Tomás Antônio Gonzaga é o maior representante do Arcadismo brasileiro. Nascido na cidade do Porto, Portugal, por volta de 1744, é autor dos poemas líricos que integram a obra Marília de Dirceu (1792-1799).
Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, noiva do árcade, foi imortalizada com o pseudônimo de Marília e Tomás Antônio Gonzaga com seu pseudônimo Dirceu. O autor tem a capacidade de tocar seus leitores com um amor semelhante ao das obras de Shakespeare, principalmente no que abrange à segunda parte da obra. Um fato muito importante é que durante o exílio em Moçambique, Tomás Antônio Gonzaga se casou com dona Juliana de Sousa, filha de um rico traficante de escravos, refazendo sua vida, enquanto que Marília vagava pelas ruas de Vila Rica à sua espera, até morrer com 90 anos de idade, situação que deu mais drama à tragédia amorosa.
Resumo do livro:
Marília de Dirceu [a obra] está divida em três partes:
· Primeira parte: tem como tema a liberdade. O pastor Dirceu (eu lírico), então noivo da pastora Marília, exalta suas qualidades, a saber: beleza, inteligência e riqueza. Também exalta a beleza física de sua amada, ora loira, ora morena. O ambiente campestre serve de cenário para a obra. Como poemas árcades nota-se a presença do bucolismo, do pastoralismo, a simplicidade formal, o apego aos valores da cultura Greco-romana, além dos temas carpe diem, o lócus amoenus e o fugere urbem que compõem as liras.
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os Pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado;
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhe dou, gentil Pastora,
Depois que o teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
[…]GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. p. 13-14.
· Segunda parte: a prisão em decorrência da acusação de ser um dos inconfidentes. Nesta parte, o eu lírico é tomado por pessimismo, melancolia e saudade de sua amada. Toda a objetividade característica do arcadismo dá lugar ao subjetismo, revelando um poeta amargurado e triste, fato que antecipa o Romantismo no Brasil. Por esse motivo, é classificado como um pré-romântico. O cenário é a masmorra, fria, fétida e úmida, longe do bucolismo que caracteriza o arcadismo.
Lira XIX
Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.Depois que represento
Por largo espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:“Se queres ser piedoso,
“Procura o sítio em que Marília mora,
“Pinta-lhe o meu estrago,
“E vê, Amor, se chora.
“Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
“Uma delas me traze sobre as penas,
“E para alívio meu só isto basta”.GONZAGA, Tomás Antônio. Op. cit. p. 79-80.
·Terceira parte (em algumas edições integra a segunda): abrange o exílio de Dirceu em Moçambique. Mesmo casado com dona Juliana de Sousa, com a vida refeita, Tomás Antônio Gonzaga continuou a escrever inspirado em Marília, tendo a saudade da amada como característica central.
É gentil, é prendada a minha Alteia;
As graças, a modéstia de seu rosto
Inspiram no meu peito maior gosto
Que ver o próprio trigo quando ondeia.Mas, vendo o lindo gesto de Dirceia
A nova sujeição me vejo exposto;
Ah! que é mais engraçado, mais composto
Que a pura esfera, de mil astros cheia!Prender as duas com grilhões estreitos
É uma ação, ó deuses, inconstante,
Indigna de sinceros, nobres peitos.Cupido, se tens dó de um triste amante,
Ou de forma de Lorino dois sujeitos,
Ou forma desses dois um só semblante.GONZAGA, Tomás Antônio. Op. cit. p. 116-117.
Referência bibliográfica
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
Por: Miriã Lira