Filosofia

Filosofia no Brasil

As raras expressões de pensadores brasileiros até o início do século XX foram de cunho amador. Só mais tarde, com a criação das universidades, teve início uma comunidade de pensamento propícia à reflexão filosófica.

No começo, escolástica e lluminismo

A tradição escolástica medieval de Tomás de Aquino chegou ao Brasil com os jesuítas, no século XVI, e foi a corrente predominante nos quase 210 anos em que eles permaneceram aqui como educadores. Além de ser ensinado nas aulas de filosofia das escolas nacionais de nível elementar e médio, o tomismo também vigorava nas faculdades portuguesas, onde estudavam os jovens da elite brasileira.

Esse quadro só sofreria alterações no século XVIII, em consequência de duas iniciativas do Marquês de Pombal, primeiro-ministro português. Uma delas foi a reforma do ensino, que introduziu nas escolas as ideias iluministas. Outra foi a expulsão dos jesuítas e a modificação da estrutura educacional que eles mantinham no Brasil.

Somente assim os estudantes brasileiros que se encaminhavam para as universidades portuguesas puderam estabelecer contato com as novas ideias caracterizadas pela secularização do pensamento, pela aceitação das novas ciências e da técnica, bem como pelo contato com obras de autores iluministas, embora Pombal fizesse restrições às ideias de Rousseau, Diderot e Voltaire. Aliás, foram essas ideias que influenciaram os jovens conjurados pela independência do Brasil.

A influência moderna

Na primeira metade do século XIX, as filosofias francesa e alemã predominavam entre os intelectuais brasileiros. Em 1812, o padre Diogo Feijó escreveu um compêndio de filosofia, roteiro que servia de base às suas aulas e no qual se nota a influência kantiana.

Em Pernambuco, frei Caneca (frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca) escreveu diversos textos, cartas e panfletos com nítida ascendência francesa iluminista, sobretudo de Montesquieu (1689-1755), criticando d. Pedro I e conclamando o povo a resistirá opressão, na luta pela liberdade e pela igualdade.

Retrato de frei Francisco de Mont'Alveme sentado e vestindo uma túnica preta.
Imagem do frei Francisco de Mont’Alveme, considerado o primeiro filósofo do Brasil.

É frei Francisco de Mont’Alverne (1784-1858), porém, que os historiadores consideram nosso primeiro filósofo. Não tanto por seu Compêndio de filosofia, publicado postumamente, mas em decorrência de suas falas como pregador e de sua atividade de professor no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sua filosofia se caracteriza pelo ecletismo espiritualista, que marca o pensamento no período imperial. Era essa também a tendência filosófica ensinada nos cursos preparatórios às faculdades de direito de Recife e de São Paulo, bem como nas de medicina do Rio de Janeiro e de Salvador.

As novas ideias

No final do século XIX começa a oposição à filosofia de inspiração católica e ao ecletismo. As novas ideias surgem com a burguesia, interessada nas conquistas das ciências, e cujos filhos se encaminham para as carreiras militar, de medicina e engenharia. A tendência cientificista e naturalista se configura principalmente na adesão à filosofia positivista de Auguste Comte (1798-1857), ao evolucionismo de Herbert Spencer (1820-1903) e ao monismo materialista de Ernest Haeckel (1834-1919).

Na última década que antecede a proclamação da República, o comtismo encontra no Brasil terreno fértil para se expandir, sobretudo na expressão ortodoxa, que inclui a doutrina e a religião da humanidade. Os principais representantes, Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), divulgaram as ideias positivistas em artigos de revistas, jornais e em publicações diversas, além de fundar a Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, cujo templo se situa na cidade do Rio de Janeiro. São eles também os idealizadores da bandeira republicana brasileira, com o dístico “Ordem e Progresso”.

Na mesma época, juristas como os sergipanos Tobias Barreto (1839-1889) e Silvio Romero (1851-1914), seu seguidor e amigo, buscaram novos rumos para o pensar. Tobias Barreto, antiescolástico, iniciou-se pelo ecletismo, pensamento hegemônico de seu tempo, mas em seguida foi seduzido pelo positivismo e depois mergulhou na leitura dos alemães, quando sofreu a influência do monismo evolucionista e do materialismo de Haeckel.

Silvio Romero, embora formado em estudos jurídicos, destacou-se na área das Letras, como autor da importante História da literatura brasileira (1882), além de ter sido cofundador da Academia Brasileira de Letras em 1897. Foi o primeiro historiógrafo da produção filosófica nacional, com seu livro A filosofia no Brasil (1878), e também escreveu sobre filosofia do direito, entre inúmeras obras produzidas.

O cearense Raimundo de Farias Brito (1862-1917), formado em Direito, representou um esforço de renovação espiritualista contra o positivismo e o materialismo da Escola de Recife, de Tobias Barreto. O ideal que impulsionava o filósofo é a ordem moral: para ele a filosofia visa resolver o problema da vida, do sofrimento e da morte. Considerava que todas as religiões estão mortas, sendo necessário criar uma religião nova “A meu ver, a religião pode ser definida nesses termos: é a moral organizada. E isto quer dizer é a sociedade organizada pela lei moral, é a sociedade governada pela razão”. Ou seja só a filosofia poderia regenerar o mundo. Entre suas obras estão A finalidade do mundo e Ensaios sobre a filosofia do espírito.

Universidades e centros de filosofia

Na maior parte da produção filosófica brasileira até o início do século XX, prevaleceu o cunho amador. Faltava uma comunidade de pensamento, pois até então não havia tradição acadêmica para estimular o debate e o confronto de ideias filosóficas.

Essa situação começou a mudar lentamente após a reforma do ensino superior, com a criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934. Para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foram convidados professores estrangeiros, em especial os franceses, cujo pensamento predominou até fins do século XX.

Fechada do prédio da USP.
Fachada do Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo, onde foi ministrado o primeiro curso de filosofa em nível universitário no Brasil.

Na mesma época formou-se a Universidade Nacional, no Rio de Janeiro, e foi reconhecida a Faculdade de Filosofia São Bento (embrião da futura Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP). Paralelamente às universidades, outros centros de pesquisa foram criados, como: Instituto Brasileiro de Filosofia (1949), Centro Dom Vital (década de 1920), Sociedade Brasileira de Filosofia (1927), Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (1969), Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos (1970) e Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (1982).

Foi importante também a fundação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), em 1955, que reuniu pensadores de diversas tendências ideológicas – sociólogos, historiadores e filósofos -, dispostos a repensar a cultura e a identidade brasileiras, na tentativa de romper a tradição colonial de transplante cultural. Esse esforço representou uma vasta produção, interrompida pelo fechamento do Iseb pela ditadura militar.

O grande diferencial introduzido na área da filosofia pelo número crescente de novas universidades foi o alargamento das atividades acadêmicas, com produção de livros, tradução de autores estrangeiros e publicação de revistas especializadas.

A partir de 1970, com a expansão do programa de pós-graduação, ocorreu maior efervescência intelectual em razão da defesa de teses de mestrado e doutorado. O incentivo de órgãos governamentais, ao conceder bolsas de estudo no exterior, e o surgimento de organizações para a promoção de simpósios e congressos foram outras condições que favoreceram o confronto de ideias e a ampliação do campo de reflexão dos filósofos.

Por: Paulo Magno da Costa Torres

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