Literatura

Literatura Contemporânea Brasileira

A literatura contemporânea brasileira consiste nas obras produzidas entre as últimas décadas do século XX e o momento atual e tem como principal característica a mistura de tendências estéticas. É uma literatura que se aproxima do Modernismo no aspecto formal, já que propõe a flexibilização das formas fixas.

Serão destacados aqui as principais características da prosa e poesia contemporâneas realizadas no Brasil, bem como seus principais escritores e obras.

Características

As principais características da literatura contemporânea são:

  • mistura de várias tendências estéticas;
  • mescla entre a arte erudita e a arte popular;
  • prosa com intenção histórica, social e urbana;
  • poesia que intenciona a reflexão do íntimo e do marginal;
  • temáticas do dia a dia e regionalistas;
  • engajamento social como função literária;
  • experimentalismo de uma nova forma;
  • técnicas que renovam a literatura, como montagens, colagens etc.;
  • prosa construída de forma reduzida, como pequenos contos e pequenas crônicas, buscando a objetividade;
  • utilização dos recursos intertextualidade e metalinguagem.

Prosa contemporânea brasileira

As produções contemporâneas em prosa abordam questões universais, envolvendo o cotidiano das pessoas comuns e retratando a vida urbana, a violência, as diferenças de classes sociais etc.

Uma pessoa lendo um livro com uma xícara de café ao lado.

Para isso, utiliza-se uma variedade de estilos literários, retomando, por exemplo, traços do Realismo, romance histórico, realismo fantástico, regionalismo e de algumas vanguardas.

Veja os principais escritores da prosa:

Rubem Braga (1913-1990)

É carioca e essencialmente cronista, ainda que tenha feito alguns poemas. Isso significa dizer que sua obra é formada por narrativas curtas, que têm como motivo a observação de um fato do cotidiano, mesmo corriqueiro, banal, a partir do qual o autor faz reflexões líricas sobre a vida, a existência humana, o sentido das coisas.

O tom é tendente a um humor leve ou à poesia prosódica. Ao terminar a leitura, geralmente o leitor se sente reconfortado. O viés poético impresso em sua linguagem, simples e despojada, aproxima-o da poesia de Manuel Bandeira e da de Guilherme de Almeida.

Rubem Braga é um cronista reconhecido como autor literário do “primeiro time”. Dois de seus livros de maior sucesso são Ai de ti, Copacabana e 200 crônicas escolhidas.

Paulo Mendes Campos (1922-1991)

Nasceu em Minas Gerais e viveu toda sua vida profissional no Rio de Janeiro. Fez poesias e contos, mas suas raízes literárias encontram-se presas na crônica. Isso fica patente pelo “muito à vontade” com que produz seus textos nesse gênero, colaborando, anos a fio, a exemplo de Rubem Braga, com jornais e revistas do Rio de Janeiro, como cronista, além de ter publicado vários livros.

Como cronista, tem uma leveza que o aproxima de Rubem Braga, apesar de que nele o envolvimento sentimental com o assunto abordado não chega a ser sua principal marca.

Grande parte de seus textos permanecem vivos – ainda que não seja essa a intenção de um cronista – não só pela qualidade literária, mas também pela vibração e sentimento com que observou e analisou a vida humana em seu prosaico cotidiano. Livros citados de Paulo Mendes Campos: Homenzinho na ventania e O anjo bêbado.

Fernando Sabino (1923-2004)

Sabino escreveu um dia: “Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem eu diria: quero ser menino”. A pedido do autor, seu epitáfio diz o seguinte: “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino”.

A impressão que fica a partir dessas duas manifestações deste autor é a de que sua obra literária tem alguma conotação infantil. Mas não é assim, pois apesar de ele ter sido também autor que imprimiu em sua obra, muitas vezes, sentimentos e observações leves ou bem humoradas, em muitos de seus textos, principalmente nos mais longos como o romance O encontro marcado, revela-se capaz de reflexões e análises profundas em relação à existência humana e em relação às complicações dos sentimentos e dos relacionamentos das pessoas comuns. Esse livro é um dos mais lidos da moderna literatura brasileira, escrito em linguagem quotidiana, acessível e fluente.

Outra obra marcante do mineiro Fernando Sabino é o livro de contos O homem nu, já transformado em filme, assim como O encontro marcado.

Dalton Trevisan (1925)

De Curitiba, inscreve-se como um dos mais importantes e lidos contistas de toda a história da literatura brasileira. Revela toda sua experiência de narrador ao transparecer seu domínio sobre o gênero conto, provavelmente o mais difícil deles.

Ainda que possamos identificar algum lirismo neste autor, o que identifica o geral de sua obra é a abordagem do grotesco e do patético, componentes não muito raros do comportamento humano.

Considerado mestre do novo conto brasileiro, escreve em estilo seco e direto sobre a solidão, os complexos, os medos, as covardias, enfim, as ações que dão ao ser humano uma dimensão pequena e triste. Esses traços lembram um pouco a literatura de Machado de Assis e a de Graciliano Ramos.

Novelas nada exemplares, Cemitério de elefantes e O vampiro de Curitiba são livros de contos que ilustram bem toda a obra de Dalton Trevisan.

Lygia Fagundes Telles (1923)

É a autora do romance As meninas, considerado por parte da crítica como um dos melhores da literatura brasileira das últimas décadas. Nessa narrativa, ela confirma algumas características que vinham se delineando em textos anteriores de sua autoria, como a fixação do recurso da ficção introspectiva o que, queiramos ou não, remete a Clarice Lispector, não em termos comparativos, mas em termos de aproximação e continuidade, já que se trata também de autor feminino.

A galeria de personagens de Lygia Fagundes é bastante ocupada por mulheres e, nesse campo, ela demonstra todo o domínio sobre a psicologia feminina, tendo, nesse mister, atingido o ponto mais alto com o romance As meninas, confirmando sua segurança na construção da tessitura da narrativa, mesmo quando longa e em 1ª pessoa. É uma autora original na criação de suas personagens e do enredo, aspectos também presentes em Ciranda de pedra.

Inácio de Loyola Brandão (1936)

Nasceu em Araraquara, São Paulo, e é autor de várias obras em prosa, na forma de contos, como de romances. Linguagem fácil, sem vulgarismos gratuitos e uso mais ou menos frequente do recurso chamado de realismo fantástico principalmente na narrativa curta.

Obra das mais engajadas das últimas décadas, com o autor não se furtando em fazer determinadas denúncias, além de não abrir mão de escrever para passar mensagens de alerta, como no livro de contos Cadeiras proibidas. Zero, livro proibido pela ditadura militar durante anos, além de ser sua primeira narrativa longa (romance) é, até hoje, uma das mais importantes de sua vasta obra.

Moacir Scliar (1937)

Nascido no Rio Grande do Sul, entre os autores mais recentes da literatura brasileira, é um dos mais produtivos, tendo publicado 74 livros, segundo dados de 2008, da Academia Brasileira de Letras.

Comprova essa grande facilidade de produção na coluna mantida em um dos grandes jornais de São Paulo, ao reescrever, literariamente, a notícia sobre um fato policial ocorrido um ou dois dias antes.

A sua vasta obra se compõe de romances, contos, crônicas, literatura infantil e ensaios. O realismo fantástico e o imaginário mágico são recursos comuns em seus textos.

Outros aspectos de seu estilo e conteúdo é o registro da cultura judaica, fruto de leituras históricas que faz, além da abordagem da dura realidade do doente pobre do Brasil, consciência adquirida em sua atividade de médico da saúde pública.

Já teve textos adaptados para o cinema, rádio e televisão, tendo obras suas traduzidas para vários outros idiomas.

Dois de seus livros mais citados são o romance O centauro no jardim e A majestade do Xingu, em que narra o trabalho heroico do médico sanitarista, Noel Nutels, junto aos pobres e indígenas brasileiros, dedicação que durou praticamente toda sua vida útil de profissional. Noel Nutels era judeu ucraniano e médico sanitarista.

Poesia contemporânea brasileira

Assim como acontece na prosa, a poesia contemporânea também é produzida por meio de uma mescla de estilos literários, embora traga, majoritariamente, aspectos universais e críticos do cotidiano e da sociedade.

Cora Coralina (1889-1985)

É poeta de Goiás, onde nasceu e viveu a maior parte de sua vida. Escreveu contos, mas seu enfoque maior é a poesia.

Alheia a modismos literários, fez uma poesia natural, que, em grande monta, é o registro de sua própria vida, longa, difícil, mas de enfrentamento decidido das inúmeras dificuldades. O ambiente rural agreste, de pedras, ladeiras e vegetação “que arranha e lixa”, e a descrição da rudez da vida remetem a Guimarães Rosa, conforme conclusão de alguns críticos.

Sua poesia é a poesia ácida, forte, de uma mulher valente, de vontade, que não se dobra, mas de extrema emoção, proveniente da profunda sensibilidade tão comum na alma feminina. A emoção está presente tanto quando ela fala de suas lembranças, agora, doces, por força do tempo decorrido, como quando ela fala da dura luta dos que trabalham na “bendita e dadivosa terra”. Entre seus vários livros, citamos Estórias da casa velha da ponte e Meu livro de cordel.

Mário Quintana (1906-1994)

É gaúcho e morou, durante grande parte de sua vida em hotéis, tanto que o último em que viveu (Hotel Majestic), no centro de Porto Alegre, foi tombado e transformado no Centro Cultural Mário Quintana.

Fez literatura infantil e versões de clássicos da literatura mundial para o português, mas a base de sua obra está na poesia.

Mário Quintana faz uma poesia tecnicamente bem cuidada e de conteúdo delicado quanto à sentimentalidade humana, próprio de uma alma boa e cordata. Em seus versos, chega a dizer coisas simples, até mesmo singelas, de pureza ímpar no âmbito da poesia recente, a qual reflete um mundo de disputa ferrenha pelo maior e melhor espaço.

No entanto, surpreendentemente, é comum nos depararmos com um Mário Quintana irônico, de ironia sutil, profunda, a exigir interpretação cuidadosa, para o pleno entendimento. Dois de seus livros são A rua dos cata-ventos e O aprendiz de feiticeiro.

Thiago de Mello (1926)

É amazonense, mas viveu parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde encontrou a oportunidade de desenvolver mais plenamente sua produção intelectual.

Sua poesia compõe-se praticamente de um único tema: as causas sociais que abraça, já que decididamente se engajou na luta contra a ditadura e pela liberdade de seu povo. Seus versos são insistentes em invocar a trajetória de um povo tão explorado, sofrido e, ainda assim, generoso.

O lirismo de Thiago de Mello é intenso, apaixonado, mas não gira em torno da mulher amada mas, sim, em torno do drama do homem brasileiro, que parece viver eternamente numa noite muito escura, seja pela ação da ditadura, seja pela ação das endemias, da desigualdade social e da ignorância.

Apesar de ter o conteúdo ou a mensagem como a essência de seus versos densos e tensos, eles são técnicos e elegantes. Entre seus livros mais comentados pela crítica estão Faz escuro, mas eu canto e A canção do amor armado.

Ferreira Gullar (1930)

Nasceu em São Luís (Maranhão). Considerado o mais importante poeta entre os vivos da literatura brasileira, constitui-se, sem qualquer dúvida, em expoente de nossa poesia durante as últimas décadas do século passado e a primeira deste.

É poeta, cronista e crítico de arte, tendo também participado de movimentos sociais e teatrais. Aos dezenove anos ganhou seu primeiro prêmio literário. Depois participou do movimento concretista e, por força do que viu nas ações da ditadura militar, deixou a poesia experimental, como a do concretismo, e passou a fazer poesia engajada, tendo, inclusive, ido para o exílio a fim de evitar ser preso. A partir daí, seus poemas, sob o ponto de vista político e social, assumem a atitude de denúncia da opressão vivida pelo homem comum, em suas dificuldades de sobrevivência no dia a dia, seja por força da ditadura, seja por força da carestia.

Tanto produziu textos poéticos técnicos, simétricos quanto à forma, como poemas sem essas preocupações, mas o que é constante em sua obra poética é a objetividade e a precisão da linguagem, tanto em relação ao que dizer, como em relação a como dizer, além da profundidade de seu pensamento poético. Entre seus livros, contam-se João-boa morte, cabra marcado para morrer, A luta corporal e Poema sujo.

Adélia Prado (1935)

De Divinópolis-MG, foi indicada para uma editora, para publicar seu primeiro livro, por ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade. Nascia assim uma das melhores poetisas do Brasil, em todos os tempos, tendo produzido também prosa e teatro.

A linguagem poética dessa autora é coloquial, no sentido de ser fluente e fácil, mas sem concessões popularescas – a essência de sua poesia está no conteúdo, na transmissão de sua experiência de vida e de suas observações sobre essa mesma vida. Por isso, o cotidiano registrado em seus versos reflete a segurança da autora diante da vida, segurança que vem da experiência, que, por sua vez, vem de uma vida vivida plenamente como esposa, mãe e cidadã pulsante e pensante.

Adélia Prado tematiza o cotidiano no sentido de dar poesia a esse cotidiano; não uma poesia dura e desesperançada, nem doce e primaveril, mas que registra o dia a dia real, verdadeiro, com as pequenas agruras naturais advindas das necessidades materiais e dos relacionamentos humanos.

Encontramos, então, um cotidiano de expectativas, as quais levarão a frustrações ou a conquistas, mas sempre com o gosto de vida vivida com naturalidade. A religiosidade é uma vertente muito forte na obra de Adélia Prado; outro aspecto é a sua marca de mulher que a levou a fazer uma poesia autenticamente feminina. Dois de seus livros são Bagagem e Oráculo de maio.

José Paulo Paes (1926-1998)

Nasceu em Taguaritinga-SP. As primeiras publicações de José Paulo Paes escancaram a influência dos autores de que ele mais gostava: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda, além de mais alguns. Posteriormente, passa a produzir com mais independência.

Este autor parece nunca ter tido a intenção de vir a ser reconhecido como poeta, muito menos importante: inquirido certa feita sobre o valor de sua obra poética, respondeu que só fazia o que fazia para ver as palavras renovadas. Fez poesia de maneira descompromissada com a crítica e com anseios de sucesso.

Sua produção poética é constantemente crítica sobre tudo o que considerava errado. Esses poemas são, na maioria, muito curtos, como se fossem flashes de situações sociais observadas por alguns segundos. Poemas com essa característica podem ser considerados metaléxicos (meia palavra).

A ótica com que José P. Paes vê a sociedade é bem-humorada, mesmo por meio da ironia, como no poema de protesto contra a ditadura brasileira de 1964: economiopia/ desenvolvimentir/ utopiada/ consumidoidos/ patriotários/ suicidadãos. Dois de seus livros são Poesia completa e Odes mínimas.

Por: Wilson Teixeira Moutinho

Veja também