A burguesia medieval se tornaria uma classe de suma importância na passagem da Idade Média para os tempos mais esclarecidos da Idade Moderna. Os burgueses iniciaram uma trajetória emergente com o surgimento dos primeiros grandes burgos europeus, a partir do séculoXI.
Caixeiros viajantes, comerciantes, artesãos, especialistas, “médicos” e curandeiros, livreiros e escribas, até mesmo artistas e bardos. O comércio, a partir do ano 1000, começou a se tornar uma atividade mais intensa entre os incontáveis burgos europeus. Relembrando tempos da Antiguidade Romana, comerciantes e prestadores de serviços diversos corriam de burgo em burgo, vendendo e revendendo todo tipo de produto, realizando serviços e chegando a trabalhar para as famílias nobres locais, ou mesmo clérigos.
A não-sujeição dessa classe a regimes de servidão comuns na época, como a vassalagem, não os prendia a nenhum feudo em particular e, ainda que a eles incidissem taxas, permissões e licenças a ser pagas (além de subornos, evidentemente), eram livres o suficiente para acumular posses e alguma riqueza.
Em alguns séculos, os burgueses teriam acumulado riquezas e prestígio suficientes para influir diretamente nas famílias nobres e também nos círculos de poder da Igreja, em alguns casos.
Surgimento da burguesia
Durante os primeiros séculos da Idade Média, as atividades no campo tornaram-se mais importantes do que as atividades urbanas. As enormes cidades-estado da Antiguidade Clássica foram esquecidas – e mesmo as maiores cidades da Europa não eram nada próximo dos vivos e imensos centros urbanos de Roma, Grécia ou Egito.
Com o desenvolvimento do comércio após o século XI, as cidades passaram a desempenhar novos papéis. Feiras e mercados agitavam a vida nessas cidadelas e eram palco de operações de compra, venda e troca de todo tipo de mercadoria. Camponeses livres podiam vender, assim, o seu excedente de produção – ao contrário dos servos e vassalos, que entregavam esses produtos em sobressalência para seus senhores.
O crescimento do comércio incentivou o surgimento de grandes feiras na Europa (de onde vêm, inclusive, a nomenclatura dos dias da semana em português). Assim como ainda ocorre em muitas regiões da Europa, feiras duram dias ou mesmo semanas, e acontecem algumas vezes por ano.
Essas feiras recebiam comerciantes oriundos de diversos feudos ou mesmo países, trazendo produtos de todo tipo, inclusive especiarias e raridades asiáticas e africanas que se tornariam famosas na Era das Grandes Navegações. Tecidos exóticos, temperos e condimentos como a canela e a pimenta, corantes, porcelanas orientais, essências do mundo árabe. Produtos caros e extremamente raros que atendiam a consumidores exigentes – nobres, membros de alta patente de exércitos, bispos e cardeais.
Encomendas, inclusive, não eram raras e artesãos em alguns casos associavam-se a comerciantes, criando verdadeiras caravanas que atendiam ao público mais endinheirado. Comerciantes de tecidos e peles com costureiras e alfaiates. Vendedores de madeiras nobres, como o ébano, que atuavam em conjunto com marceneiros e carpinteiros.
Em meio à febre da “nova economia medieval”, surgiram também os primeiros cambistas, que exerciam suas atividades de troca e exame das moedas em bancos de madeira. Eles também ofereciam letras de câmbio para substituir o pagamento imediato de moedas. Dessas práticas – necessárias num mundo onde cada senhor feudal cunhava seu próprio dinheiro – surgiriam os primeiros bancos e entidades bancárias.
Assim como ocorre nos dias de hoje em muitos países em desenvolvimento de crescimento urbano vertiginoso, cidades eram expandidas de maneira desordenada. O centro das cidades geralmente obedecia uma lógica: praça central, catedral, edifício da administração, etc. Mas a ordem se perdia nos arrabaldes. Becos, ruas tortuosas e os primeiros cortiços proliferavam e empilhavam-se, com cada vez mais gente saindo do campo.
Cambistas e letras de câmbio
Os primórdios do sistema bancário atual tiveram surgimento em inusitados especialistas que passeavam pelas feiras medievais. Em troca de pagamento, alguns comerciantes avaliavam e estabeleciam regras e proporções de troca entre moedas distintas.
Os cambistas auxiliavam comerciantes que precisavam trocar moedas recebidas em outros lugares ou queriam dinheiro de outros feudos, antes que iniciassem viagem. Com o tempo, esses cambistas passaram a oferecer empréstimos. Credita-se aos Templários as primeiras ocorrências de empréstimos durante a Idade Média no Ocidente (embora haja registro de práticas anteriores na China). Os templários, talvez por sua influência e poder durante a época das cruzadas, realizavam operações bastante sofisticadas – que inclusive envolviam operações semelhantes a “financiamentos” e “penhoras”.
Claro que eram poucos os documentos e o formalismo nos rudimentares primeiros anos dos “bancos”. Contudo, letras de câmbio tornaram-se comuns já nessa época, como uma espécie de documento mercantil intercambiado entre “banqueiros”.
O sistema permitia a viajantes depositarem, por exemplo, algum dinheiro em Avignon, na França, e posteriormente resgatar um valor equivalente em Bremen, na Alemanha, com outro “banqueiro”. Os cambistas cobravam uma taxa pela serviço e além da operação de troca de moedas, garantiam a segurança do viajante, que não corria mais o risco de ter seus proventos roubados ou furtados.
Os templários também ficaram famosos como pioneiros nesse tipo de operação. Em alguns casos registrados, as “letras de câmbio” eram redigidas e assinadas em cartas que provinham crédito para o portador, quando chegasse ao seu destino.
Burgos e burgueses
As cidades fortificadas por grandes muralhas eram conhecidas como burgos, e seus habitantes, naquela época, eram chamados de burgueses. De início, os burgueses não tinham nada de especial – tratava-se apenas de outro nome para “citadino”.
Claro, havia burgueses ricos e pobres, mas a casa de um burguês mais promissor podia ter vários cômodos – algo raro para moradores do campo. Em casas maiores e mais bem instalados, comerciantes e artesãos utilizavam sua propriedade para moradia e também para trabalho, como loja ou oficina.
Com o passar do tempo, burgueses mais enriquecidos passaram a dividir os mesmos espaços ocupados pela nobreza dentro dos burgos. Os burgueses passaram a buscar uniões pelo matrimônio com nobres, pelos títulos que isso proporcionaria, enquanto nobres casavam-se com burgueses em busca de riqueza e conforto.
Cartas de franquia
Libertar-se da lógica da vassalagem e da sujeição a determinado feudo ou senhor era algo difícil, porém cada vez mais possível. Cidades medievais, em geral, eram erguidas ou prosperavam em terras de propriedade de nobres ou membros do alto clero. Em troca do uso da terra, moradores deviam a esses senhores impostos e serviços.
Contudo, os habitantes dessas cidades podiam alcançar a liberdade – por meio da compra de cartas de franquia. Senhores, nobres, bispos e cardeais vendiam aos citadinos essas cartas – elas ofereciam direitos mais extensos a quem pagasse. O direito de eleger representantes, ou mesmo direito à isenção de tributos.
Corporações de ofício
Nas cidades medievais, surgiram as corporações de ofício. Hoje em dia, a organização que mais se assemelha a essas corporações são as cooperativas. Nessas corporações, artesãos com atividades em comum ou complementares associavam-se. Tal como ocorre em sindicato, essas corporações tinham o poder de criar exigências ao exercício das profissões e versavam sobre temas como a qualidades, níveis mínimos ou máximos de preço e até mesmo estipulavam a divisão de mercados e de público. Os membros dessas associações recebiam auxílio, na velhice, por exemplo.
Essas corporações eram dirigidas por mestres, proprietários da oficina, das ferramentas e das matérias-primas utilizadas – numa analogia ao que ocorreria séculos depois, os precursores dos primeiros “capitalistas”. Os mestres abrigavam e ensinavam o ofício a aprendizes, que ofereciam o seu trabalho em troca. Depois de aprenderem a profissão, os aprendizes adquiriam habilidade e experiência e passavam a receber pagamento por seu trabalho.
Por: Carlos Artur Matos