O Plano Cruzado foi um programa de estabilização econômica lançado no Brasil no primeiro semestre de 1986, já no segundo ano do José Sarney, visando conter as elevadas taxas de inflação que chegavam a 80% ao mês. As séries inflacionárias e a hiperinflação pareciam sem controle, e o plano foi o primeiro de muitos “pacotes” do governo Sarney para tentar remediar a situação.
Causas e contexto histórico
Os últimos anos do governo militar deixaram como herança para a reabertura um razoável superávit na balança comercial. Em 1985, ele atingiu cerca de 12 bilhões de dólares. As exportações estavam em alta depois de uma enorme desvalorização cambial do cruzeiro, moeda na época, ainda em 1983. Salários baixos e uma vantagem cambial permitiam aos produtos brasileiros competir no exterior com preços baixos, criando uma explosão das vendas externas. Contudo, a desvalorização criaria seu preço.
Ao lado do superávit, ficaram também uma colossal dívida interna e externa, o aumento do déficit público e uma inflação galopante. Embora as vendas em dólares garantissem o sucesso da balança, no país a inflação descontrolada pela perda do poder de compra da moeda local tornava impensável a estabilização econômica.
Empresários fugiam dos setores de manufatura e de bens de maior valor agregado, concentrando investimentos no setor produtivo ou investindo em opções de curtíssimo prazo, como o infame overnight, operação financeira que possibilitava altos rendimentos em apenas uma noite.
Por isso, houve a supervalorização do mercado financeiro em prejuízo do setor produtivo. A rentabilidade de opções de curtíssimo prazo, ou a vantagem maior de vender externamente, começava a gerar escassez de alguns produtos no mercado interno, mesmo quando a demanda recuava – o que impulsionava ainda mais a inflação.
As constantes remarcações de preços também foram outro mecanismo usado pelos empresários para garantir a rentabilidade. Compras em semanas diferentes às vezes representavam diferenças de preço de 5%, 10% ou mais. A economia precisava de um choque capaz de refrear a inflação presumida – uma vez que preços começavam a aumentar com base em projeções de inflação futura.
Parar tentar interromper o processo da hiperinflação, Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro, decretaram, em fevereiro de 1986, o Plano Cruzado.
As medidas do Plano Cruzado
Controle de preços e salários e desindexação da economia foram os dois princípios básicos desse programa de estabilização econômica. O nome do plano veio da extinção da moeda anterior – o cruzeiro – e sua substituição por uma nova moeda, o cruzado.
A correção monetária, que alimentava a inflação, foi extinta e foram congeladas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). A drástica intervenção rapidamente criaram uma recomposição da renda e aumentaram o reinvestimento no setor produtivo.
A nova moeda, o cruzado, simplesmente teria o valor de mil cruzeiros. Os “zeros cortados” acompanhariam a economia brasileira por muito tempo. No plano, 1000 cruzeiros agora valiam 1 cruzado. O Decreto-Lei nº 2.284 extinguia o cruzeiro e, no prazo de dois meses, qualquer cruzeiro já não mais teria valor monetário. Outras medidas merecem destaque:
- Proibição de contratos com indexação qualquer em prazos inferiores a um ano – com exceção para a caderneta de poupança.
- Salários foram corrigidos pela média real dos seis meses anteriores ao plano, assim como o salário-mínimo obteve um reajuste real de 15%, pela mesma base.
- Instituiu-se o seguro-desemprego.
Na mesma toada, salários, prestações de aluguel e outros custos recebiam regras para reajuste e “datas-base” específicas para que eles fossem aplicados.
Consequências
Apesar das críticas quanto aos mecanismos de reajuste de salários, o Plano Cruzado aumentou a participação dos trabalhadores assalariados na renda nacional, pelo menos nos primeiros meses de sua existência. O sistema de “gatilho salarial” (reajuste automático do salário todas as vezes que a inflação atingisse 20%) e o seguro-desemprego também contribuíram para isso. Contudo, os novos mecanismos, apesar de “resetarem” a economia, sofriam de um mal similar à antecipação dos índices inflacionários que havia causado o desastre anterior.
Mas a medida mais emblemática do período foi o congelamento de preços – usado como uma espécie de mecanismo de redistribuição de renda, aumentando o poder de compra dos trabalhadores, o que provocou aumento no consumo. Uma corrida foi iniciada. De repente, todos tinham mais dinheiro e os produtos não mais aumentavam em base semanal ou diária. Por outro lado, ninguém sabia quanto tempo duraria o congelamento – o que gerou uma antecipação das compras e esvaziamento dos índices de poupança, em especial da classe média – houve queda de 27% nos depósitos de poupança entre fevereiro e maio de 1986.
Dessa forma, o governo se popularizava. Milhões de brasileiros vestiram a camisa do Plano Cruzado e saíram pelas ruas como “fiscais do Sarney”, cuja atuação era garantir os preços dos produtos determinados pelo governo. A fiscalização de preços era supervisionada por um novo órgão criado – a SUNAB.
A euforia do consumo gerou sérios problemas: a oferta não dava conta da demanda. Do mesmo modo, o congelamento não atingiu necessariamente os custos de produção – para alguns empresários simplesmente não valia a pena vender.
No mercado real, preços permaneciam congelados, mas cobrava-se uma taxa extra para garantir a entrega e o abastecimento de determinados produtos – o ágio. Ao final de oito meses, o ágio era uma instituição. Determinados produtos era simplesmente impossíveis de se encontrar – até os dias de hoje, famílias e jornais ainda possuem fotos de prateleiras vazias em mercados e varejo. O Plano Cruzado fracassara – a economia voltou a sofrer indexação, principalmente usando o dólar como base, ainda que informalmente, e a inflação parecia querer voltar ainda mais forte.
O Plano Cruzado II
Em janeiro de 1989, depois de fracassos seguidos em ajustes ao Plano Cruzado original por meio de “pacotes”, surgiu um novo plano econômico: o Plano Verão. O economista e, agora ministro Maílson da Nóbrega, criou um conjunto de medidas que copiava em muitos aspectos o plano original, tanto que alguns historiadores o chamam de Plano Cruzado II. O plano continha praticamente apenas medidas de curto prazo, presentes na Medida Provisória nº 32, de 16 de janeiro de 1989.
Uma segunda moeda foi criada em menos de três anos, o cruzado novo. O plano buscava, além do mero ajuste monetário, criar estabilidade por meio de um ajuste fiscal – mas ele nunca ocorreu. O congelamento de preços se repetiu – mas dessa vez em níveis mais altos. Muitos setores anteciparam reajustes ao próprio plano, remarcando preços no fim de semana anterior ao anúncio das medidas.
Na prática, o Plano Verão fracassou e nada de concreto resultou dele. A popularidade do governo Sarney foi abaixo e a espiral inflacionária, com índices anuais que chegavam a quase 2000%, apenas iria cessar anos depois, na década de 1990.
Referências:
- JUCÁ, Michele Nascimento. O plano cruzado e seus fatores limitantes para se atingir o desenvolvimento econômico. 1993.
- CORAZZA, Gentil. A politica econômica do Plano Verão. Indicadores Econômicos FEE, v. 17, n. 1, p. 15-21, 1989.
Por: Carlos Artur Matos