Em Dom Casmurro, as personagens são apresentadas a partir das descrições de seus dotes físicos. Temos, portanto, a descrição, funcional, bastante comum no Realismo.
Contextualização da época machadiana
O plano econômico: em meados do Séc. XIX, as nações enpinalistas europeias sobretudo Inglaterra e França, detinham o controle militar, administrativo, comercial e financeiro no mundo e seu principal objetivo era criar consumidores para seus produtos. O Brasil, na 2ª metade do Séc. XIX, consolidava o Império, alicerçando na escravidão, e teve uma relativa modernização.
O Rio de Janeiro, a capital do Império, sede da oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba sustentado na mão-de-obra escrava, é o cenário principal dos romances de Machado de Assis.
O plano abolicionista: abolicionista e republicana, a Guerra do Paraguai, o ocaso do império, o fim da escravidão (1888) e do império (1889), são os principais fatos políticos em que conviveu Machado de Assis e que repecurtem na sua produção literária e visão de mundo.
O plano ideológico: ao final do Séc. XIX predomina, no Brasil, um torto e mal disfarçado racismo e a conceituação do trabalho manual como algo indigno. A visão do mundo é predominante do modelo europeu colonizado.
As personagens principais são :
• Capitu, “criatura de 14 anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, … morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo … calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos”. Personagem que tem o poder de surpreender : “Fiquei aturdido. Capitu gostava tanto de minha mãe, e minha mãe dela, que eu não podia entender tamanha explosão”. Segundo José Dias, Capitu possuía “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, mas para Bentinho os olhos pareciam “olhos de ressaca”; “Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”.
• Bentinho, também protagonista, que ocupa uma postura de anti-herói. Não pretendia ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava casar-se com Capitu, sua amiga de infância. Um fato interessante é que os planos, para não entrar no seminário, eram sempre elaborados por Capitu.
As personagens secundárias são descritas pelo narrador:
• Dona Glória, mãe de Bentinho, que desejava fazer do filho um padre, devido a uma antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto de si, retardando a sua decisão de mandá-lo para o Seminário. Portanto, no início encontra-se como opositora, tornando-se depois, adjuvante. As suas qualidades físicas e espirituais…
• Tio Cosme, irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, “tinha escritório na antiga Rua das Violas, perto do júri… trabalhava no crime”; “Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos”. Ocupa uma posição neutra : não se opunha ao plano de Bentinho, mas também não intervinha como adjuvante.
• José Dias, agregado, “amava os superlativos”, “ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo … nos lances graves, gravíssimo”, “como o tempo adquiriu curta autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo”, “as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole”. Tenta, no início, persuadir Dona Glória à mandar Bentinho para o Seminário, passando-se, depois, para adjuvante.
• Prima Justina, prima de Dona Glória. Parece opor-se por ser muito egoísta, ciumenta e intrigante. Viúva, e segundo as palavras do narrador : “vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse”, “dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro”.
• Pedro de Albuquerque Santiago, falecido, pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador coloca : “Não me lembro nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados…”
• Sr. Pádua e Dona Fortunata, pais de Capitu. O primeiro, “era empregado em repartição dependente do Ministério da Guerra” e a mãe “alta, forte, cheia, como a filha, a mesma cabeça, os mesmos olhos claros”. Jamais opuseram-se à amizade de Capitu e Bentinho.
• Padre Cabral, personagem que encontra a solução para o caso de Bentinho; se a mãe do menino sustentasse um outro, que quisesse ser padre, no Seminário, estaria cumprida a promessa.
• Escobar, amigo de Bentinho, seminarista, “era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, … como tudo”.
• Sancha, companheira de Colégio de Capitu, que mais tarde casa-se com Escobar.
• Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho (Será?). Tem o primeiro nome de Escobar (ideia de Bentinho, em colocar o mesmo). Vai para a Europa com a mãe, sendo que mais tarde, já moço, volta ao Brasil para rever o pai. Morre na Ásia.
Através das descrições que se faz das personagens, percebe-se um fato comum: os olhos, tão bem explorados por Machado de Assis, como nos exemplos “Olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, “olhos de ressaca”, “olhos dorminhocos”, “olhos redondos, que me acompanham para todos os lados”. Na verdade, esses elementos físicos, muitas vezes, destacam o estado interior; tem-se um retrato íntimo das personagens. Em “olhos redondos” percebe-se uma característica física, mas, logo após, verifica-se um importante traço psicológico: “…que me acompanham para todos os lados”; que me observam, me estudam.
Quanto ao narrador, é homodiegético (aquele narrador que conta e participa da história) e, também, por se tratar do personagem principal, autodiegético. Já em relação ao narratário (o receptor do texto narrativo, a criatura ficcional ou não a quem se dirige o emissor-narrador), vê-se que é extradiegético mencionado, leitor virtual não ficcional. O personagem-narrador dialoga constantemente com os leitores: “Não me tenhas por sacrilégio, leitora minha devota, a limpeza da intenção…”, “Por outro lado, leitor amigo, nota que eu queria…”, “Sim, leitora castíssima, como diria o meu finado…”.
Percebe-se claramente a fábula, conjunto de acontecimentos ligados entre si e narrados no decorrer da obra, e a trama, constituída pelos mesmos acontecimentos da fábula, mas caracterizada mais por um procedimento estético, em que o artista revolve com os fatos, não precisando se preocupar em seguir a ordem cronológica da fábula. Em Dom Casmurro, a narrativa encontra-se “in ultimas res”, com a presença de analepses, quando o artista volta no tempo, no passado. A fábula é a história em si, a que o narrador quer nos contar, e a trama é o modo como ele nos narra a fábula; a ordem dos fatos na trama é diferente da ordem dos fatos na fábula.
Espaço:
A história se passa inicialmente em Itaguaí, onde a família de Bentinho possuía uma fazendola, alguns escravos, que foram vendidos após a morte de Pedro de Albuquerque, pai de Bentinho, quando D. Benta decidiu mudar-se para um lugar perto da Igreja onde fora sepultado.
“…Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado. Vendeu a fazendola e os escravos, …”
Págs.: 6 e 7, Cap.: VII
Tempo:
A meu ver, é psicológico, pois ele conta fatos ocorridos durante sua vida, até o dia em que se encontra.
“Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e…”
Pág.: 7 Cap.: VIII
Durante a narração, há passagens do tempo cronológico:
“No dia seguinte fui à casa da vizinha,…”
Pág.: 43 Cap.: XLII
Narrador:
Dom Casmurro está escrita em narrador personagem, representado por Bentinho.
Por: Juliana da Matta Machado