Logo no início do Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, visando incentivar a produção brasileira em bases industriais, além de estimular a economia nacional, adotou algumas medidas radicais, que em seu conjunto ficaram conhecidas como Encilhamento.
Contexto histórico
Um pouco antes do final do reinado de Dom Pedro II, o Brasil passava por severas mudanças estruturais. Antes que a República fosse instaurada no país, o Brasil era um dos países no mundo onde a infraestrutura crescia mais depressa. Em 1889, no limiar da Proclamação da República (que teria no chamado “Encilhamento” uma de suas primeiras grandes medidas), o território brasileiro contava com mais de 9 mil quilômetros em ferrovias e a mesma extensão em planejamento ou desenvolvimento. Linhas telegráficas ligavam o país inteiro ao Sudeste, inclusive atingindo estados distantes como o Pará.
Indústrias eram construídas em todo o país: em 1850, apenas 50 fábricas operavam em solo brasileiro. Ao final do reinado, esse número já atingia 636 indústrias. O fim do tráfico de escravos em 1850 liberou recursos financeiros e mão-de-obra para os projetos, obras e o trabalho nas fábricas. Além disso, o rápido desenvolvimento brasileiro atraía imigrantes de todos os cantos do mundo, em busca de oportunidades. Só havia dois problemas: primeiro, o Brasil na época não emitia papel moeda suficiente para pagar essa nova legião de trabalhadores; e em segundo lugar, a falta de um mercado financeiro e de capitais desenvolvido, que permitisse financiar novos projetos.
No limiar da entrada da república, em 1886, a Abolição da Escravatura criou uma movimentação sem precedentes no mercado de valores do Rio de Janeiro. O fim da chamada Lei dos Entraves e mudanças na legislação fundiária tornaram a especulação em bolsa um excelente negócio. O Brasil, mesmo com as inovações da Lei Bancária de 1888, chegou ao fim do Segundo Reinado imerso em uma grave crise econômica, que teria sido, inclusive, um dos motivos para que o apoio à Proclamação da Repúblico entrasse em franco crescimento.
Medidas do encilhamento
As medidas que compõem o encilhamento tiveram início ainda na monarquia. Em 1888, o Visconde de Ouro Preto, ministro da fazenda do Império, determinou uma nova Lei Bancária, criando a possibilidade de emissão de títulos que poderiam ser convertidos em ouro por alguns bancos, embora na prática apenas o Banco do Brasil o fizesse.
As medidas criaram espaço para um sistema bancário mais moderno e com alavancagem, aumentando as possibilidades de financiamento. A ideia original do visconde copiava modelos europeus nos quais o Banco Central era um órgão privado. A oposição de Ruy Barbosa a muito do modelo do visconde foi exatamente o que o colocou na fazenda, após a Proclamação da República.
Ruy Barbosa foi o grande responsável pela maior parte das medidas do Encilhamento. Ironicamente, grande parte do que o político criticava em seu antecessor acabou sendo colocado em prática – Barbosa queria o apoio da burguesia industrial e de grandes banqueiros em suas medidas. Uma série de medidas foram postas em prática, inclusive uma nova Lei Bancária, em 1890:
- protecionismo alfandegário, com o aumento das taxas de importação sobre os produtos similares aos nacionais, ou como é conhecido hoje, uma política de substituição das importações.
- facilitação para a burguesia industrial obter matéria-prima, criando base para a expansão industrial e instalação de novas empresas.
- estímulo à exportação de açúcar para os Estados Unidos, visto que os norte-americanos tentavam reduzir a influência inglesa na economia brasileira.
- emissão monetária em larga escala, por meio de criação de zonas bancárias em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre, sem o devido lastro em ouro do Estado, a exemplo do que muitos países já havia feito.
Quanto a esta última medida, cabe esclarecer: a emissão de papel-moeda se dava conforme a quantidade de reservas em ouro disponível no país. A moeda é nada mais do que um título que representa um volume equivalente em ouro, ou valor equivalente em outra mercadoria ou ainda outro título (como ocorre hoje, com o lastro em dólar).
Quando um governo emite papel moeda sem lastro, ele de forma objetiva fraciona o valor de cada título em relação aos depósitos em ouro (ao menos na época). Isso leva a uma desvalorização da moeda e consequente inflação. Em outras palavras, o preço dos produtos sobe à medida que o valor equivalente em lastro é reduzido.
Consequências do encilhamento
Com a inundação de empréstimos, crédito e facilidades na emissão de título – algo novo em solo brasileiro – muito do crédito que, em teoria, seria destinado à industrialização do país, acabou se tornando objeto de especulação.
Sem mecanismos de controle eficazes, o sistema bancário agora permitia que muitos “investidores” tivessem acesso a capital fácil emitindo papéis de empresas que eram apenas uma fachada. Empresas multinacionais que não existiam, companhias de navegação que não possuíam um bote sequer, empreendimentos de colonização de terras e de mineração em locais remotos, que simplesmente não possuíam qualquer tipo de comprovação.
Uma bolha de capital especulativo se formou rapidamente e, enquanto isso, empréstimos à indústria e à produção, que deveriam ser simples e de baixo custo, tornavam-se caros, difíceis de obter e sujeitos a juros exorbitantes. A especulação financeira atingiu um nível tal que medidas de controle e frenagem se tornaram imprescindíveis. Daí o termo encilhamento. O termo “encilhar” significa apertar a montaria com a cilha, ou colocar arreios no cavalo. Era exatamente isso: a fazendo precisa colocar arreios no mercado bancário, de modo a retomar o controle da economia.
Ao fim do Encilhamento, empresários que haviam investido em empreendimentos reais possuíam dívidas imensas com os bancos, e incapazes de produzir, criavam escassez de determinados produtos, agora sobretaxados nas importações. Os preços de bens industrializados foram às alturas e os bens agrícolas seguiram a tendência. Entre a população, o desemprego havia crescido e agora a inflação empurrava muitos daqueles que possuíam reservas a uma situação de pobreza.
Embora a crise tenha estourado no governo do Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente militar brasileiro, seu agravamento transformou o governo de seu sucessor, Floriano Peixoto, um verdadeiro desastre econômico e afetou todo o governo do primeiro presidente civil do país, Prudente de Morais. Expoentes do Encilhamento foram perseguidos, investigados e tiveram bens sequestrados pelo Estado e até mesmo o famoso Ruy Barbosa se viu obrigado a optar pelo exílio na Europa.
A crise apenas se resolveu a partir do governo de Campos Sales, quando a fazenda impôs medidas austeras sob o comando de Rodrigues Alves, que viria a se tornar ele mesmo presidente da república, sucedendo Campos Sales, a partir de 1902.
Por: Carlos Artur Matos