O século XVIII assistiu a uma revolução intelectual de enorme importância na História da Humanidade. A ela foi dado o nome de iluminismo ou filosofia das Luzes (na Península Ibérica, recebeu o nome de Ilustração). Por essa razão, o século XVIII é também conhecido como o Século das Luzes.
O progresso do pensamento filosófico e dos conhecimentos científicos durante o século XVII despertaria, na centúria seguinte, um grande interesse pelos estudos sociais, políticos e econômicos. Mas o fator essencial para o surgimento do iluminismo foi o descontentamento da burguesia com a estrutura vigente.
A Inglaterra havia superado o Antigo Regime graças à Revolução Gloriosa de 1688. Na Europa Continental, porém, continuava a predominar a estrutura baseada no absolutismo por direito divino, no mercantilismo e na sociedade de ordens. Ora, em países como a França ou a Alemanha (esta última dividida em inúmeros Estados), a mesma burguesia, que antes apoiara o fortalecimento do poder real e a intervenção do governo na economia, voltava-se agora contra essas práticas. A razão principal para tal mudança de atitude foi a riqueza acumulada pelos burgueses, que os fazia almejar uma participação no governo e nas decisões sobre política econômica.
Basicamente, o iluminismo representou as aspirações e interesses da burguesia no século XVIII. A filosofia iluminista direcionava-se para objetivos práticos, visando reformar as instituições políticas, sociais e econômicas para levar a sociedade humana à felicidade. Por isso atacava a intolerância, os privilégios da nobreza e do clero e, sobretudo, a falta de liberdade.
O iluminismo repercutiu em todo o Mundo Ocidental, inclusive nas Américas. Seu centro irradiador foi a França, onde os elementos que embasavam o Antigo Regime passaram a sofrer maior contestação.
Características fundamentais do iluminismo
As ideias iluministas caracterizavam-se por alguns princípios fundamentais, a saber: o racionalismo, o naturalismo, o liberalismo, a igualdade perante a lei e o anticlericalismo. Examinemo-los.
O racionalismo consiste na ênfase dada ao uso da razão. Os iluministas rejeitavam o pensamento teológico, buscando para tudo uma explicação racional. Não obstante, afirmavam que a razão somente seria utilizada corretamente se fosse iluminada (ou esclarecida) pelas luzes do conhecimento. Portanto, uma pessoa ignorante não saberia usar a própria razão. Daí a afirmação, recorrente entre os filósofos do período, de que o governo seria exercido pela minoria esclarecida (ou seja, pela burguesia).
O naturalismo dos iluministas refletia sua crença na perfeição da Natureza. Esta deveria ser imitada pela sociedade humana, dentro da interpretação – feita pelos iluministas – do que seria natural. Assim, da mesma forma que os fenômenos da Natureza são regidos por leis determinadas, também as relações entre os homens deveriam ser reguladas por normas naturais. Encaixa-se nessa linha de pensamento a afirmação de que o homem possui direitos naturais, retomando, nos aspectos político e social, o antigo conceito romano de Jus Naturale.
O liberalismo é o reconhecimento da liberdade como um direito natural do homem. Essa liberdade se exerceria nos níveis político, econômico e intelectual, o que levava os iluministas a condenar o absolutismo, o intervencionismo e a intolerância. Mas não se tratava de uma liberdade absoluta, sendo limitada pelos valores morais e pelo respeito aos direitos dos demais integrantes do corpo social.
A igualdade dos homens perante a lei. Dentro desse raciocínio, a lei não poderia privilegiar alguém com base em seu nascimento ou condição social. Todavia, a igualdade defendida pelos iluministas era apenas civil (ou jurídica), não se estendendo ao plano econômico; e também não eliminava o menosprezo que a burguesia sentia em relação às classes populares.
O anticlericalismo foi também uma característica do iluminismo. Quase todos os filósofos do período eram teístas, isto é, acreditavam em um Deus criador do Universo. Mas voltavam-se contra a Igreja (especialmente a Igreja Católica) por dois motivos principais: um era filosófico (a Igreja colocava a fé acima da razão); o outro, político-ideológico (a Igreja apoiava o absolutismo, justificando-o pela teoria do direito divino). Havia ainda um argumento de ordem racional: se Deus está presente na Natureza, a Igreja torna-se uma instituição dispensável. Para o homem cumprir os desígnios divinos, bastaria ter uma vida virtuosa, sem se ater a crenças e rituais.
Principais filósofos iluministas
O inglês John Locke (1632-1704) é considerado o “Pai do Iluminismo“. Em seus dois Tratados sobre o governo civil (1690), posicionou-se frontalmente contra o absolutismo, defendendo a ideia de que o governo deve representar os cidadãos (entendidos como os membros das classes dominantes). Foi ele o primeiro pensador moderno a afirmar serem os indivíduos possuidores de certos direitos naturais, que o Estado tem obrigação de respeitar.
Os principais filósofos iluministas nasceram na França ou viveram nela. Foram eles Voltaire, Montesquieu, Diderot e Rousseau (este último nascido na Suíça).
Voltaire (1694-1778) foi o mais destacado representante do iluminismo, graças a seus dotes literários, que lhe granjearam grande prestígio entre os leitores. Escreveu numerosas peças teatrais, romances, contos e poemas, e em muitos deles veiculou suas ideias. Em 1734, publicou as Cartas Inglesas ou Filosóficas, nas quais elogiava as liberdades vigentes na Inglaterra e atacava o absolutismo e a intolerância. Obrigado a deixar a França, nunca mais voltou, vindo a falecer na Suíça. Voltaire foi um feroz adversário da Igreja, sobretudo dos jesuítas. Até sua morte, exerceu extraordinária influência, inclusive sobre os setores intelectualizados da aristocracia europeia. Sua obra mais importante é o Dicionário Filosófico (1764).
Diderot (1713-1784), juntamente com o matemático d’Alembert (1717-1783), dirigiu a elaboração da Enciclopédia, obra em 35 volumes, publicados entre 1751 e 1772. Esse trabalho monumental, que contou com cerca de 150 colaboradores, procurou abarcar todos os conhecimentos da época e, ao mesmo tempo, difundir as concepções iluministas. O governo francês chegou a proibir sua divulgação em duas ocasiões, mas em vão.
Montesquieu (1689-1755) publicou em 1748 sua obra maior: O espírito das leis. Nela, estudou as diversas formas de governo, destacando a monarquia parlamentar inglesa. Sua grande contribuição para as ideias políticas foi a teoria da tripartição de poderes, segundo a qual o governo deve ser dividido em Executivo, Legislativo e Judiciário. O equilíbrio entre os poderes impediria a tirania e garantiria os direitos e liberdades dos cidadãos.
Rousseau (1712-1778) constitui um caso à parte dentro do iluminismo. Concordava com os pensadores do período na defesa da liberdade e na valorização da Natureza. Mas, ao contrário dos outros, que eram monarquistas liberais, foi um partidário ardoroso da democracia. Em seu livro O contrato social, afirmava ser o Estado o representante da vontade geral, isto é, da maioria dos cidadãos (entendidos como o conjunto da sociedade, ou seja, o povo). Portanto, o poder político repousaria sobre o povo, que, em última análise, seria a autoridade suprema (esse raciocínio teria grande influência na fase popular da Revolução Francesa). Contrariando o racionalismo dos demais iluministas, Rousseau defendia o predomínio dos sentimentos, afirmando que o homem no estado da Natureza é bom (“A sociedade o corrompe”); essas ideias colocam-no como precursor do romantismo.
Dois outros livros de Rousseau são também importantes: Emílio, no qual propôs uma nova pedagogia, baseada na liberdade do educando, e Discurso sobre a origem da desigualdade, que antecipou os socialistas na crítica à propriedade privada.
Os economistas
Os pensadores iluministas abordaram sobretudo questões filosóficas ou problemas políticos e sociais. Mas uma parcela deles concentrou-se nos estudos econômicos, ficando por isso conhecida pela designação de os economistas. Estes combatiam o mercantilismo, que vinha a ser a vertente econômica do Antigo Regime, e defendiam a liberdade econômica (em francês: laissez-faire / “deixai fazer”). Consideravam a regulamentação exagerada, as tarifas alfandegárias e o excesso de impostos como entraves ao progresso. Para eles, o Estado não deveria intervir na economia, a não ser para garantir a propriedade privada e o livre curso das atividades produtivas. Criticavam igualmente o metalismo mercantilista, mas dividiam-se a respeito do que deveria substituir o ouro como base da riqueza nacional.
Os franceses Quesnay, Gournay e Turgot afirmavam que a principal atividade produtiva é a agricultura, cabendo à indústria e ao comércio um papel secundário. Segundo eles, a riqueza de cada país dependeria de sua maior ou menor disponibilidade de recursos naturais. Essa posição valeu-lhes a denominação de fisiocratas (partidários do governo da Natureza).
O escocês Adam Smith (1723-1790) concordava com as críticas dos fisiocratas ao mercantilismo e defendia a liberdade econômica. Entretanto, por ter vivenciado a Revolução Industrial na Inglaterra, divergia dos demais economistas sobre qual seria a base da riqueza, em substituição à teoria metalista. Enquanto os fisiocratas valorizavam os recursos naturais, Adam Smith sustentava que o trabalho (entendido como atividade técnica) era a verdadeira fonte da prosperidade. Suas ideias estão expostas em uma obra essencial, intitulada A riqueza das nações (1765).
A economia deveria, pois, fluir livremente e produzir riqueza, guiada apenas por aquilo que Adam Smith chamava de “a mão invisível”, isto é, a relação natural existente entre as forças econômicas. Essa formulação teórica propiciou, ao economista escocês, o título de “Pai do Liberalismo Econômico”.
Bibliografia: Coleção Os Pensadores, Editora Abril, Livro XXIV.
Por: Anita Bonomo