Nos primeiros anos da economia canavieira na América Portuguesa, a mão-de-obra era composta de indígenas escravisados. Mas a escravidão indígena logo se mostrou incoerente com o domínio jesuítico e a rentabilidade do tráfico negreiro.
Causas e características da escravidão indígena
Com o início da colonização de fato, em 1532, as relações entre indígenas e portugueses tornaram-se, de modo geral, bastante conflituosas. Inicialmente as relações não se mostraram hostis, mas os interesses econômicos portugueses não tinham como plano principal a preservação da boa relação com as tribos e etnias. Os portugueses necessitavam de mão de obra para suas plantações de cana-de-açúcar, mas os indígenas não mostravam interesse em trabalhar nessas lavouras.
Sem a disposição de trabalhar de forma “amigável”, portugueses se viram forçados a arrumar uma alternativa para conseguir mão-de-obra para as promissoras plantações de cana – e assim iniciaram um violento processo de captura e escravização indígena.
Portugueses e colonos iniciaram uma espécie de diplomacia em prol da escravidão. Firmavam acordos e alianças com determinadas tribos e etnias, como estratégia para atacar e escravizar outras. Os conflitos e guerras seculares entre tribos rivais foram aproveitados para levar a cabo o plano português.
Ao longo do século XVI, a demanda portuguesa fez as guerras intertribais se intensificarem e atingirem proporções inéditas. Sempre houve conflitos, mas agora os índios tinham um estímulo adicional para atacar e capturar inimigos.
Ainda na primeira metade do século XVI, os dados da colônia demonstram que apenas 7% do trabalho no Brasil era executado por escravos de origem africana – o tráfico negreiro ainda estava em fase de desenvolvimento. O grosso da mão-de-obra, nesse período, era conseguida localmente.
Não apenas aqueles que se opunham aos portugueses foram afetados pelo avanço da colonização lusitana. Os povos indígenas como um todo sofreram baixas. Grupos que viviam na região costeira tiveram de migrar para o interior, onde a captura por portugueses era mais difícil. Muitas tribos da Amazônia, hoje em dia, na verdade tinham assentamentos em regiões costeiras no período do Descobrimento.
Além do risco de escravização, as epidemias que acompanhavam a conquista ceifaram a vida de um número incalculável de nativos. Doenças comuns a portugueses eram inexistentes na América, e povos indígenas não tinham defesas naturais. Pequenos resfriados e viroses eram mortais.
Até 1570, houve grande avanço dos portugueses no sentido de ampliar a escravização indígena. O foco era o Nordeste, centro da economia açucareira.
As leis contra a escravização indígena
A partir de 1570, passou a vigorar a primeira lei que previa a extinção da escravização indígena, assinada por D. João III, rei de Portugal. A lei era vaga e previa inúmeras exceções, necessárias para contentar colonos locais e, ao mesmo tempo, metrópole e igreja.
Basicamente, a escravização era autorizada quando precedida de uma “guerra justa” contra os nativos. O conceito era amplo e podia envolver ataques de indígenas a cidades e acampamentos, mas também costumes indígenas que fossem considerados repulsivos ou não-civilizados por europeus.
Nesse ponto, a igreja ampliou sua campanha contra a escravização indígena. No olhar da igreja, a escravatura era uma barreira contra a catequização e evangelização das comunidades locais.
A resistência indígena e sua dizimação
Além da atuação dos jesuítas, outro fator que dificultou a escravização indígena foi a intensa resistência dos nativos. Algumas tribos eram numerosas e organizadas, e atacavam portugueses e colonos com táticas similares às atuais estratégias de guerrilha. Algumas capitanias hereditárias foram praticamente abandonadas em razão das dificuldades dos donatários para enfrentar os “índios bravios”.
Mesmo capturados, indígenas não se submetiam completamente aos senhores de engenho. Fugas, revoltas e incidentes eram comuns.
Guerras, revoltas, conflitos entre tribos e a chegada de doenças e epidemias destruidoras convergiram numa catástrofe demográfica autóctone. Dos vários milhões de índios existentes no Descobrimento, segundo estudos, apenas cerca de meio milhão chegariam ao fim da colonização.
Mesmo com o auge do tráfico negreiro, por volta do fim do século XVI e início do século XVII, a mão-de-obra indígena continuou a ser usada. Nessa época índios ainda representavam até 20% da força de trabalho total e, mesmo que a escravização dos locais não fosse o foco, os avanços das entradas e bandeiras no interior tornaram a venda de prisioneiros indígenas um fator de renda extra para bandeirantes.
A partir do século XVII, os bandeirantes paulistas passaram a fazer com mais frequência expedições contra aldeias e missões jesuíticas, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, as chamadas bandeiras de preação. Assim, embora houvesse uma legislação da coroa portuguesa sobre os povos nativos, ainda que contraditória e oscilante, na prática muitos colonos e bandeirantes ignoravam a coroa e agiam a despeito de qualquer proibição.
A cristianização dos indígenas
Entre 1549 e 1760, os jesuítas se fizeram presentes na vida das comunidades indígenas em quase todo o território brasileiro. A estratégia de difusão da fé cristã estendia-se inclusive, para a América Espanhola. Religiosos mostravam alguma tolerância em relação aos costumes locais e com isso obtinham mais respeito e alinhamento por parte dos índios.
O processo de catequese foi bem-sucedido à medida que jesuítas conseguiram, com sucesso, dominar uma série de línguas e dialetos locais, com destaque para o tupi. Missões jesuítas representavam, além disso, um ponto mais seguro para povos indígenas. Muitos se sujeitavam a uma conversão ao cristianismo como forma de sobrevivência, evitando confrontos com bandeirantes, colonos e portugueses.
O clero conseguiu, com apoio da coroa portuguesa, envolver missionários a partir de 1587 em praticamente todas as expedições, mesmo aquelas sem cunho religioso. Desse modo, a coroa garantia uma redução da violência contra os locais. Contudo, colonos ao longo do século XVII passaram a atacar inclusive aldeias “pacificadas” pelos jesuítas, e mesmo missões foram, em alguns casos, atacadas e tomadas por grupos de bandeirantes em busca de mão-de-obra indígena.
Por: Carlos Artur Matos