A estratificação social em classes tem sua origem entre o final da Idade Média e meados da Idade Moderna, com a transição do feudalismo para o capitalismo e se estabelece plenamente na sociedade sob essa nova organização. A maioria dos economistas e sociólogos coloca como divisor de águas e evento que fez de fato surgir a estratificação atual de classes a Revolução Industrial, na Inglaterra, durante a segunda metade do século XVIII.
O que são classes sociais?
Os sistemas de castas e de estamentos, formas sob as quais a sociedade era tradicionalmente organizada, cedem lugar a uma estrutura de classes, que apresenta diferenças marcantes em relação a esses antecessores:
- Os aspectos familiares e de hereditariedade, grupos raciais e etnias, fé e crenças religiosas eram os padrões que separavam (e ainda separam) castas e estamentos. Na sociedade de classes, todas essas premissas cedem lugar a um critério essencialmente econômico.
- Nos sistemas de castas e de estamentos, diferentes camadas da sociedade possuem direitos e deveres particulares. A sociedade de classes, certamente presente em todas as democracias modernas, tende a alinhar direitos e deveres – todos os cidadãos, a despeito de sua classe, possuem obrigações e direitos similares. Há o princípio da igualdade jurídica – perante a lei, ao menos em tese e de modo formal, todos são iguais.
- A sociedade de classes trouxe uma possibilidade de mobilidade social. Na organização por castas ou estamentos, indivíduos praticamente estão presos à camada social da qual fazem parte. Isso se estende inclusive a herdeiros, na maioria dos casos. Na sociedade de classes, a mobilidade social ocorre sobretudo quando há evolução nos padrões econômicos. Não há, ao menos teoricamente, impeditivos tradicionais e legais à mobilidade social. Pessoas podem acumular recursos e riquezas, de modo a fomentar a sua migração para uma classe mais elevada. Do mesmo modo, alguém com poder econômico pode perder suas posses, involuindo em termos de classe.
Nos sistemas anteriores, o prestígio familiar, características inatas e o credo religioso não apenas emprestavam aos indivíduos os benefícios ou malefícios de sua camada social, mas nos casos onde havia poder e prestígio, havia também um acesso mais fácil à riqueza e recursos.
No capitalismo, assim como na social-democracia, no liberalismo e outras vertentes de aplicação do capitalismo, há apenas a sociedade de classes. O ponto de partida de um indivíduo é irrelevante e não nos permite predizer a que classe esse indivíduo irá pertencer no horizonte de cinco, dez ou vinte anos. O pertencimento dos indivíduos a uma classe social é definido pelo seu nível de riquezas e por sua posição no âmbito das relações socioeconômicas.
Finalmente, há uma inversão da matriz de prestígio: o poder econômico leva a um prestígio cada vez maior – ao contrário dos regimes antecessores.
Desigualdade social
O conceito de mobilidade social livre é libertador, especialmente em relação a organizações sociais que advém de padrões imutáveis do indivíduo, como família de origem ou etnia. Entretanto, ainda que legalmente destituída de qualquer impedimento, a mobilidade social em termos de ascensão social é um fato raro na maioria das democracias modernas.
Há, e vale ressaltar, em muitas das sociedades, a igualdade social estabelecida em constituição. Contudo, nem todo direito ou justiça é necessariamente acessível e, num regime no qual a justiça e a garantia dos direitos implica em custos, classes mais abastadas levam evidente vantagem – o que reforça a ideia de hierarquia social. Não imutável, mas estanque, destituída de grandes mudanças em sua estrutura central.
Teoria de classes
Segundo o espectro analisado por Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), a dita “teoria das classes” pode apresentar diferentes facetas.
Para Karl Marx, as classes sociais são definidas pela posição dos grupos em relação aos meios de produção (terras, máquinas, indústrias etc.). Em outras palavras, a posição social de um indivíduo na hierarquia social está diretamente relacionada à divisão do trabalho – o papel desse indivíduo na sociedade e sua relação com os meios de produção.
No capitalismo tradicional, as classes sociais principais são a burguesia – os proprietários dos meios de produção – e o proletariado – os operários ou, em sentido mais amplo, os trabalhadores assalariados. Contudo, a economia de serviços e a economia digital, ainda posterior, colocaram certa distância à visão tradicionalista das classes mais baixas como “proletariado”. Numa sociedade onde mais de 90% dos trabalhadores está no setor de serviços, comércio ou na esfera pública, não há muito sentido em manter uma visão operária.
As novas relações de trabalho e as novas formas de empreendedorismo também alteraram a definição clássica de classes sociais dentro do capitalismo. No Brasil, por exemplo, um MEI é, sob a acepção legal, proprietário de uma empresa – porém seria errôneo considerar um empresário individual como “burguês”. Do mesmo modo, há trabalhadores assalariados com vencimentos anuais milionários – e colocá-los no rol do proletário seria até mesmo cínico.
Não apenas econômico
Para Max Weber, e outros autores mais atuais, não se deve considerar apenas a posição dos grupos nas relações de produção como fator determinante das classes sociais. A visão de Weber explica melhor o momento em que vivemos – elementos como qualificação profissional e acesso a recursos socioeconômicos na definição da divisão social em classes.
A questão é explicada sob o ponto de vista do que é poder. As classes seriam organizadas em torno do quantum de poder de cada indivíduo e, assim sendo, alguém ocuparia uma classe mais alta à medida que possuísse mais poder – econômico ou não. Entende-se “por poder a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência se outros que participam da ação”, segundo artigos de Weber.
A teoria de Weber ainda sofreu muitas evoluções e discussões ao longo da segunda metade do século XX – e Pierre Bordieu talvez possua um dos trabalhos mais populares nesse quesito. Para ele, como para Weber, não se pode apenas observar o contexto econômico como fator de definição da hierarquia social e da teoria de classes. Mas Bordieu questiona o próprio conceito de capital, vindo de Marx. O sociólogo identifica três tipos de capital – que podem definir e modificar a estrutura de classes de uma sociedade, conforme a sua quantidade e estrutura:
- Capital econômico. Renda e propriedade.
- Capital social. Contatos, networking, carisma e relacionamento.
- Capital cultural. Credenciais, educação informal, domínio e prestígio cultura.
Referências:
- GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre; Artmed, 2005.
- HIRANO, Sedi. Castas, estamentos e classes sociais em Marx e Weber. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.
- LEMOS, Marcelo Rodrigues. Estratificação social na teoria de Max Weber: considerações em torno do tema. Revista Iluminart, v. 1, n. 9, 2012.
Por: Carlos Artur Matos