Segundo Werner Jaeger (2001), Paidefia era o “processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana” na Grécia antiga. O termo também significa a própria cultura construída a partir da educação. Era este o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelos gregos, a Paideia combinava ethos (hábitos) que o fizessem ser digno e bom tanto para o governante quanto para o governado. Não tinha como objetivo ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e nobreza. Paideia também pode ser encarada como o legado deixado de uma geração para outra na sociedade.
Além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. Então nesse instante o ideal educativo grego aparece como paideia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. Platão define Paideia da seguinte forma “(…) a essência de toda a verdadeira educação ou paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento” (cit. in Jaeger, 2001).
Jaeger (2001) diz que os gregos deram o nome de paideia a “todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura.” Então para traduzir o termo paideia “não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.” (Jaeger, 2001).
O conceito de paideia em toda sua abrangência não designa unicamente a técnica própria para preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito para além dos anos escolares.
No diálogo A República (Politéia), escrito por Platão, o mais brilhante e conhecido discípulo de Sócrates, as ideias expostas por ele – o sonho de uma vida harmônica, fraterna, que dominasse para sempre o caos da realidade – servirão como a matriz inspiradora de todas as utopias aparecidas e da maioria dos movimentos de reforma social que desde então a humanidade conheceu.
Essa é a obra mais importante de Platão. Nela ele expõe suas principais ideias.
Platão idealiza uma cidade onde seria utilizada a pura racionalidade. Nela encontra discípulos capazes de compreender todas as renúncias que a razão lhes impõe, mesmo quando duras. Os interesses pessoais se encontram com os da totalidade social.
A obra expõe o mundo das Ideias e declara que este seria um mundo transcendente que está por trás do mundo sensível. As Ideias são formas puras, modelos perfeitos eternos e imutáveis. O que pertence ao mundo dos sentidos se corrói e se desintegra com a ação do tempo. Porém, tudo o que percebemos é formado a partir das Ideias, tornando-se cópias imperfeitas desses modelos espirituais. Só podemos atingir a realidade das Ideias na medida em que nossa mente se afasta do mundo concreto, usando sistematicamente o discurso para se chegar à essência do mundo. A dialética é um instrumento de busca da verdade.
Platão acreditava numa alma imortal que já existia no mundo das Ideias antes de habitar nosso corpo. E quando passa a habitá-lo esquece das Ideias perfeitas. Então o mundo se apresenta a partir de uma vaga lembrança e a alma quer voltar para o mundo das Ideias.
O filósofo fala da renuncia do indivíduo em prol da comunidade, impondo inúmeras condições para a vida.
Apesar do título, A República (em grego: Politéia), esta obra não tem como ponto principal a reflexão sobre teoria política. Nesta o filósofo lida sobretudo com as questões em torno da formação grega, na tentativa de impor uma orientação filosófica de educação em oposição à paideia poética então vigente. Outro alvo que tem em vista é a carreira que os sofistas vinham desenvolvendo como educadores que preparavam os cidadãos a saberem argumentar nos embates democráticos. Portanto, não tinham um compromisso com a verdade, seus argumentos giravam em torno das percepções, opiniões e crenças.
A república ideal seria mais um resultado da paideia filosófica que Platão tenta fundamentar e argumentar nesta obra do que o tema central da argumentação em si. Platão acaba por ter seu pensamento sistematizado por aqueles que adotam sua teoria. Isso nos leva a considerá-lo o “pai” da filosofia, ao menos da filosofia enquanto pensamento sistematizado.
A República é a obra mais extensa do autor e pertence a uma fase mais madura de sua vida. Seu estilo é o diálogo, isto é, um processo de discussão (dialética) através de perguntas e respostas com o objetivo de atingir a verdade. A obra é composta por dez livros tendo início e fim com a discussão em torno da justiça para criação de um “Estado perfeito”.
No início do livro X Sócrates retoma a crítica à poesia como meio educativo. Pois, esta não revela as coisas como são, nos revela somente a aparência; e da natureza humana descreve somente o trágico e o triste. Enfim, a poesia está a três passos da realidade. Deverá ser excluída da Cidade uma arte dessa espécie levando em consideração a razão para proceder (607b), pois seria prejudicial à justiça e às demais virtudes (608b). Sócrates dá a entender que a poesia deva ser substituída pela filosofia como meio educativo, pois somente esta pode nos revelar na sua forma dialética o que é a realidade de fato.
O restante do livro X constitui uma advertência à prática do Bem, ou seja, da justiça e das demais virtudes. Sócrates cita o mito de Er, onde fala da recompensa no pós morte: afinal, a vida “é um grande combate, meu caro Glauco, é mais do que se imagina, o que consiste em nos tornarmos bons ou maus. De modo que não devamos deixar-nos arrastar por honrarias, riquezas, nem poder algum, nem mesmo pela poesia, descurando a justiça e as outras virtudes” (608b).
Sócrates trata da imortalidade da alma e tenta equacionar o destino com a responsabilidade. Com as figuras femininas: Laquesis (passado), Cloto (presente) e Átropos (futuro), as filhas da Necessidade, Sócrates folga os laços do férreo destino, defendido pelo pensamento grego anterior: “Não é o gênio que vos escolherá, mas vós que escolhereis o gênio. O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor; cada um a terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou a desonrar. A responsabilidade é de quem a escolhe. O deus é isento de culpa” (617 e).
Não é sem mérito que Platão é considerado o “pai” da filosofia moderna, em sua obra explora os principais problemas do pensamento ocidental. Ética, estética, política, metafísica, inclusive uma filosofia da linguagem são vistos em sua intimidade através de ricos diálogos. É importante ressaltar que essas críticas feitas pelo filósofo instigaram outros pensadores e nos levaram a uma gama de conhecimento maior que a anterior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PLATÃO. A República. Trad. Carlos Alberto Nunes. UFPR, 1976.
JAEGER, Werner Wilhelm, 1888-1961. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Por Miriã Lira