Em maio de 1952, o projeto da Petrobras foi enviado ao plenário da Câmara dos Deputados, após ser examinado pelas comissões técnicas parlamentares. Das seis comissões, apenas duas (a de Finanças e a de Economia) o aceitaram sem restrições. A Comissão de Constituição e Justiça deu-lhe parecer favorável, apresentando porém um total de 23 emendas.
Também se encontrava em discussão outro projeto, apresentado em janeiro a título de substitutivo pelo deputado Eusébio Rocha, do PTB de São Paulo. O substitutivo de Eusébio Rocha mantinha a fórmula da empresa mista para a Petrobras, mas propunha um rígido monopólio estatal, reduzindo ao mínimo os direitos dos acionistas privados e vedando a participação de capitais estrangeiros. Em março, o substitutivo foi aprovado pela Comissão de Segurança Nacional, presidida por Artur Bernardes. Nessa mesma época, Eusébio Rocha declarou na Câmara que o presidente se manifestara plenamente favorável ao seu substitutivo.
Em 10 de maio, a direção da UDN assumiu a defesa do monopólio estatal, ingressando ativamente na luta contra o projeto da Petrobras. A surpreendente posição da UDN teve uma clara dimensão política, admitida inclusive por seus próprios deputados. “Para nós”, declarou o deputado Aliomar Baleeiro, “o problema é essencialmente político.” Posteriormente, Baleeiro definiu melhor a posição do partido:
“Afirmamos, os deputados da UDN, que de boa-fé qualquer pessoa pode sustentar a conveniência da entrega do petróleo aos trustes, conforme as circunstâncias, claro. Fora outro o governo e tivéssemos uma fórmula nítida diante dos olhos, sim, porque não seria eu que tivesse medo dos gringos. No caso concreto, porém, nas circunstâncias atuais, diante da inexistência dessa fórmula definida, leal, a melhor solução é o Estado.”
Em 12 de maio, o líder da maioria, Gustavo Capanema, apresentou – a pedido de Getúlio – um requerimento de urgência para discussão e votação do projeto da Petrobras na Câmara. O requerimento foi aceito, apesar da grande oposição da UDN, do PSB e de outras agremiações menores. Entretanto, a aceleração dos debates veio apenas demonstrar as diminutas possibilidades de aprovação do projeto governamental na Câmara.
Em 6 de junho, o deputado Bilac Pinto, presidente da UDN, apresentou um substitutivo em favor do monopólio estatal do petróleo, prevendo a criação de uma Empresa Nacional do Petróleo (Enape). O projeto foi subscrito por representantes de todos os partidos maiores, inclusive Eusébio Rocha e Artur Bernardes.
Paralelamente aos debates na Câmara, a UNE e o CEDPEN lançaram novamente a palavra de ordem “O petróleo é nosso”, conseguindo mobilizar o apoio da opinião pública em favor do monopólio estatal, através de uma intensa campanha em todo o país. A campanha ganhou um indisfarçável sentido de contestação a Vargas, denunciado como “aliado do imperialismo” por comunistas, militares nacionalistas e até mesmo dirigentes do PTB.
Getúlio também procurou mobilizar a opinião pública em seu favor, lançando suspeitas sobre a posição assumida pelos udenistas e os comunistas. Em 23 de junho, em discurso pronunciado em Candeias, um dos centros de produção de petróleo da Bahia, Vargas atacou de frente os seus adversários:
“É justificável a sinceridade dos que encaminham as suas preferências para outras formas jurídicas, como incompreensível a atitude tendenciosa dos que pretendem servir-se de um problema nacional para fazer jogo de oposição. Não os incluo entre os conhecidos advogados dos monopólios econômicos estrangeiros, nem entre os arautos dum falso nacionalismo que mal encobre uma filiação ideológica, visando novos imperialismos. Não é de espantar, pois, que se levantem agora uns e outros, com o objetivo de torpedear e paralisar a atual proposta governamental – os primeiros porque não têm ponta de acesso na nova organização e os últimos porque, para eles, só interessa que o petróleo seja nosso, mas… debaixo da terra.”
O governo distribuiu amplamente nos meios sindicais um folheto em defesa do projeto da Petrobras, ao mesmo tempo em que medidas repressivas eram tomadas contra a campanha pelo monopólio estatal. Em junho, a polícia reprimiu a tiros um comício realizado na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. O incidente de maiores implicações políticas ocorreu em julho, quando a polícia tentou impedir a realização da III Convenção Nacional de Defesa Nacional de Petróleo, convocada pelo CEDPEN. O encontro foi proibido porque deveria coincidir com a visita do secretário de Estado norte-americano Dean Acheson ao Rio de Janeiro, ou, como explicou o diretor da Divisão da Polícia Política, porque poderia “parecer um acinte às autoridades e ao governo, bem como ao ilustre hóspede”. Sob os protestos da oposição parlamentar, o deputado Gustavo Capanema explicou que tinha havido um mal-entendido, pois não se cogitara da proibição. O CEDPEN realizou a convenção na data prevista e novamente condenou o projeto governamental, qualificando-o de “impatriótico e lesivo aos interesses do povo brasileiro”.
Nesta altura dos acontecimentos, diante da situação criada pela campanha nacionalista, Vargas optou finalmente pelo monopólio estatal, autorizando o início das negociações interpartidárias no Congresso. O primeiro passo foi o compronissso assumido por Capanema, em nome da maioria governamental, de apoiar a emenda proposta pelo deputado Lúcio Bittencourt, do PTB de Minas Gerais, vedando a participação de acionistas estrangeiros na Petrobras.
Em 2 de setembro de 1952, o projeto da Petrobras foi aprovado em primeira discussão na Câmara, com mais de 150 emendas, entre as quais a de Lúcio Bittencourt. Remetido ao Senado demorou mais um ano para ser submetido à apreciação final do Congresso, enfrentando resistência exatamente oposta à da Câmara.
Vargas trabalhou ativamente por uma ação combinada entre a Assessoria Econômica e os senadores favoráveis ao monopólio estatal. Na defesa do projeto da Petrobras, tal como fora enviado pela Câmara, destacaram-se desde o primeiro momento os senadores Landulfo Alves, do PTB da Bahia, Kerginaldo Cavalcanti, do PSP do Rio Grande do Norte, Domingos Velasco, do PSB de Goiás, e Alberto Pasqualini, do PTB do Rio Grande do Sul.
“O presidente”, relatou Jesus Soares Pereira em seu depoimento, “recomendou-me que procurasse catequizar o senador Pasqualini. Queria que fosse ele o relator do projeto na Comissão de Economia. E a propósito fez as seguintes observações: ‘Estamos em divergências políticas em questões específicas do partido no Rio Grande do Sul. Mas trata-se de um homem de primeiríssima ordem. Sua adesão ao projeto seria muito valiosa. Procure-o, mas trate-o com cuidado, pois é um italiano muito desconfiado’.” Pasqualini foi efetivamente o relator da Comissão de Economia, onde defendeu o projeto do governo em estreito contato com a assessoria.
A ação do governo, segundo Gabriel Cohn, visou principalmente “conter os representantes mais agressivos dos interesses voltados para a participação do setor privado na exploração do petróleo”. Um desses representantes, o senador Oton Mäder, da UDN do Paraná, chegou a apresentar emenda ao projeto no sentido de favorecer a participação dos grupos privados, tanto nacionais como estrangeiros. A emenda foi apoiada pelo senador Assis Chateaubriand, do PSP da Paraíba, e recebeu parecer favorável da Comissão de Transportes, Comunicações e Obras Públicas, presidida pelo senador Napoleão Alencastro Guimarães, do PTB do Distrito Federal, que desde o início havia-se situado numa linha divergente em relação ao seu próprio partido. Em favor dessa iniciativa, o presidente da Confederação Nacional do Comércio, Brasílio Machado Neto, mobilizou as associações comerciais de vários estados do país.
Em junho de 1953, o projeto retornou à Câmara com 32 emendas, algumas das quais permitindo o completo controle da Petrobras pelos interesses privados não só nacionais como estrangeiros. Todas, porém, foram derrubadas na Câmara. Em 21 de setembro, o projeto foi aprovado em sua redação definitiva.
Em 3 de outubro de 1953, Vargas sancionou a Lei nº 2.004 que criava a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.), empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por suas subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Além de intensificar as atividades de exploração e produção de óleo cru, a Petrobras deveria também encarregar-se da administração das refinarias governamentais: uma em funcionamento, a refinaria de Mataripe, na Bahia, e outra em construção, a refinaria de Cubatão, em São Paulo, inaugurada em abril de 1955 e mais tarde denominada refinaria Presidente Bernardes.
O primeiro presidente da Petrobras, designado por Vargas em maio de 1954, seria o então coronel Juraci Magalhães que, apesar de ligado à UDN, já dera provas de colaboração com sua administração ao exercer a presidência da Cia. Vale do Rio Doce de 1951 a 1952.
Do ponto de vista dos interesses nacionais, a criação da Petrobras foi seguramente uma vitória. Símbolo do nacionalismo econômico e político de uma determinada época da história brasileira, a Petrobras iria ampliar extraordinariamente o campo de suas atividades nas décadas seguintes, tornando-se uma das maiores empresas do Brasil e do mundo.
Por: Andressa Fiorio