Chamamos de variações linguísticas o conjunto geral das diferenças de realização da língua (falada ou escrita) pelos usuários de um mesmo idioma. Elas decorrem do fato de o sistema linguístico não ser absoluto ou incondicional, admitindo mudanças que podem aparecer pela região, situação, classe social a que o falante pertence, na fala do homem e da mulher, em relação à faixa etária em que o falante se encontra etc.
É inegável que o português falado no Brasil tem variações. Percebemos isso ao falar com pessoas que são de regiões diferentes, seja por meio do sotaque, por meio do vocabulário, ou até mesmo quando uma pessoa muda seu modo de falar quando se encontra em situações diferentes de seu ambiente normal.
Essas variações ocorrem em todos os níveis do sistema linguístico: fonético, fonológico, morfológico, sintático e semântico.
1. Variações linguísticas regionais ou geográficas
Variação regional ou geográfica é aquela que ocorre segundo as diferentes maneiras de pronúncia dos fonemas, de emprego do vocabulário e de constituição da estrutura sintática em diferentes territórios e dentro de uma mesma comunidade linguística.
Por exemplo: os cariocas são conhecidos pela maneira peculiar de pronunciar o que na escrita vem grafado com a letra S no final da sílaba; a pronúncia dos nordestinos é reconhecida pela abertura das vogais. Com relação ao vocabulário, por exemplo, usamos mandioca ou aipim, mosquito ou pernilongo
Variação dialetal
O dialeto, forma específica como uma língua é falada em determinada região, é também chamado de variação dialetal ou diatópica. Não se deve confundir dialeto com idioma diferente. Só podemos chamar de dialeto se houver na língua uma primeira forma linguística de referência. As comunidades a que essas duas falas se referem devem conseguir compreender-se mutuamente, ainda que com algumas dificuldades.
De nações distantes a pequenas cidades
As comunidades linguísticas mais abrangentes ou hegemônicas funcionam como pontos de partida para a formação de comunidades linguísticas menos abrangentes ou menos hegemônicas. Estas se constituem sempre em torno dos centros de decisão, como as cidadezinhas de algumas regiões, mesmo que isoladas ou extremamente distantes.
As capitais são pontos de convergência polarizadores de arte, cultura, política e economia, estabelecendo assim os modos característicos de conversação e definindo os padrões linguísticos na área de sua influência.
As diferenças linguísticas entre os falares das diversas regiões são às vezes evidentes, às vezes graduais, e nem sempre correspondem exatamente às fronteiras ou aos limites geográficos.
Isoglossa
É a linha que, num mapa linguístico, indica as áreas em que se concentram determinados traços de linguagem comuns. Estes podem ser de natureza fônica, morfológica, léxica ou sintática, de acordo com a maneira específica de realização do elemento linguístico focalizado. O uso característico de determinadas palavras ou expressões e a forma de pronunciar algumas vogais determinam isoglossas.
Há linhas específicas para cada tipo de isoglossa. As duas mais características são as isoléxicas e as isófonas.
As chamadas isoléxicas marcam regiões em que determinada palavra é preferida em detrimento de outra para denominar o mesmo objeto. Por exemplo, na região Sul do Brasil, mais precisamente no estado do Rio Grande do Sul, emprega-se “bergamota” em vez de “tangerina”, esta de uso mais frequente em todo o país. Nas regiões Norte e Nordeste, é comum o emprego de “jerimum” para a palavra “abóbora” e “macaxeira” para “mandioca”.
As chamadas isófonas marcam regiões em que determinado fonema é realizado de modo específico, por exemplo, com timbre mais aberto ou mais fechado. No Nordeste brasileiro, é comum em muitas palavras a pronúncia da vogal /o/ com o timbre aberto, como em “coração”. É sabido que em Portugal (região setentrional e centro-litoral, na região do Porto) ocorre uma variante do fonema M, também realizado com /b/; assim, “vinte” também é pronunciada “binte”.
2. Variações linguísticas socioeconômicas
Os diversos estratos socioeconômicos apresentam um conjunto de indivíduos com características, posições ou atribuições similares. Embora seus falantes adotem uma mesma língua, ela não é usada da mesma maneira por todos eles.
Esse tipo de variação costuma apresentar diferenças em termos fonológicos (“craro” por claro; “mulé” por mulher), sintático (‘nóis fumu” por nós fomos) e morfológico (a ausência do R em verbos no infinitivo, “trabalha” em vez de trabalhar.)
Os diferentes estamentos e os modos de funcionamento da linguagem
Todo agrupamento de pessoas que convivem em estado gregário, em colaboração mútua e que estão unidas pelo sentimento de coletividade apresenta características de linguagem específicas constantemente realimentadas pelo idioma comum usado pelos falantes. Língua e sociedade seguem inexoravelmente ligadas.
Dependendo do contexto, uma pessoa pode empregar diferentes variedades do idioma. Essas variedades representam os diversos modos de funcionamento da linguagem na sua realização entre emissor e receptor. Os modos associados à faixa etária, classe social, cultura e profissão estabelecem usos diversos chamados de variações socioeconômicas ou diastráticas. Suas características dependem fundamentalmente dos estamentos aos quais se associam.
Embora existam modos mais prestigiados de usar a língua, não há melhores nem piores, mas diferentes. O que se deve enfatizar é a adequação. Essas variedades expressam, enfim, a diversidade de contexto e de cultura existente no grupo.
Adequação
Adequação é uma pretendida correspondência entre a situação em que se realiza a comunicação e o nível de formalidade ou convenção exigido no uso da língua.
O ajustamento com que a peculiaridade expressiva de cada um dos falantes se realiza denota seu “saber” linguístico.
Situação
Situação é o estado ou condição de caráter econômico, profissional, social ou afetivo que envolve os usuários da língua. O repertório lexical e o tipo de estruturas sintáticas com que o falante se dirige ao interlocutor assinalam preferências que evidenciam maior ou menor formalidade. Essas escolhas revelam a tendência para afinar o modo operacional como a língua será empregada (para mais ou para menos convencionalismo) e podem garantir maior eficácia na interação e compreensão da mensagem numa dada situação.
Grau de formalidade
A cada momento, em qualquer contexto, há contato entre murtas pessoas de diferentes estratos socioeconômicos em diferentes situações que vão exigir na conversação, mesmo que difusa, mínima ou monossilábica, um nível de convenção predeterminado. Até as pausas ou a duração dos silêncios são elementos significativos durante uma conversação. Aquilo que parece apropriado, e oportuno, do ponto de vista estrutural, em determinado instante da fala define os limites do grau de formalidade.
A formalidade é de natureza convencional, portanto, socioeconômica e cultural.
Grau de intimidade dos falantes
Qualquer pessoa pode empregar diferentes registros da fala em função de suas necessidades, calculadas com antecedência ou no exato momento em que ocorre a enunciação. Mais formal ou menos formal são apenas dois aspectos de uma série de modos de amoldamento da linguagem.
Uma adolescente pode utilizar registros bem diferentes em um único dia, como, por exemplo, quando fala com suas amigas ou com seu namorado, com um pretendente ou com a mãe, com o pai ou com o diretor da escola, com um professor ou alguém na rua a quem pede uma informação.
3. Variações linguísticas situacionais ou de estilo
Essas variantes estão relacionadas aos diferentes graus de formalidade que um falante pode adquirir, dependendo da situação de uso da língua.
Em situações informais em que se manifesta a linguagem (uso coloquial, em situações familiares) e, em contraposição, em situações formais de uso da linguagem (escolha de palavras para uso em uma palestra, por exemplo). Existem diversos pontos intermediários de graus de formalidade.
O registro coloquial é a forma mais democrática e frequente de emprego do idioma. O processo de variação dialetal da língua padrão ao uso coloquial (ou no sentido inverso) ocorre em todos os níveis de estruturação da linguagem.
A linguagem coloquial
A linguagem coloquial (do latim colloquium: “ação de falar junto”, “conversa”) é aquela em que ocorre a troca de palavras, de ideias entre duas ou mais pessoas numa situação de conversação sobre assunto definido ou não. É um fenômeno típico entre pessoas que por algum motivo passam a conviver por um breve momento ou a frequentar um mesmo lugar, instaurando uma certa familiaridade.
Não se deve confundir língua culta com língua coloquial. A fronteira entre a língua culta (falada) e a língua coloquial (também falada) é muito tênue, mas o estudo desse assunto não deve trazer confusão. Uma característica típica da linguagem coloquial é o uso do discurso repetido.
Idiotismo
A palavra “idiotismo” vem do grego (idiotismos) e significa “gênero de vida simples e particular”. Era a linguagem específica das pessoas simples. Mais tarde passou a significar linguagem corrente ou vulgar. No latim, com uma pequena variação semântica, era empregada com o significado de “estilo familiar”. Tem a mesma raiz de idioma (“característica própria do indivíduo”, mais tarde com a acepção de “língua própria de um povo”) e idiota (“indivíduo simples, do povo”).
Nos estudos sociolinguísticos, o idiotismo constitui propriedade típica ou construção peculiar a um determinado idioma e que não encontra correspondência literal na maioria das outras línguas. O idiotismo, também chamado idiomatismo, geralmente é representado por uma locução ou expressão própria, específica da língua, cuja tradução literal não faria o menor sentido numa outra língua, mesmo que de estrutura análoga. Conhecidas como expressões idiomáticas, essas estruturas frequentes na linguagem coloquial constituem parte daquilo que o linguista romeno Eugenio Coseriu chamou de discurso repetido.
Intertextualidade do discurso
Foi também Coseriu quem mais pertinentemente chamou a atenção para a intertextualidade, fenômeno estudado como formas do discurso repetido. Essas formas constituem superposição de um texto em relação a outro. Muitos textos preexistentes na língua são constantemente resgatados, recuperados, relidos, reinterpretados, restabelecendo-se como disponíveis para contínua reintegração no discurso.
São três os tipos de formas do discurso repetido:
- Textemas ou unidades de texto: São representados pelos provérbios, brocardos, slogans, ditados populares, citações de vários tipos, consagradas pela tradição cultural de uma comunidade.
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Tudo vale a pena, se a alma não é pequena. (Fernando Pessoa)
Amai o próximo como eu vos amei. (Cristo)
Só sei que nada sei. (Sócrates)
- Sintagmas estereotipados ou expressões idiomáticas: São representados por frases que somente têm sentido para os falantes de determinada língua. Embora seja possível traduzir literalmente de uma língua para outra, essas frases parecem sem sentido, já que, na própria língua em que foram criadas, remetem a um sentido conotativo, metafórico.
Mãos à obra!
Deixou tudo de cabeça para baixo.
Vamos pôr tudo em pratos limpos.
Ela tem pavio curto.
- Perífrases léxicas: São representadas por alianças usuais de vocábulos, formando aquilo que chamamos de clichês ou frases feitas. Essas unidades plurivocabulares são assim chamadas porque são elaboradas com duas ou três palavras de uso muito frequente. A listagem desses sintagmas é extensa. Geralmente não são lexicalizadas nem dicionarizadas (como ocorre com as frases idiomáticas incluídas em qualquer bom dicionário), e são desaconselhadas nas redações dos grandes jornais.
Jargão
O jargão tem um conceito mais restrito. É o dialeto usado por determinado grupo social que busca se destacar por meio de características particulares e marcas linguísticas também exclusivas. Há o jargão dos médicos, o jargão dos advogados, o jargão dos economistas, entre outros.
Esses grupos, em geral mais prestigiados na hierarquia social, buscam, consciente e ao mesmo tempo involuntariamente, a não-inserção daqueles que compartilham dessa iniciação.
Gíria
A palavra “gíria” tem uma origem controvertida que se confunde com a origem de “jargão”. Ambas provavelmente vieram do espanhol jerga, com o significado de “linguagem difícil”, “linguagem vulgar”, ou do occitano gergon, “gorjeio dos pássaros”, que mais tarde passou também a significar “geringonça”, “linguagem vulgar”, “calão” e “jargão”.
A gíria é a linguagem informal caracterizada por um repertório lexical diminuto, mas com uma rica força expressiva. Constituída de idiotismos e expressões metafóricas ou metonímícas curtas, cujos significados remetem a ditos de anuência geralmente jocosos ou lúdicos, a gíria apresenta uma estrutura concisa e desembaraçada. É eficiente em seu dinamismo efêmero, Costuma ser usada por todo grupo social que pretende se diferenciar por meio de características particulares e marcas linguísticas exclusivas.
No passado, a gíria esteve associada à linguagem de bandidos, de marginais, dos párias sociais. Embora não devesse, a princípio, ser compreendida por outros indivíduos de classes sociais diferentes, acabou se tomando, na sociedade de massas de nosso tempo, um fenômeno de comunicação. É ainda hoje um mecanismo de diferenciação e de coesão dos grupos em que ela se origina. E constitui-se, de fato, em um elemento fundamental na evolução de qualquer idioma.
Tabuísmo
O tabuísmo vem da palavra “tabu” (do inglês taboo), de origem polinésia, segundo o aventureiro inglês James Cook (1728-1779), para referir-se a ritos sagrados e proibições religiosas. Mais tarde, Sigmund Freud (1856-1939) usou-a para designar a proibição de atos contrários aos padrões morais da época.
Hoje, além desses sentidos, tabu também pode significar “proibição de tocar, fazer ou dizer algo”. Essa interdição de ordem socioeconômica e cultural, sobre a qual se evita falar por pudor, ou por respeito ao interlocutor ou à situação, faz com que o falante busque alternativas lexicais para as palavras consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas demais na maioria dos contextos. Nesse conjunto estão os chamados palavrões. Geralmente, referem-se ao metabolismo humano ou animal (“peidar”) e aos órgãos e às funções sexuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTELOTTA, M.E. (Org.) et al. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e IzidoroBlikstein. 27. ed.São Paulo: Cultrix, 1996.
FIORIN, José Luiz et al. Introdução à Linguistica. I. Objetos teóricos. 5. Ed. São Paulo: Editora contexto, 2006.
Por: Paulo Magno da Costa Torres
Veja também:
- Sociolinguística
- A Língua Segundo Saussure
- Empréstimos Linguísticos
- O que é linguística
- O Valor do Idioma Português
- Linguística e Antropologia
- Preconceito Linguístico