A Filosofia não só tem história, mas consiste nesta própria história. Se pretendêssemos defini-la, verificaríamos que a definição jamais poderia compreender ou abranger todo o definido, que por ser um processo que transcorre no tempo, mostra-se refratário a qualquer tentativa de imobilização no seu conceito. O filósofo pensa, situa-se no interior da própria história quando conclui a construção do sistema ou elaboração de sua doutrina.
As diversas doutrinas filosóficas constituem momentos sucessivos e abrangentes de um processo único: com todas as conquistas filosóficas o homem não para de abordar temas e problemas que sempre preocuparam o espírito humano. As diversas filosofias nas diferentes épocas apresentam características comuns do pensamento humano. É uma sequência inexorável de um processo que implica os momentos anteriores e torna possível pensar os momentos subsequentes.
Antes de falarmos da Filosofia propriamente dita, cabe meditar um pouco no sentido popular da filosofia como um princípio orientador dos indivíduos que lhes permite unidade nas ações e na conduta. A priori, a Filosofia se debruça sobre a necessidade humana de compreender melhor a vida, meditar a própria vida para melhor poder viver.
Por sua natureza intrínseca, induzido e conduzido por razões imanentes, como a dúvida, a incerteza e o desespero o homem não consegue eximir-se de atitudes filosóficas, ou seja, interroga-se sobre si mesmo e sobre o sentido de sua existência, sua razão de ser.
Em crise existencial ou na euforia da vida, alguém que começa a indagar sobre o porquê da própria vida, está começando a filosofar, isto é, tendo uma atitude filosófica. A atitude filosófica nos mergulha num mundo espetacular, terrível e fantástico ao mesmo tempo: a busca da sabedoria e da verdade.
Uma iniciação à Filosofia visa despertar uma atitude crítica e de avaliação, para chegar a uma consciência mais clara e respeitável quando tiver que optar entre uma infinidade de possibilidades. Quem inicia-se na Filosofia já não pode encarar os problemas do homem e seu mundo com uma atitude simplista de aceitação ou negação. Ele assume a responsabilidade de descobrir as intenções que levam ao questionamento e mudar a realidade pelo fato de interpretá-lo.
A atitude filosófica empenha-se em conhecer o mundo para transformá-lo a fim de restaurar a harmonia e a unidade no pensamento e na própria realidade da existência humana. Ter uma atitude filosófica quer dizer que estamos utilizando o raciocínio fundamentado e lógico, tendo uma visão crítica e adulta da realidade e convicções sustentadas.
Em todos os tempos a Filosofia tenta interpretar o mundo e entender e transformar o homem, isto é, todo tema importante é assunto de preocupação filosófica à procura da verdade.
Conceituação
A Filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é, antes de mais nada, uma prática de vida que procura pensar os acontecimentos além de sua pura aparência. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana.
A Filosofia tem, de início, um caráter negativo, na medida em que começa colocando em questão tudo o que sabemos (ou que pensávamos saber). Por outro lado, tem também um caráter positivo que se revela na possibilidade de transformar os valores e as ideias predominantes que, a partir do momento em que são questionados, podem ser modificados. O lado positivo da postura crítica da Filosofia consiste na possibilidade de construir novos valores e ideias. Mas não resta dúvida de que essas novas formas de pensar, num segundo momento, serão também colocadas em dúvida e questionadas.
Compreendida como pensamento crítico, a Filosofia é uma atividade constante, um caminho a ser percorrido, constituído, sobretudo por perguntas que são mais essenciais do que as suas possíveis respostas. Por sua própria natureza, a filosofia transforma cada resposta em uma nova pergunta, na medida em que o seu papel é questionar e investigar tudo o que é pressuposto ou simplesmente dado. Por isso, costuma-se dizer que as perguntas, para o filósofo, são mais importantes do que as respostas. Essas características são:
– perguntar ‘o que’ a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A filosofia pergunta qual é a realidade ou a natureza e qual é a significação de alguma coisa, não importando qual;
– perguntar ‘como’ a coisa, a ideia ou o valor, é. A Filosofia indaga qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor;
– Perguntar ‘por que’ a coisa, a ideia ou o valor, existe e é como é. A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma ideia, de um valor.
As perguntas da Filosofia se dirigem ao próprio pensamento. Ela torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Com essa volta do pensamento sobre si mesmo, a Filosofia realiza-se como reflexão.
Para Marilena Chauí a reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo para conhecer-se, para indagar como é possível o próprio pensamento.
A Filosofia é mais do que um refletir. Ela é refletir sobre o refletir. A Filosofia surge quando a própria capacidade de refletir é posta em questão, quer dizer, refletimos sobre o refletir, quando queremos saber como adquirimos conhecimentos, ou se sabemos realmente aquilo que supomos saber. Por isso que, para Sócrates, o ponto de partida do filosofar é o reconhecimento da própria ignorância. A afirmação “só sei que nada sei” só pode ser feita por alguém que já exerceu uma autocrítica, que já se debruçou sobre as bases de seus conhecimentos e os avaliou de modo adequado.
A reflexão filosófica questiona:
– os motivos, as razões e as causas de pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos e fazermos o que fazemos;
– o conteúdo ou o sentido do que pensamos, do que dizemos ou fazemos;
– a intenção e a finalidade do que pensamos, dizemos ou fazemos.
Marilena Chauí: “A Filosofia não é um “eu acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião à maneira dos meios de comunicação de massa. Não é pesquisa de mercado para conhecer preferências dos consumidores e montar uma propaganda”.
A Filosofia trabalha com enunciados preciosos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidas por procedimentos de demonstração e prova, exige fundamentação racional do que é enunciado e pensado.
Ao contrário do saber científico, a Filosofia dirige um olhar crítico a qualquer hipótese ou princípio (inclusive sobre si mesma). Não aceita nenhuma afirmação ‘porque sim’, mas porque revisa e discute, em cada caso, as razões que pretendem justificá-las. Em filosofia, qualquer afirmação é suscetível de reflexão e revisão. Em cada caso será preciso explicitar e debater hipóteses, consequências, implicações. É assim que se manifesta seu caráter essencialmente crítico
O filósofo não tem respostas prontas, elaboradas para os questionamentos. Ao contrário, quem filosofa questiona, duvida, indaga, suspeita, abre novos caminhos, interroga, levanta suspeita para provocar reflexões, à procura de uma melhor forma de viver e em busca da vida feliz.
O olhar crítico da Filosofia torna visível o que está oculto nos modos de agir e pensar em meio aos quais estamos desde sempre inseridos e, por conseguinte, possibilita que eles sejam questionados, avaliados e transformados. Nossos modos de pensar e agir só podem ser modificados se forem antes questionados, se tiverem sua legitimidade e seus limites de validade postos em questão, isto é, se forem criticados.
A Filosofia ocupa-se cada vez mais com as condições e os princípios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; com a origem, a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, artísticos e culturais; com a compreensão das causas e das formas da ilusão e do preconceito no plano individual e coletivo; com a transformação histórica dos conceitos, das ideias e dos valores; volta-se, também, para o estudo da consciência em suas modalidades de percepção, imaginação, memória, linguagem, inteligência, experiência, comportamento, reflexão, vontade, desejo e paixões, procurando descrever as formas e os conteúdos dessas modalidades de relação entre o ser humano e o mundo.
O caminho aberto pela Filosofia, portanto, é marcado, sobretudo por debates e controvérsias, e não por unanimidades e certezas. O método é a discussão das teorias propostas para resolver os problemas, a formulação de argumentos e a análise dos argumentos apresentados para atacar e defender essas teorias. Agora podemos ver com clareza por que filósofos diferentes podem oferecer definições tão diferentes da Filosofia, e também por que as investigações filosóficas são frequentemente inconclusivas: o problema de definir a si própria, assim como o fato das suas investigações não chegarem a resultados universalmente aceitos, indica algo da própria essência da Filosofia – seu caráter crítico.
A verdade do mundo e dos humanos pode ser conhecida por todos, através da razão, que é a mesma em todos. A Natureza segue leis necessárias que podemos conhecer, mas nem tudo é possível por mais que queiramos. Tais conhecimentos dependem do uso correto da razão ou do pensamento.
“A mente é o homem, e o conhecimento é a mente; um homem é apenas aquilo que sabe”. (Francis Bacon). O homem é o senhor da natureza à medida que, conhecendo suas leis, pode adaptá-las às suas necessidades. Podemos transformar a natureza, porém nunca conseguiremos modificar suas leis, por esta razão, não é possível comanda-la sem obedecer suas referidas leis.
O conceito de filosofia foi muito bem definido por Gerd A Bornheim no livro “Os Filósofos Pré-socráticos: Se compreendermos a Filosofia em um sentido amplo – como concepção da vida e do mundo – podemos dizer que sempre houve filosofia. De fato, ela responde a uma exigência da própria natureza humana; o homem, imerso no mistério do real, vive a necessidade de encontrar uma razão de ser para o mundo que o cerca e para os enigmas de sua existência.”
A Filosofia indica um estado de espírito da pessoa que ama e deseja o conhecimento. Podemos entendê-la como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade, da origem e causas das ações e pensamentos humanos. O filósofo por amar e respeitar o saber, deseja, procura e respeita o conhecimento, identifica-se com a verdade. A verdade está diante de nós para ser vista e contemplada.
Conclusão
Dizer que a Filosofia não se caracteriza em função de um setor determinado de objetos não significa que ela não tenha objetos no sentido de temas com os quais ela se ocupa. Os conceitos fundamentais utilizados nas diferentes ciências, nas artes, e até mesmo na nossa vida cotidiana são estudados pela Filosofia. Por isso, costuma-se dizer que a Filosofia é o estudo dos primeiros princípios, isto é, princípios a partir dos quais outros saberes são fundamentados ou justificados.
Pretender esvaziar a importância da reflexão filosófica porque depois de 2500 anos os filósofos não chegaram ainda a conclusões definitivas é desconhecer a natureza dos problemas com os quais a filosofia lida. O fato de não se ter até hoje um conceito definitivo de justiça, por exemplo, não pode nem tornar dispensável a busca por tal conceito nem diminuir a importância desse problema. É verdade que muitos dos problemas debatidos hoje são os mesmos que eram discutidos na antiga Grécia. Mas é um erro pensar que tais problemas estão, hoje, no mesmo ponto em que estavam no primeiro momento em que foram colocados. Afirmar que não é possível saber o que é a Filosofia porque os filósofos não apresentam uma única definição do seu próprio objeto de estudo é desconhecer a característica comum que costura toda a investigação filosófica, desde a Antiguidade grega – o caráter crítico.
Não há dúvida de que o homem comum possa passar a vida inteira sem se preocupar com os problemas que rondam os filósofos. Mas ele, conscientemente ou não, está se valendo de motivos para tomar as tantas decisões que a vida o obriga a tomar. Se olharmos mais de perto, veremos que esses motivos estão calcados em princípios ou regras morais, ou em informações às vezes genuínas, ou verdadeiras, às vezes equivocadas, ou falsas. Ou seja, o homem comum não para de refletir, de especular. A reflexão, quer ele se dê conta disso ou não, faz parte de sua vida do mesmo modo que faz parte da vida dos intelectuais, sejam eles cientistas ou filósofos.
Para Epicuro, como se expressa na Carta a Meneceu, o objetivo da filosofia é a felicidade do homem:
“Nenhum jovem deve demorar a filosofar, e nenhum velho deve parar de filosofar, pois nunca é cedo demais nem tarde demais para a saúde da alma. Afirmar que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou é a mesma coisa que dizer que a hora da felicidade ainda não chegou ou já passou; devemos, portanto, filosofar na juventude e na velhice para que enquanto envelhecemos continuemos a ser jovens nas boas coisas mediante a agradável recordação do passado, e para que ainda jovens sejamos ao mesmo tempo velhos, graças ao destemor diante do porvir. Devemos então meditar sobre tudo que possa proporcionar a felicidade para que, se a temos, tenhamos tudo, e se não a temos, façamos tudo para tê-la”. (Epicuro – Carta de Epicuro a Menoiceus)
A Filosofia estudará sempre tudo e não se esgotará, pois é um processo em constante desenvolvimento e aprimoramento. Procurando a verdade, ela engloba todas as coisas como objeto de indagação filosófica: o homem, os animais, o mundo, o universo, o esporte, a religião, Deus.
“Quem é capaz de ver o todo, é filósofo; quem não é capaz, não o é”. (Platão / 427-347 a.C).
Todos nós somos filósofos, uma vez que pensamos, indagamos, criticamos, tentamos respostas e soluções e esbarramos em dúvidas, buscando sabedoria e a verdade.
Filosofar é buscar incessantemente a sabedoria, com base na verdade e na consciência do respeito pos si mesmo e pelos outros. A busca da sabedoria e da verdade é também a busca da perfeição, do equilíbrio e da harmonia.
BIBLIOGRAFIA
http://www.filosofiavirtual.pro.br/filosofia.htm, Profª Cristina G. Machado de Oliveira – 09.03.2005.
http://www.cfh.ufsc.br/wfil/filosofia.htm, Marco Antonio Frangiotti – 05.03.2005.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia, São Paulo: Ática, 1999.
SILVA NETO, José Leite da. (matéria ministrada em sala de aula pelo Professor LEITE)
Autoria: André Antônio Weschenfelder