“O ecletismo consiste na primeira corrente filosófica rigorosamente estruturada no país, tendo logrado ganhar a adesão da maioria da intelectualidade e manter uma situação de domínio absoluto da década de 40 à de 80 do século passado. Acha-se relativamente estudado (…) consolidada e amadurecida neste pós guerra (…)”.
“O processo de formação da corrente eclética abrange aproximadamente os três lustros compreendidos entre 1833 a 1848. No primeiros desses anos inicia-se o contato como o pensamento do Cousin daqueles que seriam os pioneiros e fundadores, em especial Salustiano Pedrosa e Gonçalves de Magalhães. No último, a corrente parece estruturada inspirando publicações periódicas nos principais centros. Nesse ciclo ocorre animado debate filosófico entre naturalistas e espiritualista, quando a solução conciliatória de problemas da liberdade, defendida pelos partidários de Biran e Cousin, conquista a maioria da elite intelectual”
“Paulo Mercadante (…) reivindica o papel do primeiro plano que a filosofia de Cousin desempenhou na vitória da moderação e do espírito conciliador no terreno político” (30).
Os maiores representantes do ecletismo brasileiro, foram Mont’Alverne, Gonçalves Magalhães, Ferreira França Morais e Vale e Antonio Pedro de Figueiredo
“Seu objetivo era a partir da filosofia eclética conciliar o que julgavam verdadeiro em todos os sistemas, considerados como manifestações parciais de uma verdade única e ampla. Em resumo, (…) é o Ecletismo uma reunião de teses conciliáveis tomadas de diferentes sistemas de filosofia, e que são justapostas, deixando de lado, pura e simplesmente, as partes não conciliáveis destes sistemas.(…) É recolher todas as grandes ideias suscitadas pelo progresso das idades, e em fundi-las no crisol de uma ideia nova” (31).
Foi a filosofia que mais despertou nosso interesse, devido ao seu verbalismo e lirismo e à sua superficialidade, algo tipicamente brasileiro.
Todos os exames gerais realizado no império deveriam seguir o esquema eclético, é por isso que se afirma que o ecletismo foi a filosofia oficial entre 1840 e 1880. A filosofia que se ensina era constituída por filósofos poucos conhecidos como Storkenau e Genuiense, pouco conhecidos em outros países, (…) uns restos estropiados de Locke e Condillac, reduzido a figuras mínimas pelos discípulos e comentadores (…) algumas vulgarizações de Maine de Biran e Victor Cousin (32).
Mesmo na questão da reunião de elementos doutrinais, cabe distinguir-se os ecléticos em dois grupos: a) os que reuniam teorias, sem métodos e sem crítica, sendo mais um sincretismo, do que propriamente uma conciliação mais ou menos forçada de doutrinas totalmente diferentes. b) Parte de que o pensamento filosófico em geral engloba sempre elementos muitas vezes incompatíveis entre si.
A máxima de Victor Cousin (estruturador moderno do pensamento eclético) era: “recomendo é um ecletismo ilustrado que, julgando com equidade e inclusive com benevolência todas as escolas, peça-lhes por empréstimos o que tem de verdadeiro e elimine o que tem de falso (33). A filosofia de Cousin foi quase sempre combatida, como sendo superficial, porém no Brasil e em Cuba, foi recebida, com grande entusiasmo, especialmente no Brasil, pois vivíamos uma situação de total improbidade política, ou melhor inércia política. O poder era disputado somente pelas facções palacianas.
Dentre os pensadores ecléticos o que mais se destacou, foi o pernambucano Antônio Pedro de Figueiredo, que teve a preocupação em estudar os problemas brasileiros, mas isso não anulou seu romantismo.
Os ciclos do ecletismo
O ecletismo passa por 3 ciclos bem definidos. Sendo o segundo, o que mais se desenvolveu. Na primeira fase trava-se o debate entre os adeptos de Cousin e de Maine de Biran. Uns pretendiam explicar tudo pelo espírito e outros pela economia anima (viam no naturalismo extremado e se propõe explicar a moral pela alimentação e outros componentes do meio ambiente).
O período de formação (1833-1848), segue-se o período de apogeu que abrange do anos 50 aos 80. “nessa fase de maturidade, a problemática em discussão sofre alteração significativa. Os pensadores ecléticos passam a colocar em primeiro plano o problema da moral, que Biram não resolvera de forma satisfatória e permanecia com um desafio para o espiritualismo em seu conjunto, inclusive os intentos de restauração escolástica” (34)
a) O Ciclo de Formação (1833-1848)
Abrange dois períodos. Os primeiros anos configuram-se a adesão aos denominados pioneiros ou fundadores. A segunda metade da década de 40 aparece as publicações de inspiração eclética. Os pensadores existentes neste período no Brasil, vinculados ao tradicionalismo católico e os kantianos, não tinham muito empenho nas discussões filosóficos. Os 1º porque buscavam uma adesão pura e simples aos dogmas cristãos; os 2º estavam como os empiristas mitigados envolvidos na política, não sobrando espaço, tempo para grandes discussões. Coube aos ecléticos espiritualistas a discussão.
Na Bahia na década de 1840 surgem v rias sociedades entre estas a Sociedade Filosófica, que não sabe-se a data de seu surgimento, mas no jornal “O Comércio” do ano de 1843 se lê: “Domingo, 5 do corrente a Sociedade Filosófica faz sua 1ª sessão do ano. Continua ainda a discussão sobre a pena de morte (…) pelo teor da notícia, deve ter sido constituída em época anterior. A entidade ocupava-se de tem tica ampla, tendo havido inclusive discussões sobre o divórcio. Contudo, no ano de 1843, esteve na pauta de v rias sessões a tese sobre a perfectibilidade do espírito humano” (35).
As publicações em revista, jornais e livros neste período tornaram-se fecundas. Muitas obras editadas não perduraram, como também muitos periódicos, mas sem dúvida muita coisa se produziu. Pelas publicações que apareceram na Bahia comprovam-se que os ecléticos impulsionaram animados debates filosóficos, que os credenciou a adesões e respeito até nos meios mais hostis. “O problema consistia em integrar a liberdade e assim incorporar o liberalismo político num sistema empirista coerente” (36).
A questão não era porém tão simples. A liberdade por todos era aceita. A questão esta na sua fundamentação, existência concreta e localização.
“Ao caracterizar como fato primitivo da consciência ao esforço voluntário decorrente da iniciativa do sujeito, sem que haja sido instado por estímulos externos e assim se aprende como causa e como liberdade, o espiritualismo eclético punha na balança um argumento que então se considerava como correspondendo plenamente as exigências da observação científica (…) A afirmativa da realidade espiritual se fazia incorporado as conquistas da Época Moderna, ao mesmo tempo, ampliando o campo de aplicação do que se entendia como a metodologia de eficiência comprovada” (37).
A igreja como tal, não poderia deixar de posicionar-se e parte para uma oposição frontal ao ecletismo.
b) O Ciclo do Apogeu (década de 50 à 70)
É o ciclo da “filosofia oficial, tornada obrigatória no Pedro II e nos liceus estaduais. desfruta do incontestável prestígio no seio da intelectualidade e da elite política”(38). “Pode-se afirmar com certa margem de segurança que, no ciclo de apogeu, o tema do conhecimento perde posição para o empenho na busca dos fundamentos da moral” (39). Coube porém a Antonio Pedro de Figueiredo a tarefa de colocar ao alcance da intelectualidade patrícia, as obras de Cousin ( pois as traduziu) e como elaboradas na obra ”o progresso”. “Deu preferência à problemática ético-política e, por isso mesmo buscou apoiar-se no historicismo cusano, de inspiração hegeliana, interpretando-o de forma autônoma e original, como de resto ocorreu com os demais pensadores que se tornaram espiritualista-ecléticos (…) Figueiredo manteve-se fiel ao projeto preservando seu car ter ideal. A estrada gloriosa do progresso, que a época moderna abriu à humanidade, encontra seus fundamentos na circunstância de que se trata de simples desabrochar do que estava em germe na mensagem cristã. É um projeto de cunho pedagógico, a serviço do aprimoramento dos homens e da convivência social” (40).
“Assim, o ciclo de apogeu do ecletismo adquire novos contornos. Aparece-nos agora como momento de pleno exercício da criatividade, aplicado a campo virgem, em igualdade de condições com as fontes inspiradoras” (41).
Gonçalves de Magalhães é outro representante deste período, fazendo parte de um grupo denominado de romântico. “O romantismo e os românticos representaram a consciência crítica da nacionalidade nascente; foram os educadores de uma consciência nacional que era, ainda, mais uma aspiração que uma realidade. Trata-se na construção dessa nacionalidade, não apenas de realizar uma tarefa política e econômica, mas de acompanha-la e complementa-la por uma obra espiritual, por um trabalho de formação que é obra de poetas, literatos e de filósofos, e tanto quanto de estadistas, e que tem antes e acima de tudo, um sentido eminentemente pedagógico, no mais alto significado dessa expressão (42). Foi Magalhães que deu ao Brasil o primeiro livro de filosofia que não fosse um mero compêndio. Fez muito mais que filosofia e nesta suas atividades pretendia fundar uma literatura nacional. “Dispôs-se a lançar os alicerces de uma forma nacional de sentir, de querer e de pensar” (43), fundada filosoficamente.
“Situados em seu contexto histórico, os fatos de espírito humano se revestem de uma alta significação: provavelmente pela primeira vez um brasileiro, perfeitamente consciente da importância da filosofia para a própria educação do espírito nacional, se aventura, nem sempre apoiado nas melhores fontes, nem sempre senhor dos temas que manipula, nos domínios da investigação filosófica (…) da filosofia dependem mais ou menos todas as ciências, principalmente as morais e políticas, das quais tanto precisa um povo livre, que aspira a tomar um lugar distinto entre as nações civilizadas; o que só se consegue com a elevação da inteligência a tudo que é belo, bom e justo; e todos podem cultivar a filosofia sem prejuízo, antes com muita vantagem, de todas as outras ciências e interesses” (44).
“A filosofia é a base a a cúpula de toda a cultura: é preciso pois, entregar-se a a ela, aos seus temas fundamentais, para alicerçar uma concepção do mundo – e com ela um ideal de formação humana (…). Só a filosofia – e naturalmente uma filosofia verdadeira – pode dar plenitude, as razões do espiritualismo e justificar a própria fé (…) suas aspirações de moldar, de algum modo, o espírito nacional, de educa-lo para que ele pudesse desempenhar a sua tarefa histórica, exigia, sentimo-lo desde os primeiros passos dados na Niterói, um acaloramento filosófico” (45).
Com a obra de Magalhães uma etapa da filosofia nacional foi concluída, pois os mestres estrangeiros são abandonados para se marcar uma nova fase.
c) O Ciclo de Declínio e da Superação:
É o surto de ideias novas, surgidos na década de 70, a que se seguem o surgimento da Escola de Recife e a ascensão do positivismo. Porém, os “filósofos oficiais, não aceitam muito as novas correntes. Nem mesmo Magalhaães, que as combate veementemente.
Autoria: Pe. Vergílio – CSSR