A Alta Idade Média é o período inicial da Idade Média. Começa no século V e termina no século XI. Caracteriza-se pela formação do sistema feudal – feudalismo (do século V ao IX) e por sua cristalização (do século IX ao XI), isto é, quando o feudalismo esteve plenamente estruturado.
Após o século XI, o sistema feudal entrou em crise e foi substituído pelo sistema capitalista, num processo muito lento que só se completaria no século XVIII.
Origens do sistema feudal
O feudalismo é um sistema caracterizado pela economia de consumo, trocas naturais, sociedade estática e poder político descentralizado. Os fatores que explicam o surgimento desse sistema na Europa podem ser divididos em estruturais e conjunturais.
Os fatores estruturais estão representados pelas instituições econômicas, sociais, políticas e culturais dos romanos (Império Romano do Ocidente) e dos povos germânicos que se fixaram dentro do Império a partir do século V.
Os principais elementos romanos que contribuíram para a formação do feudalismo foram: a economia agrária e autossuficiente das vilas romanas; as relações de meação (sendo o colonato a mais importante) existentes no campo durante o Baixo Império; o distanciamento social entre os proprietários e os trabalhadores (clientes, colonos e precários); e o poder político-militar localizado. Todos estes aspectos eram resultado da crise econômica e política do Império Romano.
Os elementos germânicos que entraram na formação do feudalismo foram: a economia agropastoril; o regime de trocas naturais; a sociedade, em que os guerreiros se submetiam à autoridade de um chefe militar; e o individualismo político. Entre os germanos não existia a noção de Estado. Cada chefe possuía autonomia, de tal forma que só em época de guerra ou perigo os chefes se submetiam à autoridade suprema de um “rei”.
Assim sendo, surgiu entre os germanos uma instituição chamada Comitatus. Nessa organização (na verdade um bando armado), as relações entre comandante e comandados eram diretas e recíprocas, baseadas em juramentos de lealdade e fidelidade. Tais características iriam ser mantidas nas relações políticas do feudalismo.
O processo de integração das estruturas românicas e germânicas foi lento, cobrindo todo o período que vai do século V ao IX. Isto porque a forma de integração dependia dos fatores conjunturais, relacionados com as invasões que assolaram a Europa do século V ao IX, semeando a insegurança, dificultando as comunicações, enfraquecendo o poder político e atomizando a sociedade, de forma a ter no feudo sua unidade fundamental.
As invasões germânicas (séculos V e VI) visaram inicialmente aos centros urbanos do Império, a fim de saqueá-los; mas depois tenderam a se fixar nas regiões favoráveis às atividades agrárias. Com isso, completaram o êxodo urbano já iniciado no Baixo Império Romano e cortaram as comunicações entre as unidades rurais e urbanas, enfraquecendo as segundas e forçando as primeiras à autossuficiência. O poder político, incapaz de conter as invasões, viu-se na contingência de transferir as funções de defesa para os proprietários rurais. Dessa forma, completava-se a descentralização do poder, o qual iria se tornar localizado.
Em seguida às invasões germânicas, vieram os muçulmanos (século VIII). Os árabes tinham se unificado politicamente depois da união religiosa conseguida por Maomé, organizador do islamismo. A religião islâmica, sintetizada no Corão e na Suna, pregava a guerra santa aos infiéis, justificava o direito de saquear os infiéis (botim) porque não aceitavam o Deus criador dos bens materiais. A elevada pressão demográfica na Arábia (havia poligamia), mais os fatores religiosos e econômicos, explicam a fulminante conquista empreendida pelos muçulmanos. Conquistaram o Oriente Médio, o Norte da África, a Península Ibérica, o Sul da França e as ilhas do Mar Tirreno (Córsega, Sardenha e Sicília). Mas a pirataria muçulmana impedia a navegação de barcos cristãos pelo Mediterrâneo. Dessa forma, a Europa ficou isolada do Oriente e quase desapareceram o comércio, as cidades e a própria economia de mercado, com suas trocas monetárias. Completa-se então, na Europa Meridional, o processo de ruralização econômica.
Quando os muçulmanos completaram sua tomada de posição no sudoeste da Europa, o Ocidente europeu começava a sofrer os ataques dos normandos (vikings), procedentes da Noruega e da Dinamarca. Os normandos eram ligados às atividades marítimas, pescadores e piratas que, por volta do século IX, aterrorizaram as Ilhas Britânicas e a França com suas incursões. Não se restringindo aos ataques no litoral, subiam o curso dos rios e saqueavam as populações ribeirinhas, pilhando vilas, mosteiros e igrejas, roubando o gado e escravizando os cristãos. Dado esse duplo caráter, marítimo e fluvial, de suas operações, não havia na Europa força militar adequada para contê-los. As áreas mais atingidas foram a Inglaterra e o noroeste da França, onde uma parte dos normandos veio a se fixar, dando origem à Normandia.
Na Europa Oriental, ou, mais precisamente, em terras da Rússia e Ucrânia atuais, os normandos da Suécia (conhecidos como varegues) realizaram uma penetração de caráter principalmente comercial, pois as populações locais eram demasiado atrasadas para oferecer boas perspectivas de pilhagem. Seguindo o curso dos rios que desembocam no Mar Negro, os varegues acabaram estabelecendo contatos mercantis com Constantinopla, onde trocavam trigo e produtos da Europa Setentrional por artigos manufaturados.
Ainda no século IX, os magiares (húngaros), procedentes da Ásia Central, invadiram a Europa, aumentando a insegurança geral. A situação agravou-se com a chegada dos eslavos, vindos das estepes russas.
No século IX, portanto, definiu-se na Europa um quadro de instabilidade generalizada, o qual criaria as condições necessárias para a consolidação das estruturas feudais.
O modo de produção do sistema feudal
A economia feudal
A economia feudal era fechada, sem mercados externos; era também natural, pois as trocas comerciais se realizavam in natura. A produção do feudo destinava-se ao consumo local, visando à autossuficiência (economia de subsistência).
O elemento essencial e definidor do feudalismo eram as obrigações consuetudinárias (costumeiras) devidas pelos servos a seus senhores, tanto em produtos como em serviços. Os bens eram possuídos privativamente, mas a terra — um bem econômico fundamental — poderia ser usufruída por todos (posse coletiva), quando se tratasse de pastagens.
O regime de trabalho era servil, pois os servos constituíam a mão-de-obra típica do sistema. Eles estavam presos à terra que cultivavam, sendo-lhes proibido abandoná-la. Mas, embora privados de liberdade, não poderiam ser considerados escravos, pois tinham alguns direitos e recebiam proteção de seus senhores. Em troca, deviam-lhes diversas obrigações, a saber:
A corveia era o trabalho agrícola realizado pelo servo na reserva do senhor (também denominada manso senhorial); mas podia igualmente compreender serviços como a limpeza dos fossos e dos caminhos, a conservação das instalações do castelo ou ainda atividades artesanais. A talha correspondia à entrega da metade do que o servo produzia em sua gleba (também chamada de manso servil), a qual era constituída de faixas cultivadas descontínuas, intercaladas com as glebas de outros servos.
As banalidades também eram obrigações em produtos, pagas pelo uso de certas instalações pertencentes ao senhor (lagar, forno e moinho). Havia ainda a mão-morta. paga pelo servo quando herdava a gleba devido ao falecimento de seu pai. Finalmente, o vintém, correspondente a um vigésimo da produção do manso servil, destinava-se à manutenção da igreja paroquial. Deve-se notar que todas essas obrigações eram fruto dos costumes locais (obrigações consuetudinárias), e por isso variavam de uma região para outra.
A técnica adotada na agricultura era rudimentar. Somente as terras mais férteis eram ocupadas. Adotava-se o sistema de três campos (divisão da gleba em três partes, destinadas sucessivamente à forragem, ao plantio de cereais e ao pousio), fazendo-se rotação trienal para evitar o esgotamento do solo.
A sociedade feudal
A sociedade feudal pode ser definida como estamental, devido a sua imobilidade e ao fato de a posição do indivíduo ser determinada pelo nascimento. Os estamentos básicos eram dois: senhores e servos. O senhor se caracterizava pela posse legal da terra, pelo poder sobre os servos e pela consequente autoridade política local; esta última incluía o poder militar, jurídico e religioso (no caso dos senhores eclesiásticos). O servo correspondia ao polo social oposto. Era preso à terra e inteiramente subordinado ao senhor (na medida em que lhe devia obrigações costumeiras); mas tinha a posse útil da terra e o direito à proteção senhorial.
Afora essas situações sociais básicas, poder-se-iam mencionar algumas outras. Os escravos eram em número reduzido e viriam a desaparecer, fosse porque se destinavam aos afazeres domésticos (função pouco relevante em uma população rarefeita), fosse por causa da proibição eclesiástica de se escravizarem cristãos. Os vilões eram homens livres que trabalhavam no feudo mediante arrendamento, mas conservavam o direito de ir embora, se o desejassem descendiam de pequenos proprietários que haviam entregado sua terra ao senhor, em troca de proteção. Devem ainda ser citados os ministeriais, agentes do senhor feudal encangados de manter a ordem no feudo e de cobrar as obrigações devidas pelos servos; em certas regiões, eles eram chamados de bailios; em outras, de senescais.
Os ministeriais representavam uma situação de permeabilidade social porque podiam ingressar na pequena nobreza, se o senhor lhes concedesse em benefício uma determinada área, como reconhecimento pelos serviços prestados.
As instituições políticas
Politicamente, o sistema feudal embasava-se nas relações de suserania e vassalagem. Suserano era o rei ou nobre que, em troca de determinados compromissos, concedia a outro nobre um benefício — geralmente um feudo, correspondente a uma extensão de terra com tamanho variável.
Foi a insegurança do período que levou reis e nobres a estabelecer relações diretas entre si, visando à proteção recíproca. Como os nobres pertenciam a unia aristocracia guerreira de ascendência germânica, era importante poder contar com seu apoio.
Os grandes senhores procuravam ligar-se a outros senhores menores, com o objetivo de contar com o maior apoio militar possível. Para isso, existia a subenfeudação, em que um senhor concedia parte de seu feudo em beneficio a outro nobre. Isso fazia com que os senhores feudais pudessem ser, simultaneamente, vassalos de um senhor e suseranos de outros.
Oficialmente, a autoridade política máxima era o rei, por ser o suserano dos grandes senhores e não prestar vassalagem a ninguém. Na realidade, porém, o poder se fragmentava entre os senhores feudais, caracterizando uma estrutura política descentralizada ou, mais corretamente, localizada.
Os senhores feudais não constituíam um grupo social uniforme. Devido à existência da subenfeudação, formavam ima hierarquia que começava no rei e se ramificava até alcançar o mais modesto dos cavaleiros. É portanto possível classificá-los em alta nobreza (aqueles que prestavam vassalagem diretamente ao rei) e pequena nobreza (aqueles que eram vassalos de outros senhores). Tais relações se estabeleciam pela cerimônia de investidura, a qual compreendia três partes: a homenagem, em que o vassalo reconhecia a superioridade do suserano; a investidura propriamente dita, quando o suserano concedia ao vassalo a posse do feudo; e o juramento de fidelidade prestado pelo vassalo, o qual recebia, em contrapartida, a promessa de proteção por parte do suserano.
Eram obrigações do vassalo para com seu suserano: prestar auxílio militar, se convocado; hospedar o suserano e sua comitiva, quando de passagem pelo feudo; participar do tribunal dos Iguais, presidido pelo suserano, para julgar um senhor acusado de algum crime; e ainda contribuir para o dote das filhas e para a cerimônia em que os filhos do suserano feriam armados cavaleiros. Reciprocamente, o suserano tinha obrigações para com seu vassalo: proporcionar-lhe proteção militar; garanti-lo na posse do feudo dado em beneficio; se o vassalo fosse acusado de um crime, assegurar-lhe o direito de ser julgado por um tribunal de senhores; exercer a tutoria dos herdeiros menores e proteger a viúva do vassalo falecido.
As instituições religiosas do sistema feudal
Durante grande parte da Idade Média, a Igreja constituiu a única força realmente organizada dentro da Europa. Tendo plena consciência de sua importância, ela exerceu uma extraordinária influência ao longo do período. Era a Igreja, por exemplo, que teorizava sobre as relações sociais do feudalismo, calcadas em uma rígida hierarquia, atribuindo-as à determinação divina. Segundo essa interpretação, Deus dividiu a sociedade feudal em três categorias: os que lutam (a nobreza senhorial), o que rezam (o clero) e os que trabalham (servos e vilões).
A partir do século IX, o clero foi expressamente proibido de praticar a usura; para os leigos, a proibição veio no século XI. Usura, especificamente, era o comércio do dinheiro, ou seja, a cobrança de juros. Mas a Igreja também condenava o lucro como pecaminoso, defendendo a prática do justo preço (o comerciante deveria cobrar por uma mercadoria apenas o custo da mesma, acrescido do necessário para sua própria manutenção).
A posição da Igreja ia ao encontro das necessidades sociais do feudalismo, posto que, numa economia de subsistência, com frequentes problemas de escassez, preços altos seriam considerados imorais. Além disso, a economia feudal era quase desmonetizada. Assim, se alguém necessitasse urgentemente de dinheiro, seria por um motivo multo grave; portanto, cometeria um grande pecado quem quisesse aproveitar-se da aflição de alguém para cobrar juros.
Esses ideais foram acatados durante o período de cristalização do feudalismo, entre os séculos IX e XI. Entretanto, tão logo começou o Renascimento Comercial e Urbano (séculos Xll-XIV), os lucros e a cobrança de juros voltaram a ser praticados. Não obstante, a postura oficial da Igreja continuou a ser a defesa do ‘justo preço” e a condenação da usura.
O clero monopolizava a cultura e o ensino do sistema feudal. Os nobres recebiam quase sempre uma educação apenas elementar, ministrada nas escolas paroquiais ou nos mosteiros. A base do conhecimento estava na Bíblia (principalmente no Novo Testamento) e os livros pagãos eram proibidos. Depois do século XI, as universidades começaram a organizar um currículo básico, denominado Escola de Artes, que compreendia dois graus: o Trivium (Gramática, Dialética e Retórica) e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Vinham depois os estudos superiores, na maioria das vezes dedicados à Teologia (baseada no pensamento de Santo Agostinho). Mas houve universidades que implantaram também cursos de Leis ou de Medicina.
Por: Paulo Magno da Costa Torres
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