Formado em Filosofia, o pensador Claude Lévi-Strauss foi um expoente dos estudos etnológicos e contribuiu decisivamente para a consolidação dos estudos antropológicos.
Biografia
Claude Lévi-Strauss, nascido em 1909, em Bruxelas, de pais franceses, é, sem dúvida, o antropólogo cuja obra exerceu a maior influência no século XX. Doutorou-se em 1931 e, em 1935, aceitou a cátedra de Sociologia da Universidade de São Paulo. No Brasil, completou sua formação de antropólogo com várias expedições etnológicas.
A princípio, Lévi-Strauss desejava sair do academicismo que marcava boa parte do pensamento francês do início do século XX. Seu intento era buscar novos referenciais teóricos aplicáveis ao entendimento do ser humano e de sua condição.
Essa informação é importante à medida que permite a compreensão da carreira de pesquisador interessado em postular uma racionalidade inerente às formas de relacionamento dos homens. Dessa sua formação filosófica, nasceu o interesse em pensar as sociedades humanas não apenas em termos históricos ou biológicos, mas também em sua condição humana em termos universais.
Seu nome é indissociável do que foi chamado, depois dele, antropologia estrutural. A antropologia estrutural é, primeiramente, um método de conhecimento original, forjado no tratamento de problemas particulares de uma disciplina, mas cujo objeto é, em princípio, tão vasto e sua fecundidade tão notável que esse método logo exerceu uma influência muito além do campo de pesquisa que o viu nascer.
Antropologias e a antropologia estrutural
A princípio, este estudioso voltou-se para a antropologia funcionalista de Malinowski, imaginando encontrar ali uma forma de sistematização generalizante acerca do comportamento humano. A ideia de função nas elaborações culturais dos homens, na necessidade de compreensão dos valores culturais oriundos das necessidades práticas de sobrevivência dos grupos humanos, animava o jovem Lévi-Strauss.
No entanto, sua leitura da psicanálise e de textos linguísticos o levava a questionar a ideia de que toda elaboração cultural obedecia a interesses concretos – conforme se acreditava na antropologia funcional. Para Lévi-Strauss, elementos inconscientes também poderiam operar no uni- verso da cultura e atuariam como uma estrutura condicionante da vida social.
Com isso, ele colocava em questão as hierarquizações até ali elaboradas a respeito das sociedades avançadas e primitivas. Para este intelectual, as classificações empregavam critérios biológicos e históricos para apontar um sentido de evolução do ser humano que, talvez, não fosse o mais inteligente para uma compreensão mais ampla da condição humana.
As sociedades “primitivas” e as chamadas “avançadas” poderiam ser estudadas desde que se entendesse que as diferenciações nas formas de expressão cultural escondiam estruturas comuns. Dessa forma, não haveria a hierarquização das comunidades humanas apontada pela antropologia da época, mas sim maneiras distintas de expressão de uma mesma estrutura.
Nesse aspecto, a antropologia proposta por Lévi-Strauss se afasta da “empiria” que havia caracterizado a proposta funcionalista e recusa a ideia de que a cultura seria um simples ato de consciência que objetivava a realização de uma função específica. Ele critica a assertiva de Malinowski que trata das funções dos elementos culturais correspondendo às “necessidades orgânicas de alimentação, proteção e reprodução”. A noção fundamental adotada por Lévi-Strauss expressa que finalidades inconscientes são tão relevantes quanto as conscientes. O caminho aberto para a compreensão desse universo inconsciente e para a abertura das estruturas inconscientes comuns aos homens estaria no estudo da língua, em sua estruturação.
Claude Lévi-Strauss já havia apontado noções desenvolvidas pelo estudioso norte-americano Kroeber, que afirmava origens inconscientes das atividades e comportamentos humanos como operações estruturantes da vida social observáveis na linguagem.
Em sua teoria antropológica estrutural, assinala o valor dessa linguagem e de seu estudo para a compreensão das estruturas subjacentes às variadas expressões culturais que, alteradas em forma, variando de comunidade humana para comunidade humana, expressam um conteúdo comum.
Dito de outra forma, Lévi-Strauss coloca a estrutura como uma espécie de substância comum aos homens, independentemente de seu pertencimento a esta ou àquela comunidade. As variações deste substrato comum (expressões culturais específicas) representariam “adjetivos”, qualificações que não perderiam de vista, em nenhum mo- mento, a substância estrutural a que estão vinculadas.
Um estudo concreto
Essas proposições teóricas de Lévi-Strauss foram acompanhadas de etnografia e estudos etnológicos e a obra fundamental produzida a esse respeito é conhecida por As estruturas elementares de parentesco. Sua hipótese de trabalho não se restringiu a estabelecer um estudo de caso, pelo contrário, abrangeu vários estudos e instituiu comparações para que se pudesse verificar “padrões”. Tais “padrões” informariam a estrutura comum de funcionamento das sociedades estudadas. Assim, Lévi-Strauss realizou análises comparadas de vários sistemas de parentesco, interessado em encontrar possíveis constantes, independentemente de contextos socioculturais específicos (particulares).
No Brasil, o antropólogo realizou estudos etnológicos, embora seu maior interesse fosse traçar uma antropologia especulativa com a comparação de estudos de casos, aproveitando-se também de outros trabalhos de campo não produzidos por ele mesmo. Assim, sua obra, por mais filosófica que seja, esteve ancorada em sólido trabalho com grupos humanos.
A observação de forma comparada levou Lévi-Strauss a considerar que a proibição do incesto, norma praticamente universal entre as comunidades humanas, dizia respeito a uma estrutura atrelada não a uma questão moral ou biológica, mas sim a um caráter de “troca” (conceito tomado de empréstimo do antropólogo francês Marcel Mauss) em que os clãs familiares não ficariam fechados em si mesmos, podendo estabelecer relações de parentesco que impediriam um perigoso isolamento. Essa interdição reguladora dos casamentos seria o primeiro elemento da passagem da dimensão natural (instintiva) para a dimensão cultural e, nisto, não haveria uma consciência direcionadora, mas sim uma intencionalidade inconsciente.
Para Lévi-Strauss, a circulação das mulheres por meio do casamento representava uma forma de comunicação, a exemplo da própria linguagem. Tanto o casamento quanto a linguagem eram considerados um sistema de comunicação para a integração de grupos. Nesse sentido, atuavam como um complexo, havendo uma homologia entre duas ordens de fenômenos.
Conforme Lévi-Strauss, na página 73 da mesma obra: “Ao alargarmos a noção de comunicação para nela incluir a exogamia e as regras que decorrem da proibição do incesto, podemos lançar algumas luzes sobre uma questão ainda misteriosa, a da origem da linguagem. Comparadas à linguagem, as regras do casamento formam um sistema complexo do mesmo tipo que ela, porém mais tosco, e no qual um bom número de traços arcaicos, comuns a ambos, se encontram preservados”.
Antropologia, estrutura e história
Para esse antropólogo, as estruturas lógicas representariam a condição ontológica do ser humano. Nesse sentido, a realidade não estaria na história, mas nessa estrutura, um fundo indiferenciado de estruturas mentais, um psiquismo inato dos homens com base no qual se desenvolveram culturas diferenciadas seguindo exigências próprias de cada organização social humana. A isto denominou-se “realismo conceitual” na obra de Lévi-Strauss.
Assim, enquanto um historiador poderia favorecer o estudo de processos de transformação, de mudança na história, realçando a ideia de uma ruptura, um antropólogo deveria atentar para relações de continuidade, de estrutura, de condicionantes que poderiam ser expressos historicamente de maneiras distintas, mas que, fundamentalmente, guardariam constantes reveladoras da permanência estrutural.
A diferença básica era de enfoque, pois, ao historiador, os processos históricos configurariam um sentido transformador da vida humana, enquanto, para um antropólogo estruturalista, a história serviria para evidenciar não a transformação, mas a constância de determinadas estruturas na vida humana. É como se houvesse um “espírito humano” que permanece inalterado ao longo da história.
O pensamento selvagem
Para Lévi-Strauss, o pensamento selvagem não era pré-lógico e “primitivo” no sentido de ser menos evoluído. A sua noção estruturalista coloca o pensamento selvagem dotado de sentido lógico no lugar em que já se expressa o “espírito humano”. Por esse caminho, fazia uma crítica contundente a critérios classificatórios relativos à racionalidade de determinados povos. O pensamento selvagem remete ao pensamento não domesticado, mas nem por isso inferior. Diz respeito à natureza humana, a seu caráter ontológico, assentado em um psiquismo básico e comum a todos os seres humanos, informando um caráter essencial que, apesar das variações históricas de externalização, é fundamentalmente o mesmo.
Bibliografia
- LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac-Naify, 2008.
- ROTA, Ana Francesca. Estruturalismo e ciências humanas. In: ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia contemporânea: do século XIX à neoescolástica. São Paulo: Loyola, 2004.
- CASTRO, Eduardo Viveiros de. O pensamento em estado selvagem do pensamento científico. Com Ciência, n. 46, jan. 2011.
Por: Wilson Teixeira Moutinho