em ambos os concursos.
O Brasil participa do CHI do Chile com duas equipes: uma do Departamento de Desportos do Exército (DDE), chefiada pelo coronel Djalma Dias Ribeiro e compostas pelos capitães Mário Magalhães, Aécio Morrot e por mim e o tenente Luiz Felipe Dick, que viaja num avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Os cavalos vão de trem, numa longa e penosa viagem de 21 dias, com paradas em Porto Alegre, Buenos Aires e Mendoza, na Argentina. Cansados da jornada e estranhando a ração local, os animais não apresentam sua melhor performance e a equipe consegue apenas classificações secundárias, com Dick e Magalhães. A equipe civil, da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH), chefiada por Roberto Marinho, tem os cavaleiros Theotônio Piza de Lara, Darcy Stockler, Álvaro Dias de Toledo e Antônio Bonifácio Amorim, que vão para o Chile num avião de carreira. Os cavalos viajam de navio, até Buenos Aires, e depois, por via terrestre, até Viña Del Mar. Eles chegam em boas condições e o Brasil obtém duas vitórias, com Álvaro e Amorim. Competindo em casa, os chilenos inscrevem uma equipe do Exército, outra dos carabineros, algumas de clubes civis e de unidades militares, alcançando o maior número de classificações.
No CHI do Rio, a Argentina e o Chile participam com duas equipes distintas de civis e militares; Portugal com uma mista e o Brasil com uma civil, uma militar e vários conjuntos de civis e militares. Em virtude do grande número de competidores, muitas provas começam às 9 horas, invadem a noite, varam a madrugada e terminam somente na manhã do dia seguinte. Apesar de congestionar o concurso, demonstra que alguns civis já tem condições de entrar para a equipe nacional. De fato, em 1951, depois de seis provas seletivas, Álvaro Dias de Toledo passa a integrá-la. Ele junta-se ao major Eloy Menezes e a mim para competir nos Estados Unidos e no Canadá. Vencemos provas em Harrisburg, Washington, Nova York e Toronto. Álvaro participa com grande êxito, provando ser um cavaleiro de rara eficiência, peculiar elegância e leveza no saltar, atributos que o caracterizam como constante e fino ganhador. Uma de suas maiores façanhas foi vencer, com o extraordinário Loverain, em 1949, uma prova de seis barras (verticais separadas a 11 metros, ou dois lances de galope), todas – pasmem! – na altura de 1m70, no desempate com Morrot/Albatroz e José Luiz Guimarães/Corvo, na Sociedade Hípica Paulista (SHP).
Da América do Norte vamos para o México, a convite do tenente-coronel Humberto Mariles, Campeão da Olimpíada de Londres, em 1948. Lá participamos do 1º CHI de Monterrey, considerado até hoje um dos mais importantes e bem organizados eventos hípicos. Enfrentando fortes adversários dos EUA, Canadá e do próprio México, obtemos êxito em muitas provas, naquela ocasião disputadas no Instituto Tecnológico. Eu fui o vencedor da temporada e uma plateia muito diferente aplaudiu especialmente os brasileiros: os cavaleiros do Cadre-Noir de Saumur, que se apresentaram durante o concurso.
Ainda em 1951, participamos dos Jogos Pan-Americanos de Buenos Aires. A equipe de salto, com Franco Pontes/Cairo, Eloy/Anhangá, Morrot/Irajá e eu, com Bibelot, termina em quarto lugar. No CCE, Anísio Rocha/Adonis conquista a mesma classificação.
Depois da turnê vitoriosa no México e Argentina, a delegação brasileira tem um compromisso importantíssimo em 1952: a Olimpíada de Helsinque, na Finlândia. Os cavalos viajam no vapor Italiano Size e chegam à Europa em apenas uma semana – jornada bem mais curta do que a de 32 dias para Londres, em 1948. A viagem serve de descanso das duas provas seletivas, e uma semana depois do desembarque em Gênova a equipe, reforçada pelo capitão Gérson Borges, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, já está saltando na estreia da Temporada de Milão. Vencemos algumas provas, especialmente a mais importante, a Prova das Nações, deixando para trás os fortes representantes do país organizador concentrados, entre eles, os renomados irmãos Piero e Raimondo D´Inzeo e o tenente Salvatore Oppes. No individual da Prova das Nações, Eloy conquista o primeiro e o terceiro lugares, com Biguá e Anhangá. Montando Iluso, sou o vencedor da temporada, com algumas boas colocações e uma vitória na prova de caça, em que cheguei sete segundos à frente do segundo colocado. Pelo título, recebo um prêmio especial do Comitê Olímpico Nacional Italiano (CONI).
De Milão, vamos para Vichy, na França, onde conseguimos algumas classificações, com destaque para Gérson Borges/Fiori de Rose, que vence sensacionalmente a prova de seis barras, estabelecendo a marca de 1m90, excepcional para esse tipo de competição.
Finalmente, depois da escala na França, a equipe dirige-se para a Finlândia. Os animais vão de trem, sob a responsabilidade de Gérson Borges e do sargento Oscar Sotero da Silva, que, apesar dos problemas de comunicação – os dois só falavam português -, conseguem que o comboio pare inúmeras vezes para que os cavalos descansem. Todos desembarcam em ótimo estado na capital Finlandesa.
Autoria: Eliana Miranda