A sociologia brasileira ganhou vulto a partir de um grande intelectual brasileiro chamado Florestan Fernandes (1920-1995). Formado nos quadros da Universidade de São Paulo (USP), Florestan abriu caminho para análises sociológicas propriamente ditas acerca do Brasil, pesquisando os grandes temas brasileiros pertinentes a esse campo.
Sua obra foi influenciada pelos clássicos da sociologia, sobretudo Karl Marx. A importância de Florestan também se deve ao engajamento político prático que marcou toda sua trajetória. Florestan foi professor de uma geração inteira de sociólogos que estenderiam os estudos sobre o Brasil nas décadas de 1960 e 1970.
Além da obra sociológica de grande valor, Florestan Fernandes foi professor universitário de grande destaque, que contribuiu decisivamente para formar uma geração importantíssima de intelectuais, com destaque para os sociólogos Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, este último presidente do Brasil entre 1º de janeiro de 1995 e 1º de janeiro de 2003.
As obras e a sociologia de Florestan
Entre as várias obras publicadas por ele estão: A organização social dos tupinambá (1949), A etnologia e a sociologia no Brasil (1958), Mudanças sociais no Brasil (1960), Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (1961), Integração do negro na sociedade de classes (1964) e A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (1975). Pelos títulos, é possível perceber a variedade de assuntos tratados por esse grande sociólogo brasileiro.
Florestan foi um grande pensador da questão racial no Brasil. Para o autor, a questão da “democracia racial no Brasil”, apesar de sua legalidade constitucional, não passa de uma falácia. Os interesses de classe e de grupos de pessoas preservam a desigualdade histórica do elemento negro, contribuindo visivelmente para a manutenção das diferenciações raciais no país.
Florestan subverteu a visão contemplativa sobre a escravidão que havia […] da “casa-grande” em relação à “senzala”, uma visão que colocava em relevo a miscigenação como fator indutor da “democracia racial”. Ele contestou essa tese, colocou a questão racial na perspectiva do oprimido, […] da “senzala” em relação à “casa-grande” sem, contudo, mistificar a senzala.
Junto com as comunidades negras segregadas, desenvolveu uma interpretação da realidade social do negro tomando como base a necessidade de uma segunda abolição. Pela primeira vez foi abordada, de forma sistematizada, sua tese sobre a revolução burguesa, inconclusa no Brasil, e o modo dramático e subalterno pelo qual os negros são integrados ao novo regime, após a abolição da escravatura.
No livro A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica, Florestan estabelece uma interpretação sócio-histórica da constituição da burguesia no Brasil. Em suas palavras, destaca que:
[…] ao se apelar para a noção de “revolução burguesa”, não se pretende explicar o presente do Brasil pelo passado dos povos europeus. Indaga-se, porém, quais foram e como se manifestaram as condições e os fatores histórico-sociais que explicam como e por que se rompeu, no Brasil, com o imobilismo da ordem tradicionalista e se originou a modernização como processo social.
Florestan analisa que a revolução burguesa no Brasil foi constituída de quatro momentos sócio-históricos distintos e relevantes que antecederam o golpe de 1964:
- a independência seguida dos acontecimentos da abolição da escravidão e da proclamação da república;
- a presença dos novos atores que permitiram grandes mudanças na realidade econômica, social e política do país;
- a mudança na relação entre capital internacional e organização da economia interna;
- a expansão e universalização da chamada ordem social competitiva do capitalismo dependente no Brasil.
Sua obra é dividida em três partes: na primeira, as “origens da burguesia”, abordando a interpretação sociológica desde a independência do Brasil até as origens da revolução burguesa, a imigração, os fazendeiros do café e a industrialização no país. Na segunda parte, aborda a ordem social competitiva do capitalismo dependente; e, por fim, a “revolução burguesa e o capitalismo dependente”, interpretando a concretização da revolução burguesa, com o mercado capitalista moderno, a expansão do capitalismo competitivo e o capitalismo monopolista-financeiro.
Na visão de Florestan, o importante, em termos da análise sociológica, é o que representam essas funções histórico-sociais da acumulação do capital nas classes dominantes para o desenvolvimento interno do capitalismo.
Além da acumulação capitalista conter traços da acumulação de classe, no que se refere ao privilégio de apenas um segmento, a burguesia se justificou dentro da ordem antiga, mantendo sua estrutura desigual e nada democrática, típica da sociedade nacional ao longo do tempo.
Referências
- CERQUEIA, Laurez. Florestan Fernandes: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2004. p. 53.
- FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. p. 20-21.
- IANNI, Octávio. A sociologia de Florestan Fernandes. Estudos avançados, v. 10, n. 26, 1996.
Por: Wilson Teixeira Moutinho