Até os dias de hoje, a Região Norte do país, cujo território em boa parte compreende a Amazônia, é uma região pouco povoada. Contudo, muitas décadas atrás, não havia praticamente qualquer ocupação nessa parte do país. Foi apenas por volta da década de 1960 que teve início, de fato, a ocupação da Amazônia.
Nessa época, o governo brasileiro desenvolveu um projeto de integração para a região, que visava a ocupação do norte. Além de explorar os recursos naturais da Amazônia, o projeto pretendia criar alguma base de ocupação para que a região não permanecesse “vazia” e vulnerável.
Em meados do século XX a Amazônia era um “vazio geográfico”. Apenas algumas poucas expedições e povoados existiam na região, além de tribos e pequenas populações indígenas. Com apoio e investimento pesado do governo federal, foram levados adiante empreendimentos para integrar a região aos centros de desenvolvimento do país. A construção de rodovias de forma rápida (por exemplo, a Belém–Brasília e a Transamazônica), a implantação de projetos de colonização agrícola, a expansão do setor agropecuário, por meio de incentivos fiscais e creditícios e, num segundo momento, com o investimento público em grandes projetos (tais como Grande Carajás e Tucuruí).
Pequenas vilas receberiam infraestrutura e investimentos para se tornar cidades e estabelecer comunicação, comércio e favorecer o ciclo migratório para a região.
Histórico do processo de ocupação
Nos séculos XVI e XVII, a ocupação da Amazônia dava-se através de atividades tradicionais como caça, coleta e pesca, limitando-se a áreas de acesso mais fácil ao longo do leito do Rio Amazonas. O pouco povoamento era sazonal. Exploradores que desbravavam o curso do rio acima, pescadores e coletores de ervas e especiarias que faziam viagens de ida e volta e, somente por volta do século XIX, a formação de algumas vilas com o desenvolvimento da exploração do látex das seringueiras para a produção da borracha.
Entre os séculos XIX e XX, o aumento da procura internacional pelo produto, estimulou a exploração e os movimentos migratórios de nordestinos para a região, o que desencadeou a formação de várias agrovilas, envolvidas na produção e no transporte da borracha para o litoral.
O ciclo da borracha foi o principal responsável pela transformação das cidades de Belém e Manaus. Era preciso haver entrepostos para atendimento a clientes vindos do exterior e embarque do látex para mercados internacionais. Manaus oferecia um bom entreposto no próprio rio Amazonas, enquanto Belém oferecia uma rota viável para o sul do país e para a Europa e os EUA. Porém o ciclo da borracha não durou muito – com a entrada do século XX, produtores asiáticos, sobretudo provenientes da Indonésia e da Malásia, até hoje grandes produtores, levaram a cadeia amazônica da borracha a uma crise.
Somente em meados do século XX é que, através da ação do governo federal, a região voltou a apresentar nova etapa de crescimento. O governo queria não apenas atrair exploração de recursos e uma população de subsistência – queria investimentos. Por essa razão, foi criada em 1953 a Superintendência para a Valorização Econômica da Amazônia, atualmente Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), que apoia financeiramente projetos na região. No mesmo período foi criada a Suframa (Superintendência do Desenvolvimento da Zona Franca de Manaus), com o objetivo de incentivar o desenvolvimento industrial na porção ocidental da Amazônia, em especial o de Manaus. Com a evolução das iniciativas, o processo de ocupação da Amazônia foi dividido em dois eixos:
- A porção oriental que tem de um lado a Rodovia Belém-Brasília como eixo principal e, de outro, a implantação de grandes projetos minerais, como o Projeto Carajás. O desenvolvimento destes projetos ocasionou grande ocupação ao longo da Estrada de Ferro de Carajás a São Luís (no Maranhão). Mineradoras e produtores de metais criaram verdadeiras cidades no entorno de suas minas e usinas. Especialmente no Pará, cidades como Ananindeua, Parauapebas, Marabá, Paragominas e outros desenvolveram-se com a economia de grandes gigantes do setor mineral, com destaque para a ex-estatal Cia Vale do Rio Doce.
- A porção ocidental, onde a ocupação deu-se ao longo das rodovias Cuiabá-Santarém e Brasília-Acre. Em Rondônia e também no norte do Mato Grosso, surgiram vários núcleos de povoamento que reforçaram a ocupação do oeste da Região Norte com a criação da Zona Franca de Manaus. Neste processo, Manaus e Belém passaram a ocupar lugar de destaque na polarização do espaço da região Norte como metrópoles regionais.
O regime militar e a ocupação da Amazônia
Para acelerar a ocupação e a exploração econômica da Amazônia, as instituições regionais criadas a partir do governo Getúlio Vargas foram modernizadas a partir de 1966, sob a chancela da “Operação Amazônia”. Idealizada pelo governo militar de Castelo Branco, a operação reformulou a legislação básica e as normas institucionais para atrair os grandes capitais corporativos, colocando a região na mira dos investidores. Sim, os recursos naturais da Amazônia ainda eram um atrativo, mas o capital barato para investimentos e as isenções fiscais se tornaram os principais eixos de atração econômica.
Contudo, especialmente na visão dos militares, para ocupar a Amazônia era necessário conhecer essa imensa região. Para isso, foi criado o Projeto Radam (Radar da Amazônia) que “tinha como objetivo proceder ao levantamento dos elementos básicos necessários a um planejamento racional do aproveitamento integrado dos recursos naturais da região Amazônica”.
O Projeto Radam criou frutos durante o governo do general Ernesto Geisel, quando foi criado o Polamazônia, que tinha por finalidade o estabelecimento de quinze áreas prioritárias para a ocupação, visando à exploração dos recursos agrominerais e agropecuários na Amazônia Legal.
Entretanto, a região era muito grande e mesmo todos os esforços de governos civis e militares por 30 anos não pareciam suficientes para promover a ocupação da Região Norte. Assim sendo, o presidente Emílio Garrastazu Médici assinou finalmente o Decreto-Lei nº 1.106, que criou o Plano de Integração Nacional (PIN). Entre as principais finalidades do plano estavam a abertura das rodovias de integração Transamazônica, Porto Velho-Manaus, Perimetral Norte, Cuiabá-Santarém (BR-163) e Cuiabá-Porto Velho (BR-364).
Outro decreto de abril de 1971 declarou as terras devolutas em uma faixa de 100 km, ao lado das rodovias na Amazônia Legal, como áreas de segurança nacional, nas quais o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) iria implantar os planos oficiais de colonização por meio da entrega dos lotes aos colonos. Além do desenvolvimento industrial, urbano e mineral, o governo pretendia promover o desenvolvimento da agricultura nas vastas terras da região.
O Incra implantou diversos pólos de colonização ao longo do percurso da Transamazônica, na tentativa de criar um fluxo migratório a partir da Região Nordeste. Cedendo terras a nordestinos, o governo militar pretendia “puxar” o rápido adensamento populacional de alguns estados do Nordeste para a Região Norte.
Ainda durante o período militar, outros projetos e iniciativas foram levados adiante para acelerar o desenvolvimento da região amazônica, tais como:
- O Projeto Grande Carajás, criado por decreto em 1980 pelo presidente João Figueiredo e administrado pela antiga estatal Cia Vale do Rio Doce, o maior projeto de minério-de-ferro do mundo na época.
- O Projeto Calha Norte, de ocupação das zonas ribeirinhas do Amazonas e Solimões, idealizado na década de 1980 por militares e formalizado já no governo José Sarney.
A questão do desmatamento
A região amazônica apresenta índices preocupantes de desmatamento. No final da década de 1970, apenas 3,8% da mata original tinha sido devastada; hoje esse percentual ultrapassa os 20% na porção brasileira. Especialistas e opinião pública culpam em grande parte o próprio processo de ocupação da Amazônia pelos resultados negativos sobre a cobertura vegetal.
A imensidão da região torna difícil o controle das atividades – em especial extrativas, seja de minérios ou produtos florestais. Para garantir o atendimento das metas traçadas ainda nos militares e, ao mesmo tempo, conseguir algum controle sobre o processo de exploração, foram criados o SIVAM e SIPAM no início dos anos 1990, respectivamente os sistemas de vigilância e de proteção da Amazônia.
A partir de meados dos anos 90, a questão da exploração em contraposição ao desmatamento e degradação da Amazônia ganhou destaque, inclusive nos novos planos governamentais. Entre as políticas mais notórias de desenvolvimento nessa época pode-se citar os programas Brasil em Ação, de 1996, e o Avança Brasil, de 1999, em um nível mais abrangente. Junto a eles, ocorreu o início do transporte da soja pela hidrovia do rio Araguaia em 1995 e a inauguração da hidrovia do rio Madeira em 1997, em um nível mais específico. A chegada dos anos 2000 traria, contudo, uma segunda controvérsia à ocupação da área: a questão indígena.
A questão indígena
Dos cerca de 900 mil índios que habitam o território brasileiro, mais da metade vive na região Norte brasileira. As várias tribos e comunidades indígenas sofreram grande dizimação ao longo do processo de ocupação da região, fato que só foi revertido com a demarcação de terras e a criação de áreas de preservação. Hoje as populações indígenas voltaram a crescer e aumentar numericamente.
A aceleração da ocupação e do desenvolvimento econômico a partir dos anos 1970 criou pólos de conflito entre populações e comunidades que viviam na região e os novos colonos, empresários e exploradores. As crises teriam início com os próprios grandes projetos de infraestrutura do governo, como a construção da Transamazônica, as barragens de hidrelétricas mais ao sul e mesmo projetos de mineração estatais.
Os anos 1990 iniciariam um período de enormes conflitos. A demarcação das terras indígenas é uma forma de preservar e garantir a sobrevivência dos índios e seus descendentes, mas não necessariamente os limites dessas terras foram historicamente respeitados. Discussões sobre as áreas das reservas e interesses econômicos levaram a tragédias e conflitos que se aproximaram de guerrilhas locais, desde os anos 1980 até recentemente.
Referências:
- SILVA FILHO, E. G. A Amazônia e o plano de integração nacional: os projetos de expansão e o avanço do capital nas sociedades tradicionais. Revista Tempo Amazônico-ISSN, v. 3, n. 2, p. 136-152, 2016.
- PRATES, Rodolfo Coelho; BACHA, Carlos José Caetano. Os processos de desenvolvimento e desmatamento da Amazônia. Economia e Sociedade, v. 20, p. 601-636, 2011.
Por: Carlos Artur Matos
Veja também:
- Tudo Sobre a Amazônia Legal
- Floresta Amazônica
- Ciclo da Borracha
- As Lutas pela Terra na Amazônia
- A Internacionalização da Amazônia