São Bernardo, escrito por Graciliano Ramos, foi publicado em 1934. Nessa obra, assim como em outros romances do autor, ele se volta para o drama social vivido pelo Nordeste, representando o drama particular de um personagem que foi ajudante de cego, caixeiro viajante até ser latifundiário.
O desenrolar de São Bernardo mostra a ascensão de Paulo Honório em um período de fartura até sua decadência final como ser autoritário e agressivo que, por fim, termina solitário e em difícil situação financeira. Os fatos revelam a visão que Paulo Honório, personagem-narrador, carrega do mundo, e evidencia que em nenhum momento ele abandona seu autoritarismo, mesmo quando seu declínio fica claro para o leitor.
Há uma força telúrica que circunda o romance, ligando o homem à terra, assim Paulo Honorário insiste em ficar na fazenda São Bernardo até o final, com a presença de seu fiel guarda-costas, Casimiro Lopes, e seu filho. Embora sinta culpa, o personagem-narrador não se arrepende completamente e justifica esse comportamento com a profissão que escolheu.
Paulo Honório é a representação do latifundiário brasileiro. Graciliano Ramos estudou profundamente o estudo dessa alma cercada de solidão e de injustiças cometidas contra a mulher, Madalena. O narrador-personagem tem plena consciência de que é apenas um bruto forçado às incumbências da profissão.
Conforme Paulo Honório vai escrevendo o livro, vai descobrindo e revelando ao leitor seus defeitos psíquicos, portanto, a análise socioeconômica do trabalhador braçal é relevada aos poucos, revelando-nos a miséria, a exploração e o descaso com que vivem os empregados da fazenda São Bernardo. Como latifundiário, o personagem-narrador não se preocupa com a qualidade de vida de seus funcionários, mas sim com a capacidade de produção de cada um deles. Assim, a vida do homem parece ser vista apenas como o que pode render financeiramente considerando a capacidade produtiva.
A narrativa é feita em primeira pessoa, em forma de flash-back, e por muitos da crítica é considerada uma recriação regionalista de Dom Casmurro, de Machado de Assis, haja vista a semelhança na estrutura narrativa e pelo fato de seus narradores serem pseudo-autores; Paulo Honório e Bentinho são atormentados pelos ciúmes, são inseguros em seus relacionamentos amorosos e a solidão final deles parece a mesma. A distinção é evidente apenas pelo fato de Paulo Honório ter certeza de que Madalena era inocente, enquanto Bentinho termina com a dúvida da traição de Capitu com seu melhor amigo.
RESUMO DE “SÃO BERNARDO”
Paulo Honorário decide escrever um livro para relatar sua vida com Madalena. Está completamente sozinho, então pede a ajuda de um amigo, o jornalista Azevedo Gondim, mas acaba se desentendendo com ele devido a sua linguagem literária usada. Por fim, acaba por fazê-lo sozinho.
Durante a narrativa, Paulo Honorário revela que foi criado por uma preta velha chamada Margarida, a quem ele costumava ajuda lavando tacho e vendendo doces. O personagem-narrador também foi guia de cego e caixeiro viajante; também foi preso por ter matado o amante de Germana, a moça com quem namorava.
Recomeçou sua vida após pegar emprestado a juros cinquenta mil-réis, assim, começou sua trajetória capitalista e após muito trabalhar conseguiu pagar o empréstimo.
Paulo Honório empresta dinheiro a Padilha, que herdou do pai a fazenda São Bernardo; entretanto, Padilha se endivida e dá a fazenda a Paulo Honório, portanto, é assim que o personagem-narrador se torna latifundiário. O recém-latifundiário começa a ter problemas com Mendonça devido a uma cerca que invadia suas terras. Para resolver o impasse, Casimiro Lopes, fiel empregado de Paulo Honório, assassina Mendonça. E desta forma, o narrador toma posse das terras do vizinho.
A fazenda cada vez mais gera lucro e torna-se um modelo de prosperidade. Então, precisando de um herdeiro, Paulo Honório se casa com a professora Madalena, que muda junto com sua tia d. Glória para a fazenda.
As discussões entre o casal logo começam a surgir assim que Madalena conversa com seus amigos e o esposo, menos culto que eles, não entende os diálogos e passa a ter ciúmes e a desconfiar da mulher. Com o nascimento do filho as desavenças não diminuem e o relacionamento vai ficando insuportável, até que Madalena se suicida.
D. Glória e o contador, seu Ribeiro, abandonam Paulo Honório. Padilha após perder as terras para o narrador tornou-se professor na escola da fazenda, desaparece, vai lutar na revolução. Padre Silvestre também vai para o exército revolucionário.
A situação financeira de Paulo Honório é bastante ruim e, solitário e arruinado, resolve escrever um livro contando a sua história.
PRINCIPAIS PERSONAGENS
Paulo Honório – personagem-narrador do livro. Indivíduo bruto e rude, capaz de dar a vida em prol do trabalho, portanto, não mede esforços para alcançar seus planos. Deve ter aproximadamente cinquenta anos de idade. Sempre culpa a sua profissão por sua violência e agressividade. É autoritário e escraviza os empregados e servidores com seu poder de mando. Seu autoritarismo foi incapaz de influir sobre Madalena, com isso ele passa a ter ciúmes da mulher. Depois do suicídio da esposa, Paulo Honório perde suas forças e o ânimo, torna-se incapaz de enfrentar seus inimigos políticos.
Margarida – negra que criou Paulo Honório. Doceira. Simples e modesta. Paulo Honório consegue achá-la e a traz para morar na fazenda São Bernardo.
Luís Padilha – ocioso, jogador assíduo, entregue à bebida e às mulheres. Herdeiro da fazenda São Bernardo, mas acaba perdendo-a para Paulo Honório. Assim, vai trabalhar como professor na escola da fazenda sendo explorado pelo latifundiário. Após perder a fazenda, torna-se esquerdista, divulgando suas ideias, irrita o patrão. Ingressa no exército revolucionário.
Madalena – professora primária, sobrinha de d. Glória que a criou, e mulher de Paulo Honório. É loira, bonita, tem olhos claros e vinte e sete anos. Mulher instruída, educada e preocupada com as injustiças sociais, portanto, suas opiniões conflitam com o marido ao tentar melhorar a qualidade de vida dos empregados da fazenda. Seu domínio linguístico é um dos motivos de desavença entre o casal, já que o marido tem dificuldades para compreender seu vocabulário. Sua bondade e inteligência não foram o bastante para vencer o autoritarismo, a rudez, os ciúmes e a violência do marido, por fim, a única solução para os seus problemas é o suicídio.
Filho – o filho de Madalena e Paulo Honório era desprezado por ambos. Descrito como uma criança chorona e frágil. O pai não o achava parecido consigo, mas também com nenhum outro homem.
D. Glória – tia que criou Madalena com muita luta. É trabalhadora, porém desorganizada.
Seu Ribeiro – senhor que já foi rico e poderoso, mas perdeu tudo para o progresso e desde então trabalha na fazenda São Bernardo como contador e guarda-livros. É próximo de Madalena com quem gosta de conversar.
Casimiro Lopes – Amigo e empregado de Paulo Honório, sempre executando suas ordens sem questionar.
Mendonça – proprietário da fazenda Bom-Sucesso. É assassinado por Casimiro Lopes a mando de Paulo Honório para que ele possa aumentar as áreas de sua fazenda.
ESTILO DE ÉPOCA
O escritor Graciliano Ramos foi inserido na segunda fase do Modernismo brasileiro – geração de 1930. Portanto, São Bernardo é um romance pós-moderno. Nessa geração destacou-se o regionalismo nordestino, situação em que se encaixa a obra em análise. Esses romances tinham a intenção de denunciar os problemas enfrentados pelo homem do Nordeste, dentre eles os de causa social, a miséria e a exploração do sertanejo devido a seca, o coronelismo e/ou o declínio dos canaviais.
Pode-se observar que há no romance uma tensão crítica, visto que o herói é resistente quanto às pressões do meio social em que se insere e da natureza, assim, formulando ou não ideologias explícitas.
O regionalismo do autor atinge caráter universal, uma vez que ele explora o interior das personagens, a partir de perspectivas psicológicas. Os enredos de Graciliano nascem da junção entre personagem, paisagem e realidade socioeconômica, tudo embasado na criticidade. Seu herói (anti-herói) sempre será um problema. Há também em São Bernardo o zoomorfismo, haja vista que se atribui características de animas aos seres humanos, a saber: rasteja, laça, tem faro de cão etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1990.
AZEVEDO, Alexandre. SÁ, Sheila Pelegri de. LITERATURA: segunda geração modernista. Ético Sistema de Ensino, 2012.
São Bernardo – análise comentada. Disponível em: <http://sejaetico.com.br/novo/professor/em/analise-de-livros>. Acesso em 10 fev. 2013.
Por: Miriã Lira