As relações de trabalho nas sociedades, ao longo da história humana, são modificadas e substituídas ao longo do tempo. O trabalho e suas relações são fruto do relacionamento entre os detentores dos meios de produção e aqueles que os utilizam para produzir (e às vezes são utilizados). Principalmente na Antiguidade e em boa parte da Idade Média, prevaleceram as relações de trabalho compulsório.
O que é o trabalho compulsório? A palavra “compulsório” implica em algo obrigatório. No trabalho compulsório, não há por parte do trabalhador a recusa ou a opção. A recusa implica em castigos e punições, por vezes legais, e mesmo quando não há uma conceituação escravista, como nas relações medievais, trabalhadores dificilmente possuem sequer o poder de escolher no quê trabalham. São relações de trabalho desse tipo as servis e escravistas.
Servidão
A servidão assume diferentes formas históricas. A servidão distingue-se da escravidão por questões técnicas. Primeiramente, os servos não são declaradamente propriedade do senhor que os “emprega”.
Contudo, há uma relação de dependência que impede aos servos escapar da autoridade e subserviência em relação ao senhor. Há, contudo, a preservação de alguns poucos direitos individuais, como a constituição de famílias, direito a pequenas propriedades e alguma participação comercial e econômica.
Tecnicamente, na servidão os trabalhadores têm a posse e o usufruto da terra que cultivam. Podem usá-la para sustentar a si mesmos e às suas famílias. Não obstante, especialmente no caso medieval, têm as suas terras como pertencentes a um determinado feudo ou domínios de um senhor (ou suserano) e assim devem a esse senhor impostos, além de entregar parte considerável de sua produção.
No contexto da servidão, é necessário distinguir os termos posse e propriedade. Em uma concepção mais moderna, os servos recebiam dos senhores uma espécie de “concessão” para utilização de um terreno. Tinham o direito de explorar essas terras para si mesmos, em troca de uma dívida que era paga em tributos, favores e obediência.
Como ocorre com a escravidão, as relações servis de trabalho eram vitalícias e também hereditárias. Ou seja, filhos de um servo teriam “direito” à posse das mesmas terras dos pais, contudo sob a condição de pagamento dos mesmos tributos e serviços ao suserano.
Exemplos históricos de servidão
Há diferentes exemplos de servidão ao longo da história, e para ambos há uma série de exemplos. A primeira refere-se a civilizações da Antiguidade Oriental – Egito, Mesopotâmia e Império Persa, dentre outras – e a sociedades indígenas da América anteriores à conquista europeia – astecas, maias e incas. A segunda é relativa ao feudalismo na Europa medieval.
Nos impérios da Antiguidade – em praticamente qualquer parte do mundo – os governos, representados por um monarca com poderes equivalentes a um deus, eram proprietários de absolutamente tudo. Com isso, todas as atividades econômicas e o trabalho eram, de modo direto, propriedade do rei e governante.
As famílias camponesas viviam em comunidades, nas quais exerciam a posse comum das terras, praticando a agricultura e o artesanato para subsistência. Mesmo nos casos em que esses trabalhadores não possuíam a condição de escravos, eram obrigados a entregar o excedente econômico aos governantes – na forma de tributos ou mesmo mercadorias.
A “coleta” não abastecia apenas à monarquia, mas também a indivíduos em altos postos dentro da sociedade. Exércitos, clero, nobreza e alguns funcionários que exerciam um papel de destaque na sociedade consumiam os excedentes produzidos pela população em geral.
Os trabalhadores eram, não raro, também convocados para construir ou auxiliar na construção de empreendimentos e obras públicas. Estradas, templos, palácios – eram construídos pela população em geral.
À medida que impérios se expandiam, recorriam contudo ao escravagismo de parte das populações conquistadas. As nações conquistadas podiam manter suas propriedades e vida social, desde que servissem aos novos monarcas. Comumente, os impostos e as condições servis eram mais rigorosas para conquistados do que para o povo originário. Ou seja, tomando o exemplo dos romanos: povos conquistados no Norte da África ou Oriente Médio eram tão servos quanto populações que viviam nos arrabaldes de Roma. Contudo, as condições de servidão eram muito mais ásperas quanto mais distante fosse o território conquistado.
Feudos medievais
Na Europa da Idade Média, os feudos, vilarejos rurais que combinavam produção agrícola, pecuária e atividades artesanais, eram controlados igualmente por nobres e clérigos. Nos dois casos, camponeses possuíam uma relação de dívida pessoal com esses senhores.
Dentro de cada um dos feudos, as terras eram distribuídas em reserva senhorial – área cujo cultivo pertencia integralmente ao senhor (lotes servis), lavrada para o sustento das famílias de camponeses – e área comunal – bosques e pastos utilizados coletivamente.
Os servos possuíam o direito de uso de seus lotes de terra e de seus instrumentos de trabalho (num regime de concessão), e em tese recebiam proteção do senhor, que detinha o controle militar. O pagamento dos servos ao senhor se dava por meio de uma extensa colcha de retalhos de tributos e obrigações:
- Banalidades. Era o pagamento pelo uso dos “banais”, ou os equipamentos e ferramentas que os camponeses eram forçados a utilizar na produção. Dificilmente vassalos podiam fazer uso de equipamentos que não fossem os do próprio suserano, e mesmo assim deviam por eles impostos.
- Corveia. Era o trabalho gratuito que os camponeses deviam ao senhor, por meio do contrato que tinham para uso da terra. Além do cultivo de sua propriedade, eram obrigados a dispor, em geral três dias por semana, de seu trabalho para realizar quaisquer outros afazeres determinados pelo suserano.
- Talha. Era a porcentagem da produção que os servos entregavam ao senhor, como pagamento pela proteção por ele oferecida, em termos militares.
- Formariage. Se um camponês casasse com uma mulher de outro feudo, deveria pagar uma taxa ao senhor para trazer a esposa para suas terras.
- Taxa de justiça. Quando servos cometiam infrações, além de julgados em um tribunal regido pelo próprio senhor, ainda deviam a ele uma taxa pela justiça.
Escravidão
Se nas relações servis o trabalhador deve impostos e é obrigado a usar os meios de produção e as terras do senhor, na escravidão o próprio trabalhador é de propriedade do senhor.
Relações escravistas de produção são observadas em diversos períodos e em diferentes sociedades. Em algumas delas a matriz escravagista era quase que exclusivamente a única para mão-de-obra pesada, como em regiões da Grécia Antiga e do Império Romano e em vastas áreas da colonização europeia no continente americano – por exemplo, colônias inglesas na América do Norte e colônia portuguesa (Brasil).
Nas sociedades escravagistas o trabalhador designado como escravo torna-se um meio de produção, uma ferramente aos proprietários. Como outros meios de produção, escravos podem ser negociados e comercializados, emprestados, concedidos, alugados e até destruídos pelos seus proprietários.
Exemplos históricos de escravidão
Nas sociedades da Antiguidade, o escravagismo principalmente utilizava-se de indivíduos capturados em territórios conquistados. A mão-de-obra escrava era uma motivação para a guerra e a consequência das conquistas a própria mão-de-obra escrava.
Ironicamente, a maioria dos grandes impérios da Antiguidade tiveram o seu apogeu por meio da ampliação da base de escravos, e também conheceram sua ruína quando encerrados os respectivos ciclos de expansão. Sem mais escravos, grandes impérios entraram em colapso – seja pela falta de mão-de-obra ou pela revolta das populações anteriormente escravizadas.
Na Idade Moderna, o escravagismo tornou-se um negócio para as potências europeias. A lógica das conquistas se manteve, mas desta vez o objetivo principal não era a colonização direta das regiões onde escravos eram capturados. Em geral, algumas colônias originavam escravos que eram então transportados e revendidos em outras colônias, onde sua mão-de-obra era utilizada para a produção de outros bens e mercadorias amplamente comercializados: açúcar, algodão, minérios em geral, madeira, etc.
Por: Carlos Artur Matos
Veja também:
- Sociologia do Trabalho
- Como o Trabalho se Transforma em Mercadoria
- A Ideologia do Trabalho
- Divisão Social do Trabalho