A Muralha da China, ou a “Grande Muralha da China”, é um dos monumentos mais grandiosos já construídos pelo homem. Sua extensão e tamanho podem ser inclusive vistos do espaço – como uma linha fina que cruza parte da porção norte do país. São milhares de quilômetros construídos em várias porções e divisões, um dia erguidos para servir de delimitação e proteger a China contra invasões e ataques vindos do norte.
A extensão da muralha ainda é desconhecida. Embora parte da muralha esteja praticamente intacta, especialmente ao redor de Pequim, a grande maioria da construção hoje está reduzida a ruínas ou é parte de sítios arqueológicos, especialmente na parte oeste, penetrando os desertos do interior da China.
A primeira etapa da construção
O primeiro grande idealizador da muralha foi o imperador Qin Shi Huang, fundador da dinastia Qin (221-207 a.C.). Shi Huang unificou os Estados chineses Yan, Zhao e Qin e criou o primeiro desenho do que é a China atual. O fundador do império chinês ordenou a construção da muralha principalmente como forma de refrear ataques de tribos nômades do noroeste, em especial os Xiongnu, um povo que ocupava regiões que incluem a atual Mongólia, parte da Rússia e Ásia Central – os Xiongnu eram pastores e exímios cavaleiros, e a muralha oferecia uma barreira contra suas investidas.
Assim, o imperador Qin ordenou ao general Meng Tian que recrutasse todos os homens aptos do império para trabalhar na unificação dos muros que protegiam os três antigos Estados. Em seu estágio inicial, muito da muralha estava concentrado ao redor da capital e dos centros de poder da China. Sua grande extensão seria resultado de reformas e expansões nos séculos seguintes, e ela receberia novas obras e anexos por mais 1500 anos.
Como a muralha foi construída
Camponeses, presos políticos, opositores da dinastia Qin: milhares de homens foram obrigados a marchar até o norte e trabalhar na construção das muralhas. O contingente de homens que trabalhou na obra é monstruosos – estima-se algo em torno de 3 milhões de pessoas, o que compreende 70% da população chinesa da época. O número de mortes na obra poderia exceder 1 milhão de pessoas.
A construção dos trechos da muralha sempre começava a partir das torres de observação – depois muralhas eram erguidas ligando essas torres. Armações de madeira eram montadas e preenchidas com terra e barro, e também com as poucas pedras que havia na região. O próprio peso da terra e sua compactação garantiam alguma rigidez à construção, uma vez que as armações eram retiradas.
A segunda etapa da construção
A crueldade de Qin Shi Huang impediu a continuidade de sua dinastia. O imperador, ironicamente, foi morto em uma das expedições em que buscava o segredo da imortalidade. Um ano após sua morte, rebeliões tomaram a China, muito em razão do volume de mortos na obra da muralha, e foram esmagadas e controladas com a instauração da dinastia Han (206 a.C.- 220 d.C.).
A muralha, danificada pelos constantes ataques dos povos do norte, foi reparada e estendida para oeste, entrando pelo deserto de Gobi, na região Norte da China, onde hoje estão províncias como Inner Mongolia.
A proteção contra ataques do norte ainda era importante, mas agora a muralha também resguardava a Rota da Seda, usada por comerciantes que iam da China até o mar Mediterrâneo. Durante a Dinastia Han, a rota ganhou proeminência e o comércio de seda, especiarias e pedras preciosas se tornou mais poderoso e rico. A Rota da Seda iniciava na cidade de Xian, cerca de 900 km de Pequim, seguia por dentro dos limites da muralha e levava os produtos chineses até a costa oriental do Mediterrâneo.
Sinais de fumaça
As técnicas de construção da dinastia Han para ampliar e consertar a muralha não eram diferentes das da dinastia anterior. Uma inovação, no entanto, marcou essa época: os soldados começaram a usar sinais de fumaça para trocar informações sobre as batalhas. Quem assistiu ao “Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei” pode ter uma ideia interessante de como isso funcionava.
Colunas de fumaça mostravam a destacamentos distantes que parte da muralha estaria sendo atacada – quanto mais colunas de fumaça fossem avistadas, maior seria o volume de guerreiros que estaria atacando aquela parte da barreira. Duas colunas significavam um ataque de menos de 3 mil homens. Quatro colunas, 10 mil homens. Durante a noite, os sinais eram feitos com fogo, como no Senhor dos Anéis.
O domínio mongol e a destruição da muralha
Com o declínio da dinastia Han, a China foi governada por diversas dinastias até que os mongóis, liderados pelo neto de Genghis Khan, Kublai Khan, invadiram o território pelo sul e instauraram a dinastia Yuan (1271-1368).
Sob o domínio mongol, obras e reformas de manutenção da muralha foram deixadas de lado – não fazia sentido manter um muro para repelir os invasores, sendo que agora eles governavam. Com o descaso, a muralha foi sendo destruída por ação da erosão e intempéries, além de pequenos ataques ocasionais de tribos nômades.
A reconquista do território e a terceira etapa da construção
A reconquista da região pelos chineses levou ao poder a dinastia Ming (1368-1644), que reergueu a muralha e a expandiu ainda mais para oeste, avançando pelo deserto de Gobi. Os imperadores Ming não só expandiram a muralha mais do que qualquer outra dinastia, como também fizeram a construção mais ornamentada e imponente. A China ganhou a proporção de um verdadeiro império e empreendeu viagens, explorações, e tornou-se uma potência inclusive conhecida na Europa. A muralha atual é um resultado direto das obras e investimentos realizados no período Ming.
As técnicas de construção do período
Milhões de trabalhadores participaram da terceira e última etapa da empreitada, que durou mais de 200 anos. Ao contrário da muralha atual, nessa época a alvenaria e produção em massa de tijolos e materiais de construção permitia construir um muro realmente poderoso, parecido com as paredes de um castelo.
Técnicas avançadas de engenharia dominadas no período Ming agora permitiam que a muralha fosse construída inclusive sobre montanhas, em picos com inclinação de até 70%. A muralha eram mais alta próximo a cidades e pontos importantes do império e, além de servir ao propósito de proteção, permitia que tropas e pessoas circulassem em parte do seu topo – provendo um caminho seguro para o exército e também para o comércio.
O longo abandono
Os Ming foram derrotados eventualmente pelos manchus, um povo das estepes do norte, em 1644. Os manchus formaram a última dinastia imperial da China – a Dinastia Qing – que duraria até a formação da república da China, em 1912.
A muralha havia perdido sua utilidade. A China estava sob o comando de uma monarquia absolutista e, em termos militares, vinha perdendo seu poder. A influência crescente das potências imperialistas europeias na Ásia faria com que a China não retomasse seu brilho e poder por séculos e a muralha, como outros grandes empreendimentos locais, seria colocada de lado.
Apenas na segunda metade do século XX, a partir dos anos 1970, o governo chinês decidiu que obras de reforma e restauração eram necessárias, para aumentar os ganhos do país com o turismo. Trechos próximos de Pequim foram reformados e vêm sendo mantidos – eles representam as fotos extraordinárias que vemos. Contudo, milhares de quilômetros da muralha deserto adentro permanecem em ruínas, sendo alguns trechos pouco mais do que amontoados de terra batida.
Atualmente, três setores da muralha têm infraestrutura para receber turistas.
- O setor de Badaling, 70 km a noroeste de Pequim, tem muros de 7,8 metros de altura e 5,8 metros de largura.
- A 10 km de distância está a Passagem dos Trabalhadores Recrutados, cuja porta em arco é decorada com esculturas de elefantes, leões, pássaros, flores e reis.
- O setor de Mutianyu, 70 km a nordeste da capital, é um dos mais visitados, por causa de suas torres localizadas no topo das montanhas.
Todos esses setores foram originalmente construídos na dinastia Ming. O setor Gubeikou, originário da dinastia Qin, é um dos mais bonitos, mas é menos estruturado para o turismo. Possui duas divisões: na Jinshanling, é possível ver ruínas da muralha; na Simatai (110 km de Pequim), com 3 km de extensão, há 35 fortes de batalha no alto das montanhas e a Torre Beacon. Os sinais de fumaça que eram feitos a partir dessa torre eram vistos a uma distância de 500 km em poucas horas.
Por: Carlos Artur Matos