Bergson aceita e incorpora os resultados da ciência e a existência do corpo e do universo material para entender a vida da consciência, reinstalando-a assim em sua existência concreta, que é condicionada e problemática.
Biografia
Francês de origem judaica (seu pai, Michael Bergson, era músico, compositor e pianista de procedência polaca), Henri Bergson (1859-1941) acabou se aproximando do catolicismo – em especial após a publicação, em 1932, de seu livro As duas fontes da moral e da religião -, no qual via o complemento do judaísmo.
Porém, como aparece numa passagem de seu testamento, escrito em 1937 e revelado por sua esposa, renunciou à conversão diante do antissemitismo que se espalhava pelo planeta: “Eu teria me convertido, se não tivesse visto preparar-se (…) a formidável onda de antissemitismo que iria se propagar pelo mundo”. Bergson considerou a realidade um “impulso vital”, uma energia criadora que segue, em sua evolução, dois caminhos: o ascendente, que dá origem à vida, e o descendente, que se concretiza na matéria.
O homem, por sua vez, possui dois tipos de conhecimento: o intelectual, que conhece mediante a análise e capta a exterioridade transmissível das coisas, e o intuitivo, que penetra no interior do real e capta o que ele tem de único, de inexpressável.
Algumas de suas mais importantes obras são A evolução criadora (1907) e A intuição filosófica (1911). Em 1927 obteve o prêmio Nobel de Literatura.
A filosofia de Henri Bergson
A consciência
Para Henri Bergson, a duração real revela-se na vida interior, lugar a que se tem acesso por meio da experiência interna. A duração, afirmou o filósofo, é “de essência psicológica’’, caracterizada por mudança incessante, uma corrente contínua e ininterrupta que varia sem trégua. Não é espacial nem calculável. Não é possível reduzir a duração da consciência ao tempo homogêneo do qual fala a ciência, constituído por instantes iguais e sucessivos.
A contínua sucessão dos estados de consciência não pode ser refletida na imagem dos degraus de uma escada, de uma linha de pontos ou dos anéis de uma corrente. Ao contrário, os estados de consciência não podem ser substituídos uns por outros (são heterogêneos); desenvolvem-se em uma continuidade fluida.
A consciência não é uma multiplicidade numérica de estados, e, sim, uma “multiplicidade indistinta ou qualitativa” (expressão de Bergson) de um só estado, que, como uma forte corrente, dura e flui sem interrupção.
A inteligência
A inteligência é a faculdade humana que capta a matéria espacial. Ela mantém uma afinidade essencial com seu objeto, o que de alguma maneira determina sua grandeza e sus miséria. Em A evolução criadora, Henri Bergson atribui à inteligência a capacidade não só de captar os fenômenos, mas também de penetrar na essência das coisas.
A estrutura da inteligência encontra-se perfeitamente adequada à função que, por natureza, já vem encomendada: utilizar e fabricar instrumentos inertes. A ciência obtém seus resultados mais exitosos no mundo da natureza inorgânica, no qual a duração real da consciência é substituída por um tempo homogêneo e uniforme (constituído por instantes iguais), que, na realidade, não é tempo, e, sim, espaço.
A intuição
Segundo Henri Bergson, o único meio pelo qual podemos compreender aquilo em que a inteligência e sua análise (o movimento real) fracassam é a intuição. Dessa maneira, o homem acaba desdobrado nas suas potencialidades de relação com o mundo, adaptando-se à dualidade ontológica da própria realidade: a matéria inorgânica de um lado, o espírito e a vida de outro. Percebe-se a inutilidade de tentar contrapor a inteligência e a intuição. Ambas respondem a funções vitais opostas.
A inteligência foi dada ao homem (“como o instinto para a abelha”) para dirigir sua conduta É um conhecimento fundamentalmente prático. Capta a matéria para transformar os corpos em instrumentos. A intuição, ao contrário, opera com a duração: objetiva captar a duração constitutiva das coisas. Todas elas são impulsos ou tensão dinâmica interna: ser é sempre, de uma ou outra maneira, duração, essa específica determinação espiritual que tudo absorve. Daí a frase de Bergson: a intuição consiste na “visão do espírito pelo espírito“.
Assim, a intuição bergsoniana é, ao mesmo tempo, faculdade do espírito e da experiência metafísica, que exige uma atitude, uma purificação do espírito para libertar-se das amarras que o impedem de alcançá-la. Requer, por exemplo, considerar a validade da linguagem, na suspeita de inadequação ao novo objeto; ao contrário da análise intelectual, que precisa de símbolos, Bergson defende que a intuição capta a realidade independentemente de toda expressão, tradução ou representação simbólica.
Leitura de um texto de Bergson
O corpo e o espírito
A filosofia introduz-nos, assim, na vida espiritual e mostra-nos, ao mesmo tempo, a relação da vida do espirito com a do corpo. O grande erro das doutrinas espiritualistas foi crer que, isolando a vida espiritual de todo o resto, elevando-a o mais alto possível no espaço acima da Terra, resguardavam-na de todo ataque. Mas desse modo levavam-na a ser concebida como uma ilusão! Todas essas questões permanecerão sem resposta. Uma filosofia da intuição será a negação da ciência; cedo ou tarde, será varrida pela ciência, a menos que decida ver a vida do corpo ali onde ela realmente está, no caminho que conduz à vida do espirito. Porém, já não terá de ocupar-se com determinados seres vivos. A vida inteira, desde o impulso inicial que a lançou no mundo, aparecerá como uma onda que ascende e que se opõe ao movimento descendente da matéria. Sobre a maior parte de sua superfície, em diversas alturas, a corrente foi convertida pela matéria em um turbilhão que gira sobre o mesmo lugar. Passa livremente sobre um único ponto, arrastando consigo o obstáculo que entorpecerá a sua marcha, mas não a deterá. Nesse ponto, está a humanidade. Essa é a nossa privilegiada situação.
Por: Paulo Magno da Costa Torres