Agostinho procurou conciliar a razão dos pensadores gregos com as crenças e os ensinamentos de Jesus. A reflexão sobre a criação e a transcendência divina, o significado do tempo e o problema da existência do mal são algumas das linhas mais importantes do pensamento agostiniano.
Biografia
Africano da província imperial de Numídia, Agostinho de Hipona recebeu uma educação pagã. Sua mãe era cristã e seu pai, um pagão que não colocava obstáculos a essa crença.
A leitura de uma obra de Cícero, Hortensius, levou-o à filosofia. Diante da sabedoria filosófica, as Escrituras cristãs lhe pareceram não somente “indignas de serem comparadas com a prosa perfeita de Cícero, mas também rudes e primitivas em sua concepção antropomórfica e pessoal de Deus”.
Em 373 entrou em contato com o maniqueísmo, ao qual permaneceu vinculado durante dez anos. Converteu-se ao cristianismo em 386, depois do que considerou um chamamento divino. Isso não significou a renúncia à cultura antiga, mas o levou a considerá-la válida apenas nos pontos em que coincide com a verdade cristã, podendo, portanto, integrar-se a ela, ajudando uma melhor compreensão das Escrituras e procurando um entendimento racional da fé.
Agostinho apresenta essa coincidência, igualmente, como um empréstimo tomado pelos filósofos pagãos da sabedoria do Antigo Testamento, em ocasião de suas viagens ao Egito. Consequentemente, integrará na sabedoria cristã os elementos da cultura antiga compatíveis com as Escrituras.
A criação
Para Agostinho, a livre criação divina é instantânea e total. O relato bíblico dos seis dias é uma alegoria; tudo é criado por Deus de maneira direta. Está ausente a ideia de uma criação mediata, isto é, de componentes da criação devidos a causas intermediárias ou secundárias (ao contrário do que afirmava o aristotelismo árabe e latino).
Para Agostinho, a criação estende-se no tempo, conservada por Deus, e os seres individuais vão aparecendo sucessivamente quando suas razões seminais ou germes (cópias das ideias), inseridos por Deus na matéria, atingem, com o passar do tempo, seu momento de maturação e nascimento, de acordo com a ordem disposta pela providência divina.
Portanto, para Agostinho, Deus criou o mundo do nada. Se o modelo (as ideias do Verbo) é imanente a Deus, a matéria com a qual o mundo foi criado não preexiste ao nascimento dele.
A matéria também é criação de Deus. Agostinho se contrapõe à tradição platônica ao defender que a produção do mundo não é um processo necessário e inevitável. Para ele, todas as coisas, ao contrário dessa tradição, foram criadas por uma decisão livre e voluntária, um ato espontâneo da livre vontade e do amor divinos.
Agostinho segue aqui a reflexão do neoplatonismo (século II), com o qual concorda também na visão de Deus como Inteligência que contém, em si, as ideias exemplares, os arquétipos do mundo visível.
Essas ideias ou verdades no Verbo são as essências das coisas, isto é, as verdades necessárias, coeternas a Deus, imutáveis. Elas não existem fora de Deus; ao contrário, existem em Deus, com quem são consubstanciais.
Entretanto, seu lugar de existência não impede que, por si mesmas, sejam verdades necessárias e imutáveis. Isso implica, por seu caráter de modelo ou arquétipo da criação do mundo, que este não pôde ser essencialmente diferente do que é.
Essa concepção perdurou até o século XVII, quando foi enfrentada por Descartes.
O tempo criado
A criação não é eterna. É verdade que Agostinho reconhece a existência fora do tempo dos anjos, mas a criação visível não é eterna; foi criada com o tempo (“sem dúvida, o mundo não foi feito no tempo, mas com o tempo”).
O tempo é criatura, nasce como parte da criação e, por isso – uma vez que a eternidade de Deus é alheia ao tempo carece de sentido a pergunta “o que Deus fazia antes de criar o mundo?”
O problema do mal
A criação, para Agostinho, é boa por receber aquilo que é próprio do Criador, que é Deus, Por que existe, então, o mal? O que é o mal? Agostinho responde que o mal físico provém da matéria da qual é constituída a criatura, limitada por ser finita. Desse modo, o mal não provém de Deus e não é outra coisa senão o não-ser, o limite da criatura. O mal é, por conseguinte, a privação de ser – o não-ser – e, verdadeiramente, não existe.
Já o mal moral – isto é, o mal causado pelo homem em seu comportamento injusto diante dos semelhantes e de outras criaturas — não é senão consequência da falha de Adão, pela qual o pecado entrou no mundo e a natureza humana perdeu seu estado originário. Assim, em última instância, o mal moral remonta à liberdade de escolha do homem, no livre-arbítrio que Deus lhe deu e que lhe permite “ser capaz de pecar e de não pecar”.
O mal moral é consequência do mau uso, por parte do homem, de um bem, de uma participação no ser de Deus. Deus sabia de antemão que o homem pecaria, como sabia que desse mal poderia extrair um grande bem.
Por: Roberto Braga Garcia