Boa parte da Metafísica aborda um tema central para a filosofia: o ser, A tradição grega já tinha utilizado esse conceito, que surge no horizonte filosófico com Parmênides, porém, Aristóteles foi seu grande teórico.
Metafísica, a obra
A obra Metafísica trata dos princípios da realidade sensível que, como a matéria e a forma, parecem ser estruturas fundamentais da realidade, dos números e da matemática. Existe até mesmo um pequeno vocabulário filosófico e uma breve “história da filosofia”, mas o ser, a essência, as formas de ser constituem o argumento central do texto.
Substância e acidente
A “filosofia primeira”, ou ciência que busca o ser, é, em Aristóteles, um saber sobre a substância (ousía). E o que é a substância? Na filosofia aristotélica o termo pode ser entendido de quatro maneiras: a) aquilo que é a origem de todos os seres e que permite conhecê-los (princípio fundador da realidade e do conhecimento); b) as causas formal, material, eficiente ou motriz e final de todas as coisas; c) o substrato, ou sujeito, do qual se diz alguma coisa (qualidades, quantidades, lugares e tempos); d) a essência daquilo que existe, isto é, sua natureza, sem a qual a coisa não seria o que é.
E o que são acidentes? São predicados que caracterizam as substâncias – “frio”, “quente” e “branco”, entre outros -, indicando como cada uma delas é. Importante: tais características são acidentais porque não afetam a natureza da substância. Um homem, por exemplo, pode ser magro, loiro, moço; outro pode ser obeso, moreno, velho. Em ambos os casos, suas características particulares (predicados ou acidentes) não alteram o fato de eles serem homens.
Aristóteles também fala em “essências” ao referir-se às substâncias. A diferença, em relação aos predicados, é que, sem as essências, a substância não seria o que é. Assim, a substância homem possui um conjunto de atributos que o caracterizam como homem e que o distinguem, por exemplo, de uma planta.
Outra distinção feita por ele referiu-se a dois tipos de substância, a primeira e a segunda:
“(…) nas Categorias Aristóteles teve o extremo cuidado de distinguir substância primeira e substância segunda, isto é, o sujeito singular (Sócrates, Aquiles, esta margarida, este cavalo) e os gêneros e espécies (homem, vegetal, animal). (…) Que uma coisa seja branca ou amarela é acidental, mas é necessário que possua qualidade (no caso, cor); que uma coisa seja grande ou pequena é acidental, mas é necessário que possua quantidade (no caso, tamanho); que uma coisa esteja aqui ou ali é acidental, mas é necessário que esteja em algum lugar. (…) Podemos então dizer que a realidade pertence à substância primeira, mas que sua inteligibilídade lhe é dada pela substância segunda (…).”
Marilena Chaui, Introdução à história da filosofia, 1, p. 391.
Teoria das quatro causas
Um dos significados do termo “substância”, em Aristóteles, diz respeito às causas das coisas que existem no mundo. Nesse sentido, substância é aquilo que está na origem de cada ente, como sua causa formal material, eficiente ou motriz e final. Elas são explicadas a seguir.
- Causa material: a matéria, ou seja, aquilo do qual alguma coisa é feita.
- Causa formal: a forma, que determina a estrutura da matéria.
- Causa eficiente ou motriz: aquilo que dá origem ao movimento e que atua de modo causai em relação a ele, sendo o agente que o origina.
- Causa final: a finalidade, o objetivo pelo qual algo é feito.
Há um bom exemplo, o da estátua, que facilita o entendimento do que são essas diferentes causalidades: o mármore da estátua é a matéria (causa material); a forma é, por exemplo, a de um cocheiro (causa formal); quem a cria é o artista (causa eficiente ou motriz); o objetivo da produção da escultura é ser o prêmio ao vencedor de alguma competição (causa final).
Matéria e forma
Em sua análise da realidade, Aristóteles descobre que existe algo do qual as coisas são feitas (a matéria) e uma forma que as distingue. Não existe matéria sem forma no mundo, ainda que possa existir superposição de formas em uma matéria.
O mármore, por exemplo, tem a forma característica dessa pedra; já a escultura, embora tenha uma forma diferente daquela que caracteriza o mármore, é tirada dele. Ou seja: tem-se uma forma (a escultura) superposta a outra (o mármore). Outro exemplo: em uma mesa de madeira, a madeira é a forma da matéria madeira; a configuração que o carpinteiro lhe dá é a forma da mesa.
Potência e ato
Os conceitos de potência e ato apresentam semelhança com os de substância e acidente, matéria e forma. A forma é semelhante ao ato, a força (dynamis) que concretiza as possibilidades da matéria. Aristóteles denomina “potência” a essa força. Essa potencialidade (a forma que a matéria pode tomar), porém, não se dá ao acaso.
O estudo da natureza ofereceu a Aristóteles exemplos de que as coisas contêm, em si, suas próprias realizações, Assim, a semente já contém, em potência, a árvore. Em todas as outras coisas da natureza o processo é o mesmo. O escultor que trabalha o mármore, por exemplo, esculpe a forma que aquela determinada pedra, potencialmente, já tem.
É essa concepção dinâmica que caracteriza o conjunto potênàa-ato, diferenciando-o de matéria-forma,
“Enquanto a relação matéria-forma se aplica à realidade num sentido muito geral, e, por assim dizer, estático, a relação potência-ato aplica-se à realidade na medida em que essa realidade está em movimento.”
J. Ferrater Mora, Dicionário de filosofia, t II, p, 1121.
A física é movimento
Na teoria aristotélica, a física é o saber que explica o movimento. Aristóteles entende o movimento de três maneiras:
- uma mudança de lugar no espaço;
- uma mudança qualitativa na qual é a própria matéria, objeto da mudança, que se transforma;
- outro tipo de movimento que não transforma as coisas, mas que as faz aumentar ou diminuir.
Essas três maneiras correspondem respectivamente, em linguagem atual, à mecânica, à química e à biologia.
Por: Roberto Braga Garcia