Mato Grosso, centro da América do Sul, é o terceiro Estado do país em dimensão territorial, com 901.420 km2. A densidade demográfica (pessoa/km2) é baixa, 2,76, se comparada com outros estados mais populosos do Brasil.
A taxa de urbanização em Mato Grosso segue o ritmo nacional, apresentando-se, surpreendentemente, acentuada para um território em que predomina a agropecuária. Esta é, com toda certeza, uma das manifestações da concentração da terra.
Desde o estágio inicial de ocupação, em 1719, até os dias de hoje, a estrutura fundiária de Mato Grosso, principal patrimônio do Estado, encontra-se assentada, predominantemente, em propriedades latifundiárias que se constituíram, em sua grande maioria, à margem das prescrições legais. Este é um fenômeno que predomina na Amazônia Legal.
Do pós-guerra até os idos de 1964, Mato Grosso não definiu sua política fundiária, tendo sido emitidos, indiscriminadamente, títulos definitivos de latifúndios que pouco acrescentaram à ocupação ordenada e à exploração racional do território do Estado. Desta forma, a exploração rural que deveria se constituir em solução econômica e social acirrou ainda mais as contradições no campo.
A consolidação da estrutura fundiária em latifúndios impediu, a um só tempo, a utilização econômica da terra, a expansão da agricultura familiar e o respeito às sociedades indígenas que tiveram expressiva parte de suas terras imemoriais invadidas e expropriadas.
Foi no período do pós-guerra, no final da década de quarenta, que se iniciou o processo de colonização oficial que atraiu expressivo contingente populacional de desempregados de outras regiões do País para Mato Grosso. Contudo, a precariedade das políticas agrárias e agrícolas, então assumidas, somadas às limitadas medidas econômicas e sociais destinadas aos segmentos sociais pobres do campo, lançou os produtores familiares, os ribeirinhos, extrativistas, nativos e sociedades indígenas ao mais profundo abandono. Estas são razões que comprometeram, ainda mais, a dívida social do Estado para com a educação, a saúde, a moradia, a fixação e produção no campo. No decurso da ocupação do Estado, a questão ambiental esteve sempre presente; porém, mal acompanhada e dirigida, servindo, por isso mesmo, aos ilimitados interesses e especulações do capital.
Em 1964, o Estatuto da Terra sinalizou a possibilidade de traçar o estabelecimento de princípios norteadores, capazes de tomar corpo e consolidar-se em políticas agrárias e agrícolas para os produtores familiares do campo. Na prática, prevaleceram os interesses oligárquicos segmentos rurais e urbanos que sempre estiveram à frente do processo. Isso explica a acentuada concentração da terra, a exclusão das famílias camponesas nas décadas seguintes, em razão dos programas especiais incentivados pela SUDAM, SUDECO e PROTERRA.
A corrida ao crédito subsidiado, aos juros negativos, aos estímulos e incentivos fiscais guindou para toda Amazônia, especialmente para Mato Grosso, empresários e banqueiros urbanos que consolidaram a exploração capitalista na região. Em momento algum se tem notícia de qualquer avaliação séria que colocasse no centro das preocupações os custos socioambientais resultantes dos projetos estimulados pelo poder público e implantados pelos empresários da Amazônia.
No decurso da década de setenta, paralelamente ao processo de “modernização do campo”, o Estado estimulou a colonização particular. Essa política de ocupação territorial possibilitou a transferência em massa de significativos contingentes de agricultores de outras regiões do país, principalmente do Sul e Centro-Sul que adquiriram seus lotes nas colonizadoras, após se desfazerem de suas terras de trabalho em seus estados de origem.
No auge da colonização, o sonho da terra estimulou a entrada dos ocupantes posseiros no rural mato-grossense. No período de 1967 e 1980 o pequeno posseiro foi o segmento que mais cresceu no Estado. O incremento dessa população atingiu, aproximadamente, 200.000 lavradores, o que correspondia, na época, a 44% do contingente rural e a 17,5% da população do Estado1.
A política de colonização privada, que se consolidou a partir do final da década de sessenta, fortaleceu a ocupação com privilégios do território mato-grossense. A ela se deve o avolumar do fluxo migratório em todas as direções do campo. A colonização multiplicou o surgimento e criação das cidades de pequeno e médio porte, da mesma forma que foram sendo formadas as periferias urbanas, a exemplo de Cuiabá que acolheu milhões de desempregados, sem terra, sem casa, sem endereço.
Em meados da década de 1980, tudo levava a crer que o conflito pela terra no Estado havia encontrado o caminho de solução. Embora tímido e voltado, fundamentalmente, para solucionar o problema dos bolsões de conflito, o I Plano Regional de Reforma Agrária de Mato Grosso (I PRRA-MT, dezembro/85) apresentou em sua meta trienal a proposta para assentar 41.900 famílias em 2.094.500 ha. Em 1990, ano previsto para o término de execução da primeira fase do Plano, o INCRA realizou apenas 23,46% das desapropriações, assentando 17,39% das famílias previstas.
Nos dias de hoje, o Mato Grosso apresenta o maior número de projetos de assentamento de Reforma Agrária do país. São trezentos e setenta e três que se localizam em todas as regiões e municípios do Estado. A área destinada aos assentamentos é superior a 4,5 milhões de hectares que acolhem 60 mil famílias2. Contudo, em que pese o significado destes números, o produtor familiar assentado vive e persiste em um estado de permanente instabilidade no que tange à fixação e produção no campo. Com toda certeza, como afirmam os produtores, a inexistência de política agrícola torna incerto o amanhã, colocando em risco a permanência na terra e, consequentemente, a própria identidade do agricultor.
Acentuam-se as contradições no rural mato-grossense. Se por um lado, a agricultura vem se tornando recordista no país em plantios de grande extensão, a exemplo das monoculturas de cana-de-açúcar, soja e algodão; por outro lado, eleva-se de forma comprometedora o emprego de herbicida, fungicida e inseticida que comprometem seriamente as águas, os solos e, fundamentalmente, toda espécie de vida, inclusive, a humana.
Importa reconhecer que foram e continuam sendo multiplicadas as iniciativas agro-industriais que, progressivamente, vêm encurtando a distância entre o campo e a cidade no Mato Grosso.
Quando se consideram o território e a diversidade das demandas no Estado, as medidas políticas assumidas não toldam as exigências múltiplas da diversidade cultural e étnica dos diferentes segmentos sociais, predominantemente do universo jovem, em razão do estreitamento dos horizontes de vida e trabalho que inibem, inclusive, o direito de sonhar.
Construção da BR-163
Entre 1950 e 1970 as terras mato-grossenses representavam uma boa oportunidade de se aplicar, pois eram baratas e havia mão-de-obra abundante. Ocorreu nestas décadas uma venda desenfreada de terras. Por serem baratas eram de fácil aquisição. Muitas vezes seus verdadeiros proprietários nem conheciam o tamanho de suas propriedades. Grandes áreas de latifúndio ficavam abandonadas e improdutivas. Muitas dessas terras estavam ocupadas por posseiros e quando os novos donos apareciam surgiam os inevitáveis conflitos em torno da legalidade destas áreas.
A venda de terra se tornou tão indiscriminada que se chegou a vender várias vezes a mesma área para pessoas diferentes, formando-se assim várias camadas de documentos ou escrituras “legais”. Isso ocorria geralmente quando seus proprietários residiam no centro-sul do Brasil e não vinham cercar suas áreas e nelas produzir. Compravam-na apenas para posterior revenda ou utilização futura.
A partir de 1970 o governo federal passou a estimular ainda mais a fixação de grandes empresas e fazendeiros na região, oferecendo diversos tipos de condições, via SUDECO, BASA e SUDAM. Estes incentivos eras acessíveis apenas aos grandes proprietários. Acabou ocorrendo uma concentração de terras perversa, tendo na atividade pecuária a sua sustentação maior. O POLOCENTRO motivou o incremento de grandes propriedades nas áreas de cerrado anteriormente desprezadas. Imaginava-se na década de 70 que, ocupando os espaços vazios da Amazônia, oferecia-se uma solução para minimizar os sérios conflitos urbanos e rurais no sul do país.
Vários fatores explicam a rapidez com que o Brasil conseguiu construir a grande rede de rodovias na Amazônia. O papel principal coube ao DNER, reformulado em 1969 para exercer suas funções. Traçou logo os planos de rodovias que interligassem a Amazônia. O principal objetivo do DNER era a formação de uma rede unificada de estradas na qual seriam levados em conta os interesses civis e militares, visando a integração nacional. As razões reais sempre foram a “Segurança Nacional” e de “Segurança e Desenvolvimento”. Rodovias federais de grande extensão tem sido as precursoras da penetração colonizadora, tendo sido construídas normalmente com esta finalidade.
Em 1970 o espírito dominante era o de conjugar a construção da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém. É o que se depreende da declaração do próprio ministro dos transportes, Mário Andreazza, que na época afirmava o seguinte: “colocando a Amazônia e o planalto central, por assim dizer, mais próximos das demais regiões do país e particularmente do Nordeste, a Transamazônica e a Cuiabá/Santarém, pela articulação que farão com outras rodovias em construção no Oeste, contribuirão poderosamente para a colonização também de áreas de confluência dessas outras rodovias, beneficiando sobretudo o estado do Amazonas, Acre e os territórios de Rondônia e Roraima”.
Em 1971 iniciou-se a construção da BR163 (Cuiabá/Santarém), pelo 9ºBEC, sediado em Cuiabá. Em 1976, após cinco anos de trabalho, a estrada já estava pronta com uma extensão de 1.777 quilômetros, dos quais 1.114 em território mato-grossense.
Segundo Samuel de Castro Neves, na época proprietário da Fazenda Sonho Dourado, em Nobres e gerente da Agropecuária Mutum, no início da década de 70 o traçado original da BR163 saindo de Cuiabá via Rosário e Nobres, entrava no local chamado Boteco Azul, três quilômetros antes do Posto Gil, à direita na direção do rio Novo, Pacoval e Trivelato (que na época ainda não existiam) e chegava ao rio Teles Pires, onde havia uma ponte de madeira, desativada a partir de 1989 com a construção da atual ponte de concreto.
Já no lado direito do rio a estrada seguia rumo ao norte, sempre acompanhando a antiga estrada já existente desde o Posto Gil, pois os japoneses já tinham aberto na década de 50 uma colonização no rio Ferro, depois abandonada. A BR chegava finalmente a Vera, que Ênio Pipino estava colonizando e seguindo até Sinop, também com colonização iniciada por Ênio. Consequentemente o asfaltamento da BR163 deveria seguir por este trajeto rumo a Santarém.
José Aparecido Ribeiro, sabendo do traçado proposto para asfaltamento da BR163, conversou com políticos de Brasília, sugerindo mudanças, demonstrando a importância e o encurtamento de distância do novo traçado, de forma que se envolve o eixo Mutum, Tapurah, Lucas do Rio Verde e Sorriso, viabilizando a colonização dessas cidades com a abertura da rodovia.
As colonizadoras Barra Fértil (Pacoval) e Trivelato compraram as terras nesta região imaginando que o asfalto seguiria o traçado antigo, depois abandonado. Com esta mudança de traçado, Pacoval e Trivelato ficaram por longos anos semi-abandonados, sofrendo com o isolamento e administrações pouco interessadas em seu desenvolvimento.
Cinco anos após a sua inauguração quase todas as matas ao longo da rodovia estavam derrubadas sem um planejamento adequado, sem preocupação com a ecologia, estando margeada por inúmeras fazendas, projetos agropecuários, de colonização, minifúndios, etc. Na temporada das chuvas todo norte do Estado ficava ilhado e um enorme volume de dinheiro parecia perdido. A população ficava sem alimentos e sem combustíveis, produtos que passavam a depender da boa vontade de aviões Búfalo da FAB e a preços inacessíveis a economia popular.
Foi na esteira da construção da BR163 que surgiram imediatamente as firmas de colonização particular, que passaram a adquirir do estado ou de particulares ou mesmo sob a forma de grilagem, grandes extensões de terras ao longo da referida rodovia para a colonização, atraindo basicamente pequenos e médios agricultores da região sul do país. Assim foram surgindo localidades como Sinop, Colíder, Alta Floresta, Terra Nova, Paranaíta, Sorriso, Nova Mutum, Tapurah, Lucas do Rio Verde, Trivelato, Pacoval, São Manuel, Vera, Juara, Nova Ubiratã, Novo Mato Grosso, Feliz Natal, etc.
Autoria: Fabrícia Carvalho