Relatos, contos, romances, fábulas, lendas etc. são gêneros textuais que narram uma história, e histórias não são contadas sem a presença de um narrador.
É por meio do narrador que os acontecimentos são ordenados no tempo, as ações são atribuídas às personagens e os espaços são delimitados.
As diferentes formas de condução da narrativa assumidas pelo narrador vão delimitar o ponto de vista narrativo, ou foco narrativo.
Assim, um texto pode ser narrado em:
- primeira pessoa, por um narrador personagem, que participa da história que conta;
- terceira pessoa, por um narrador observador, que não participa da história que conta;
- terceira pessoa, por um narrador onisciente, que não participa da história, mas tudo sabe.
1. Narrador personagem
O narrador personagem é aquele cujo foco narrativo, ou ponto de vista da narrativa, está em 1ª pessoa.
Por essa razão, seu relato é mais limitado, ficando restrito àquilo que ele viu, ouviu e sentiu.
Assim, se esse narrador disser algo como “Maria era uma mentirosa deslavada”, poderemos ficar em dúvidas quanto à verdade dessa afirmação, já que não temos a versão da Maria sobre o fato.
O ponto de vista desse tipo de narrador, portanto, não pode ser tido como verdade absoluta, uma vez que não é imparcial.
Leiamos um trecho do final do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, em que o narrador personagem Dom Casmurro tenta explicar a suposta traição de Capitu – sua primeira amiga e, depois, sua esposa – com Escobar – o maior amigo.
Destacamos os verbos e os pronomes para demonstrar que o narrador está em 1ª pessoa.
Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. Mas eu creio que não. […]
E bem, qualquer que seja a solução, uma cousa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me…
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
O narrador personagem é aquele que, além de contar a história, é também personagem, participa dela. Por isso, narra os fatos na 1ª pessoa (eu…, nós…, meus…).
2. Narrador observador
O narrador observador nem sempre conhece todas as características das personagens.
Um exemplo desse tipo de narrador observador pode ser encontrado em O falcão maltês, de Dashiell Hammett.
O despertador […] marcava três e quarenta quando Spade acendeu de novo a luz do lustre. Deixou cair o chapéu e o sobretudo sobre o leito e dirigiu-se à cozinha, voltando ao quarto com um copo e uma garrafa […]. Pôs a garrafa e o copo sobre a mesa, sentou-se na beirada da cama de frente para eles, e enrolou um cigarro.
HAMMETT, Dashiell. O falcão maltês.
O narrador observador não participa da história como personagem, está mais distanciado dos fatos e utiliza a 3ª pessoa para narrar (ele…, ela…, eles…, elas…).
3. Narrador onisciente
A função desse narrador é a de demonstrar os sentimentos, os pensamentos, as ações, as dúvidas e as certezas das personagens, ou seja, ele é onisciente porque sabe tudo o que se passa, ele tudo vê e tudo mostra ao leitor.
O exemplo a seguir é um fragmento da obra Til, de José de Alencar, em que o narrador demonstra conhecer a fundo a personagem Berta e sua relação com os amigos Linda, Afonso e Miguel.
É interessante notar que o narrador tece comentários sobre como, inclusive, ela poderia se portar em outras situações.
De Berta, que direi? Com todos brincava; a todos queria bem, e sabia repartir-se de modo que dava a cada um seu quinhão de agrado. Em roda ferviam os ciúmes de muitos que a ansiavam só para si, e penavam-se de vê-la desejada e querida de tantos. […]
O gracioso e ingênuo sorriso de seus lábios era o mesmo, desfolhando beijocas na face de Linda, como zombando de Afonso ou ralhando com Miguel. Não fora o recato da educação, que ela seria muito capaz de fechar os olhos e à sorte lançar o beijo, como um pombinho, para qual dos três mais ligeiros o apanhasse.
ALENCAR, José de. Til.
Quando o narrador é onisciente, o ponto de vista da narrativa também é construído em 3ª pessoa, mas difere do narrador observador porque tem conhecimento total da ação narrada. Ele compreende o exterior e o interior das personagens.
Atenção!
O produtor (autor) do texto e o narrador não são a mesma pessoa, portanto não se deve confundir um com o outro. Clique aqui para ver as diferenças entre autor e narrador.