Em várias ocasiões é comum o leitor confundir o autor do texto com o narrador, entretanto, os dois não são os mesmos. O autor é entendido como aquele que cria e escreve o texto ou a obra; já o narrador integra os elementos narrativos, sendo ele uma criação do autor com a finalidade de contar os fatos do texto. Vale ressaltar que os fatos apresentados pelo narrador não foram imaginados por ele.
Você deve estar se perguntando sobre o narrador-personagem, não é? Geralmente, ele aparece de forma ficcional com o objetivo de narrar e participar da história, assim além de “autor” do texto, também é personagem. A utilização do narrador-personagem é apenas uma estratégia literária, pois o verdadeiro autor do texto continua sendo que o escreveu, alguém que existe no “mundo real”, que possui identidade e endereço.
Na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis é possível visualizar essa experiência em que o autor-defunto Brás Cubas narra a sua história. Na primeira página do livro há o seguinte trecho escrito por Machado de Assis entre 1878 e 1879, quando o autor estava vivo com então 40 anos de idade: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Como você observou, Brás Cubas é o personagem que no texto é o autor-defunto.
Acompanhe mais um trecho do autor-defunto na página do livro intitulada “Ao leitor”:
Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. […]
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1973.
Por: Miriã Lira