Dois desejos profundos e contraditórios se reconciliam no espírito do espectador de cinema: viver grandes aventuras no espaço e no tempo e, simultaneamente, aconchegar-se num ambiente acolhedor, a salvo de todo o perigo externo, em silêncio e na obscuridade. Imobilizado na poltrona de uma sala de espetáculos, o homem do século XX viveu apaixonados romances e travou guerras sem conta.
Cinema, ou cinematografia, é a arte e a técnica de projetar imagens animadas sobre uma tela, por meio do projetor. Para isso, os momentos sucessivos que compõem um movimento são registrados por uma máquina filmadora em filme fotográfico, fita transparente e flexível revestida de emulsão fotográfica. Revelado o filme, a projeção dos fotogramas em sequência mais rápida do que emprega o olho humano para captar as imagens faz com que a persistência destas na retina provoque sua fusão e produza a ilusão do movimento contínuo.
História
A história do cinema é curta se comparada à de outras artes, mas em seu primeiro centenário, comemorado em 1995, já produzira várias obras-primas. Entre os inventos precursores do cinema cabe citar as sombras chinesas, silhuetas projetadas sobre uma parede ou tela, surgidas na China cinco mil anos antes de Cristo e difundidas em Java e na Índia. Outra antecessora foi a lanterna mágica, caixa dotada de uma fonte de luz e lentes que enviava a uma tela imagens ampliadas, inventada pelo alemão Athanasius Kircher no século XVII.
A invenção da fotografia no século XIX pelos franceses Joseph-Nicéphore Niépce e Louis-Jacques Daguerre abriu caminho para o espetáculo do cinema, que também deve sua existência às pesquisas do inglês Peter Mark Roget e do belga Joseph-Antoine Plateau sobre a persistência da imagem na retina após ter sido vista.
Em 1833, o britânico W. G. Horner idealizou o zootrópio, jogo baseado na sucessão circular de imagens. Em 1877, o francês Émile Reynaud criou o teatro óptico, combinação de lanterna mágica e espelhos para projetar filmes de desenhos numa tela. Já então Eadweard Muybridge, nos Estados Unidos, experimentava o zoopraxinoscópio, decompondo em fotogramas corridas de cavalos. Por fim, outro americano, o prolífico inventor Thomas Alva Edison, desenvolvia, com o auxílio do escocês William Kennedy Dickson, o filme de celuloide e um aparelho para a visão individual de filmes chamado cinetoscópio.
Os irmãos Louis e Auguste Lumière, franceses, conseguiram projetar imagens ampliadas numa tela graças ao cinematógrafo, invento equipado com um mecanismo de arrasto para a película. Na apresentação pública de 28 de dezembro de 1895 no Grand Café do boulevard des Capucines, em Paris, o público viu, pela primeira vez, filmes como La Sortie des ouvriers de l’usine Lumière (A saída dos operários da fábrica Lumière) e L’Arrivée d’un train en gare (Chegada de um trem à estação), breves testemunhos da vida cotidiana.
Primórdios do filme mudo
Considerado o criador do espetáculo cinematográfico, o francês Georges Méliès foi o primeiro a encaminhar o novo invento no rumo da fantasia, transformando a fotografia animada, de divertimento que era, em meio de expressão artística. Méliès utilizou cenários e efeitos especiais em todos seus filmes, até em cinejornais, que reconstituíam eventos importantes com maquetes e truques ópticos. Dos trabalhos que deixou marcaram época Le Cuirassé Maine (1898; O encouraçado Maine), La Caverne maudite (1898; A caverna maldita), Cendrillon (1899; A Gata Borralheira), Le Petit Chaperon Rouge (1901; Chapeuzinho Vermelho), Voyage dans la Lune (1902; Viagem à Lua), baseado em romance de Júlio Verne e obra-prima; Le Royaume des fées (1903; O reino das fadas); Quatre cents farces du diable (1906; Quatrocentas farsas do diabo), com cinquenta truques, e Le Tunnel sous la Manche (1907; O túnel do canal da Mancha).
Os pioneiros ingleses, como James Williamson e George Albert Smith, formaram a chamada escola de Brighton, dedicada ao filme documental e primeira a utilizar rudimentos de montagem. Na França, Charles Pathé criou a primeira grande indústria de filmes; do curta-metragem passou, no grande estúdio construído em Vincennes com seu sócio Ferdinand Zecca, a realizar filmes longos em que substituíram a fantasia pelo realismo. O maior concorrente de Pathé foi Louis Gaumont, que também criou uma produtora e montou uma fábrica de equipamentos cinematográficos. E lançou a primeira mulher cineasta, Alice Guy.
Ainda na França foram feitas as primeiras comédias, e nelas se combinavam personagens divertidos com perseguições. O comediante mais popular da época foi Max Linder, criador de um tipo refinado, elegante e melancólico que antecedeu, de certo modo, o Carlitos de Chaplin. Também ali foram produzidos, antes da primeira guerra mundial (1914-1918) e durante o conflito, os primeiros filmes de aventuras em episódios quinzenais que atraíam o público. Os seriados mais famosos foram Fantômas (1913-1914) e Judex (1917), ambos de Louis Feuillade. A intenção de conquistar plateias mais cultas levou ao film d’art, teatro filmado com intérpretes da Comédie Française. O marco inicial dessa tendência foi L’Assassinat du duc de Guise (1908; O assassinato do duque de Guise), episódio histórico encenado com luxo e grandiloquência, mas demasiado estático.
Hollywood
Em 1896, o cinema substituía o cinetoscópio e filmes curtos de dançarinas, atores de vaudeville, desfiles e trens encheram as telas americanas. Surgiram as produções pioneiras de Edison e das companhias Biograph e Vitagraph. Edison, ambicionando dominar o mercado, travou com seus concorrentes uma disputa por patentes industriais.
Nova York já concentrava a produção cinematográfica em 1907, época em que Edwin S. Porter se firmara como diretor de estatura internacional. Dirigiu The Great Train Robbery (1903; O grande roubo do trem), considerado modelo dos filmes de ação e, em particular, do western. Seu seguidor foi David Wark Griffith, que começou como ator num filme do próprio Porter, Rescued from an Eagle’s Nest (1907; Salvo de um ninho de águia). Passando à direção, em 1908, com The Adventures of Dollie, Griffith ajudou a salvar a Biograph de graves problemas financeiros e até 1911 realizou 326 filmes de um e dois rolos.
Descobridor de grandes talentos como as atrizes Mary Pickford e Lillian Gish, Griffith inovou a linguagem cinematográfica com elementos como o flash-back, os grandes planos e as ações paralelas, consagrados em The Birth of a Nation (1915; O nascimento de uma nação) e Intolerance (1916), epopeias que conquistaram a admiração do público e da crítica. Ao lado de Griffith é preciso destacar Thomas H. Ince, outro grande inovador estético e diretor de filmes de faroeste que já continham todos os tópicos do gênero num estilo épico e dramático.
Quando o negócio prosperou, acirrou-se a luta entre as grandes produtoras e distribuidoras pelo controle do mercado. Esse fato, aliado ao clima rigoroso da região atlântica, passou a dificultar as filmagens e levou os industriais do cinema a instalarem seus estúdios em Hollywood, um subúrbio de Los Angeles. Ali passaram a trabalhar grandes produtores como William Fox, Jesse Lasky e Adolph Zukor, fundadores da Famous Players, que, em 1927, converteu-se na Paramount Pictures, e Samuel Goldwyn.
As fábricas de sonho em que se transformaram as corporações do cinema descobriam ou inventavam astros e estrelas que garantiram o sucesso de suas produções, entre os quais nomes como Gloria Swanson, Dustin Farnum, Mabel Normand, Theda Bara, Roscoe “Fatty” Arbuckle (Chico Boia) e Mary Pickford, que, em 1919, fundou, com Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e Griffith, a produtora United Artists.
O gênio do cinema silencioso foi o inglês Charles Chaplin, que criou o inolvidável personagem de Carlitos, mescla de humor, poesia, ternura e crítica social. The Kid (1921; O garoto), The Gold Rush (1925; Em busca do ouro) e The Circus (1928; O circo) foram os seus filmes longos mais célebres do período. Depois da primeira guerra mundial, Hollywood superou em definitivo franceses, italianos, escandinavos e alemães, consolidando sua indústria cinematográfica e tornando conhecidos em todo o mundo comediantes como Buster Keaton ou Oliver Hardy e Stan Laurel (“O gordo e o magro”), bem como galãs do porte de Rodolfo Valentino, Wallace Reid e Richard Barthelmess e as atrizes Norma e Constance Talmadge, Ina Claire e Alla Nazimova.
Realistas e expressionistas alemães
Em 1917 foi criada a UFA, potente produtora que encabeçou a indústria cinematográfica alemã quando florescia o expressionismo na pintura e no teatro que então se faziam no país. O expressionismo, corrente estética que interpreta subjetivamente a realidade, recorre à distorção de rostos e ambientes, aos temas sombrios e ao monumentalismo dos cenários. Iniciara-se em 1914 com Der Golem (O autômato), de Paul Wegener, inspirado numa lenda judaica, e culminou com Das Kabinet des Dr. Caligari (1919; O gabinete do Dr. Caligari), de Robert Wiene, que influenciou artistas do mundo inteiro com seu esteticismo delirante. Outras obras desse movimento foram Schatten (1923; Sombras), de Arthur Robison, e o alucinante Das Wachsfigurenkabinett (1924; O gabinete das figuras de cera), de Paul Leni.
Convictos de que o expressionismo era apenas uma forma teatral aplicada ao filme, F. W. Murnau e Fritz Lang optaram por novas vertentes, como a do Kammerspielfilm, ou realismo psicológico, e o realismo social. Murnau estreou com o magistral Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922; Nosferatu, o vampiro) e destacou-se com o comovente Der letzte Mann (1924; O último dos homens). Fritz Lang, prolífico, realizou o clássico Die Nibelungen (Os Nibelungos), lenda germânica em duas partes; Siegfrieds Tod (1923; A morte de Siegfried) e Kriemhildes Rache (1924; A vingança de Kremilde); mas notabilizou-se com Metropolis (1926) e Spione (1927; Os espiões). Ambos emigraram para os Estados Unidos e fizeram carreira em Hollywood.
Outro grande cineasta, Georg Wilhelm Pabst, trocou o expressionismo pelo realismo social, em obras magníficas como Die freudlose Gasse (1925; A rua das lágrimas), Die Buchse der Pandora (1928; A caixa de Pandora) e Die Dreigroschenoper (1931; A ópera dos três vinténs).
Vanguarda francesa
No fim da primeira guerra mundial ocorreu na França uma renovação do cinema que coincidiu com os movimentos dadaísta e surrealista. Um grupo liderado pelo crítico e cineasta Louis Delluc quis fazer um cinema intelectualizado mas autônomo, inspirado na pintura impressionista. Nasceram daí obras como Fièvre (1921; Febre), do próprio Delluc, La Roue (1922; A roda), de Abel Gance, e Coeur fidèle (1923; Coração fiel), de Jean Epstein. O dadaísmo chegou à tela com Entracte (1924; Entreato), de René Clair, que estreara no mesmo ano com Paris qui dort (Paris que dorme), no qual um cientista louco imobiliza a cidade por meio de um raio misterioso. Entre os nomes desse grupo, um dos mais brilhantes é o de Germaine Dulac, que se destacou com La Souriante Mme. Beudet (1926) e La Coquille et le clergyman (1917).
A vanguarda aderiu ao abstracionismo com L’Étoile de mer (1927; A estrela do mar), de Man Ray, e ao surrealismo com os polêmicos Un Chien andalou (1928; O cão andaluz) e L’Âge d’or (1930; A idade dourada), de Luis Buñuel e Salvador Dalí, e Sang d’un poète (1930), de Jean Cocteau.
Escola nórdica
Os países escandinavos deram ao cinema mudo grandes diretores, que abordaram temas históricos e filosóficos. Entre os mais célebres estão os suecos Victor Sjöström e Mauritz Stiller e os dinamarqueses Benjamin Christensen — autor de Hexen (1919; A feitiçaria através dos tempos) — e Carl Theodor Dreyer, que, após Blade af satans bog (1919; Páginas do livro de Satã), dirigiu, na França, sua obra-prima, La Passion de Jeanne D’Arc (1928; O martírio de Joana D’Arc), e Vampyr (1931), coprodução franco-alemã.
Cinema soviético
Nos últimos anos do czarismo, a indústria cinematográfica da Rússia era dominada por estrangeiros. Em 1919, Lenin, o líder da revolução bolchevique, vendo no cinema uma arma ideológica para a construção do socialismo, decretou a nacionalização do setor e criou uma escola de cinema estatal.
Assentadas as bases industriais, desenvolveram-se temas e uma nova linguagem que exaltou o realismo. Destacaram-se o documentarista Dziga Vertov, com o kino glaz ou “câmara-olho”, e Lev Kuletchov, cujo laboratório experimental ressaltou a importância da montagem. Os mestres indiscutíveis da escola soviética foram Serguei Eisenstein, criador dos clássicos Bronenósets Potiomkin (1925; O encouraçado Potemkin), que relatava a malograda revolta de 1905; Oktiabr (1928; Outubro ou Os dez dias que abalaram o mundo), sobre a revolução de 1917; e Staroye i novoye (1929; A linha geral ou O velho e o novo), criticado pelos políticos ortodoxos e pela Enciclopédia soviética como obra de experimentos formalistas.
Discípulo de Kuletchov, Vsevolod Pudovkin dirigiu Mat (1926; Mãe), baseado no romance de Maksim Gorki; Konyets Sankt-Peterburga (1927; O fim de São Petersburgo) e Potomok Chingis-khan (1928; Tempestade sobre a Ásia ou O herdeiro de Gengis-Khan). O terceiro da grande tríade do cinema soviético foi o ucraniano Aleksandr Dovzhenko, cujos filmes mais aclamados foram Arsenal (1929), Zemlya (1930; A terra), poema bucólico, e Aerograd (1935).
Cinema italiano
A indústria italiana do cinema nasceu nos primeiros anos do século XX, mas só se firmou a partir de 1910, com épicos. melodramas e comédias de extraordinária aceitação popular. O primeiro encontro entre a cultura e o cinema na Itália teve a participação do escritor Gabriele D’Annunzio e culminou quando ele se associou a Giovanni Pastrone (na tela, Piero Fosco) em Cabiria, em 1914, síntese dos superespetáculos italianos e modelo para a indústria cinematográfica da década de 1920. Nesse filme, Pastrone usou cenários gigantescos, empregou pela primeira vez a técnica do travelling, fazendo a câmara deslocar-se sobre um carro, e usou iluminação artificial, fato notável para a época.
Entre os títulos mais famosos do período estão Quo vadis?, de Arturo Ambrosio, Addio giovinezza (1918; Adeus, mocidade) e Scampolo (1927), de Augusto Genina, ambos baseados em peças teatrais; Dante e Beatrice (1913), de Mario Caserini, versões de Gli ultimi giorni di Pompei (1913; Os últimos dias de Pompeia), de Enrico Guazzoni, e outros.
Surgimento do cinema sonoro. Desde a invenção do cinema já se experimentava em vários países a sincronização de imagem e som. Edison foi o primeiro a conseguir o milagre, mas os produtores não se interessaram de imediato: a sonorização implicaria a obsolescência de equipamentos, estúdios e salas de espetáculos, além de altíssimos investimentos.
Nos Estados Unidos, onde Griffith começara a perder prestígio após dirigir Broken Blossoms (1919; O lírio partido) e Orphans of the Storm (1921; Órfãos da tempestade), a crise levava a falências e fusões de algumas produtoras e ao aparecimento de outras mais audaciosas. Hollywood crescia, o estrelismo era um fenômeno consagrado, com salários astronômicos pagos a atores e atrizes como William S. Hart, Lon Chaney e Gloria Swanson, mas nem sempre as receitas eram compensadoras.
A expressão mais requintada do cinema mudo em suas diversas vertentes provinha de cineastas do nível de Cecil B. DeMille, com The Ten Commandments (1923; Os dez mandamentos) e King of Kings (1927; O rei dos reis); Henry King, com Tol’able David (1921; David, o caçula) e Stella Dallas (1925); King Vidor, com The Big Parade (1925; O grande desfile) e The Crowd (1928; A turba); Erich Von Stroheim, com Foolish Wives (1921; Esposas ingênuas), Greed (1924; Ouro e maldição) e The Merry Widow (1925; A viúva alegre), além de Ernst Lubitsch, James Cruze, Rex Ingram, Frank Borzage, Joseph Von Sternberg, Raoul Walsh e Maurice Tourneur. Todos eles contribuíam para o progresso estético do cinema, mas dependiam totalmente dos poderosos chefes de estúdio e das rendas da bilheteria.
À beira da falência, os irmãos Warner apostaram seu futuro no arriscado sistema sonoro, e o êxito do medíocre mas curioso The Jazz Singer (1927; O cantor de jazz) consagrou o chamado “cinema falado”, logo cantado e dançado. Dos Estados Unidos, os filmes sonoros se estenderam por todo o mundo, em luta com a estética muda. O cinema se converteu num espetáculo visual e sonoro, destinado a um público maior, e passou a dar mais importância aos elementos narrativos, o que levou a arte ao realismo e à dramaticidade do dia-a-dia.
Consolidado com obras como Hallelujah! (1929; Aleluia!), de King Vidor, e Applause (1929; Aplauso), de Rouben Mamoulian, o cinema sonoro resistiu à crise econômica da grande depressão e gradativamente enriqueceu gêneros e estilos. Mas Charles Chaplin, opondo-se ao sistema sonoro, continuou a criar obras-primas à base de pantomima fílmica, como City Lights (1931; Luzes da cidade) e Modern Times (1936; Tempos modernos).
Apesar da crise, Hollywood acreditou e investiu no país. A comédia, com Frank Capra, era a melhor representação do otimismo que sensibilizava os americanos, com obras aplaudidas como Mr. Deeds Goes to Town (1936; O galante Mr. Deeds), You Can’t Take It With You (1938; Do mundo nada se leva) e Mr. Smith Goes to Washington (1939; A mulher faz o homem). Popularizaram-se também na década de 1930 os filmes de gângster, par a par com os westerns, que se aprimoravam e ganhavam enredos complexos. O problema do banditismo urbano, questão social grave, foi abordado em filmes de impacto como Little Caesar (1930; Alma do lodo), de Mervyn Le Roy, The Public Enemy (1931; O inimigo público), de William Wellman, e Scarface (1932; Scarface, a vergonha de uma nação), de Howard Hawks, biografia disfarçada de Al Capone.
Hollywood focalizou os heróis e vilões da saga da conquista do oeste em filmes de ação como Stagecoach (1939; No tempo das diligências) e muitos outros de John Ford; Raoul Walsh, que em 1930 já experimentava a película de setenta milímetros com The Big Trail (A grande jornada); King Vidor, com Billy the Kid (1930; O vingador); e ainda William Wellman, Henry King, Cecil B. DeMille, Henry Hathaway e outros.
Outras vertentes fluíram, como o musical de Busby Berkeley e a série dançante de Fred Astaire e Ginger Rogers; as comédias malucas e sofisticadas que consagraram Ernst Lubitsch, Leo McCarey, Howard Hawks, William Wellman, Gregory La Cava e George Cukor, além dos irmãos Marx, que dispensavam diretores; e os dramas de horror como Frankenstein (1931), de James Whale, Dracula (1931), de Tod Browning, Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1932; O médico e o monstro), de Roubem Mamoulian, e The Mummy (1932; A múmia), de Karl Freund.
Finalmente floresceu o melodrama, com torrentes de sentimentalismo, dilemas morais e supremacia feminina. William Wyler destacou-se como diretor romântico em Wuthering Heights (1939; O morro dos ventos uivantes). Dentre outros realizadores que revigoraram o gênero figura o austríaco Josef Von Sternberg, responsável pela transformação da atriz alemã Marlene Dietrich em mito e símbolo sexual. Mas o melodrama teve em Greta Garbo sua maior estrela e nos diretores John M. Stahl, Clarence Brown, Frank Borzage e Robert Z. Leonard seus principais cultores.
Realismo poético na França
A chegada do filme sonoro levou os diretores franceses a trocar a vanguarda experimental por uma estética naturalista, iniciada por René Clair com Sous les toits de Paris (1930; Sob os telhados de Paris). Clair criou um estilo próprio de comentar a realidade com melancolia em Million (1931; O milhão), À nous la liberté (1932; Viva a liberdade) e outras comédias. Maior naturalismo apresentava a obra de Jean Renoir, que desvendou com violência, ironia e compaixão as fraquezas humanas em Les Bas-fonds (1936; Bas-fonds), La Grande Illusion (1937; A grande ilusão) e La Règle du jeu (1939; A regra do jogo), estes últimos votados pela crítica como dois dos maiores filmes do mundo.
O naturalismo e o realismo que dominaram a tela francesa na década de 1930 apresentava personagens das classes populares em ambientes sórdidos, tratados com poesia e pessimismo. Os diretores que participaram com realce dessa fase foram Marcel Carné, Jacques Feyder, Julien Duvivier, Pierre Chenal e Marc Allegret. No âmbito populista, o maior nome foi decerto o de Marcel Pagnol.
Outras escolas. Na Alemanha, o cinema sonoro firmou-se com ex-discípulos do expressionismo, como Fritz Lang, que fez M (1931; M, o vampiro de Dusseldorf). O nazismo coibiu a criatividade e policiou fortemente a produção. Na Inglaterra revelou-se um mestre do suspense, Alfred Hitchcock, que iria para os Estados Unidos em 1936. John Grierson e o brasileiro Alberto Cavalcanti, que se iniciara na França como cenógrafo, roteirista e diretor, desenvolveriam uma importante escola documental que focalizava os problemas sociais.
Na Itália, apesar da censura fascista, que só incentivava aventuras históricas e melodramas inócuos, floresceu a comédia de costumes, uma tendência denominada “caligráfica” por suas características formalistas. Entre os títulos e autores desse período se destacaram Alessandro Blasetti, em Ettore Fieramosca (1938) e Un giorno nella vita (1946; Um dia na vida); Mario Camerini, com Gli uomini, che mescalzoni! (1932; Os homens, que velhacos!); Goffredo Alessandrini, Mario Soldati, Amleto Palermi e outros. Na União Soviética, o culto da personalidade e o “realismo socialista” impostos pelo stalinismo não impediram o aparecimento de cineastas que fizeram filmes de bom nível. Exemplos foram Olga Preobrajenskaia, com Tikhii Don (1931; O Don silencioso), Nikolai Ekk, com o mundialmente famoso Putyova v jizn (1931; O caminho da vida), e Mark Donskoi, com Kak zakalyalas stal (1942; Assim foi temperado o aço).
Cinema no pós-guerra
Com o fim da segunda guerra mundial, o cinema internacional entrou numa fase de transição cujas principais características foram o repúdio às formas tradicionais de produção e um inédito compromisso ético dos artistas. Assumindo atitude mais crítica em relação aos problemas humanos, o cinema rompeu com a tirania dos estúdios e passou a procurar nas ruas o encontro de pessoas e realidades.
Itália
A queda do fascismo foi acompanhada de uma revolução estética consubstanciada no neo-realismo. De caráter político e social, os filmes desse movimento focalizavam situações dramáticas das camadas humildes da sociedade, com imaginação criadora e impressionante autenticidade. Luchino Visconti, com Ossessione (1942; Obsessão), abriu o caminho, consolidado com Roma, città aperta (1945; Roma cidade aberta), de Roberto Rossellini, sobre os últimos dias da ocupação nazista de Roma. Outros diretores desse ciclo foram Vittorio De Sica, autor de Ladri di biciclette (1948; Ladrões de bicicleta); Giuseppe de Santis, com Riso amaro (1948; Arroz amargo), e Alberto Lattuada, com Il mulino del Po (1948; O moinho do Pó).
As gerações seguintes de cineastas italianos formaram-se nessa tradição, mas imprimiram uma marca pessoal a suas obras: obsessões pessoais e fantasismo em Federico Fellini, realismo melancólico em Pietro Germi, consciência social em Francesco Rosi, contestação existencialista em Marco Bellocchio, intelectualismo desesperado em Pier Paolo Pasolini, angústia da incomunicabilidade em Michelangelo Antonioni.
Estados Unidos
Na década de 1940 destacou-se Orson Welles, que contribuiu para a arte do cinema com Citizen Kane (1941; Cidadão Kane), filme no qual utilizou recursos técnicos que revolucionariam a linguagem fílmica. A crise no cinema, motivada pela campanha anticomunista da Comissão de Atividades Antiamericanas, instigada pelo senador Joseph McCarthy, se aprofundou com a caça às bruxas e a intolerância levou ao exílio grandes cineastas como Charles Chaplin, Jules Dassin e Joseph Losey. Surgiram, no entanto, valores como John Huston, que se especializara em thrillers repletos de pessimismo como The Maltese Falcon (1941; Relíquia macabra), The Treasure of the Sierra Madre (1948; O tesouro de Sierra Madre) e The Asphalt Jungle (1950; O segredo das joias).
A essa geração pertenceram Elia Kazan, também diretor de teatro, o austríaco Billy Wilder, autor de comédias e da amarga sátira Sunset Boulevard (1950; Crepúsculo dos deuses), e Fred Zinnemann, cujo maior êxito foi High Noon (1952; Matar ou morrer). Na década de 1950, a comédia musical experimentou grande impulso, graças ao requintado Vincente Minnelli, ao diretor Stanley Donen e ao dançarino Gene Kelly, responsáveis pelo esfuziante e nostálgico Singin’ in the Rain (1952; Cantando na chuva) e o frenético e onírico On the Town (1949; Um dia em Nova York).
A popularização da televisão provocou séria crise financeira na indústria americana, ampliada pelo sucesso dos filmes europeus. Os produtores recorreram a truques como a tela panorâmica (Cinemascope), o cinema tridimensional e superproduções como Ben Hur (1959), de William Wyler. Mas em Hollywood ganhavam espaço os diretores intelectualizados, como Arthur Penn, John Frankenheimen, Sidney Lumet, Richard Brooks e outros. O maior expoente da época foi Stanley Kubrick, antimilitarista em Paths of Glory (1958; Glória feita de sangue) e futurista em 2001: A Space Odyssey (1968; 2001: uma odisseia no espaço).
O western utilizou o saber dos veteranos e se renovou com Anthony Mann, Nicholas Ray, Delmer Daves e John Sturges. A comédia de Jerry Lewis, no entanto, jamais repetiu a inventividade da escola de Mack Sennett, Buster Keaton, Harold Lloyd e outros ases da slapstick comedy — a comédia pastelão das décadas de 1920 e 1930.
Mais tarde, o fim dos grandes estúdios e, em parte, as exigências de um público jovem encaminharam para novos rumos o cinema americano. Uma visão independente e autocrítica do sistema de vida nos Estados Unidos tornou-se exemplar a partir da década de 1960 com Easy Rider (1969; Sem destino), de Dennis Hopper. Para satisfazer ao numeroso público juvenil, Steven Spielberg realizou espetáculos fascinantes, repletos de efeitos especiais e ação ininterrupta, como Raiders of the Lost Ark (1981; Caçadores da arca perdida) e E.T. (1982; E.T., o extraterrestre), enquanto George Lucas revitalizava o filão da ficção científica com o clássico Star Wars (1977; Guerra nas estrelas). Outros destaques cabem a Francis Ford Coppola e Martin Scorsese.
Finalmente, nas últimas décadas do século XX, enquanto a crise econômica avassalava os países subdesenvolvidos, incapazes de manter um cinema competitivo, os americanos reconquistaram faixas do público doméstico e disseminaram suas produções pela Europa, Ásia e nos países que emergiram da redistribuição geográfica decorrente do fim do bloco socialista. Tornaram-se frequentes as refilmagens e as novas abordagens de antigos dramas românticos, ao lado da exploração contínua de fantasias infantis, violência e sexo.
França
Depois da segunda guerra mundial, poucos diretores antigos mantiveram intacto seu estilo. A renovação estava à vista, como davam a entender os filmes de René Clément. No final da década de 1950, um movimento chamado nouvelle vague, liderado pelos críticos da revista Cahiers du Cinéma, reivindicou um “cinema de autor” pessoal, de livre expressão artística. Era o naturalismo que regressava sofisticado. Entre os iniciadores estavam Claude Chabrol e François Truffaut, diretor de Les Quatre Cents Coups (1959; Os incompreendidos), e Jean-Luc Godard, com À bout de souffle (1959; Acossado). Foi Godard quem melhor sintetizou as aspirações dos novos cineastas.
Intelectualizado e personalíssimo, Alain Resnais, com roteiro do romancista Alain Robbe-Grillet, realizou L’Année dernière à Marienbad (1960; O ano passado em Marienbad), um jogo intelectual com o tempo e o espaço que homenageiava o experimentalismo do passado. Bertrand Tavernier homenageou Jean Renoir em Un dimanche à la campagne (1984; Um sonho de domingo).
Reino Unido
Enquanto o país se recuperava dos estragos causados pela guerra, consolidou-se a indústria cinematográfica, impulsionada pelo produtor Arthur Rank, que colaborou com o ator e diretor Laurence Olivier em Hamlet (1948). Carol Reed, com The Third Man (1949; O terceiro homem), e David Lean, com Lawrence of Arabia (1962), tornaram-se os mais inventivos e vigorosos dos cineastas britânicos.
Após o medíocre decênio de 1950, salvo por comédias de costumes saídas dos estúdios da Ealing, e o de 1960, no qual se destacaram os filmes dos Beatles e os dramas do grupo do Free cinema, a produção inglesa recuperou-se fugazmente com os filmes de Joseph Losey, Hugh Hudson e Richard Attenborough. Os dois últimos ganharam, com Chariots of Fire (1980; Carruagens de fogo) e Gandhi (1982), o Oscar da Academia de Hollywood.
Espanha
Até o fim da guerra civil, em 1939, o cinema espanhol foi pouco relevante. A ditadura do general Francisco Franco manteve a indústria cinematográfica sob controle oficial e voltada para as reconstruções históricas. Apesar da censura, na década de 1950 apareceram diretores que se inspiraram na tradição realista para fazer crítica social e estudos de comportamentos. É o caso de Luis García Berlanga, que em Bienvenido Mr. Marshall (1952) satirizava o mundo rural e a presença dos Estados Unidos na Espanha, e de Juan Antonio Bardem, com Muerte de un ciclista (1955). A partir da década de 1960, Carlos Saura tornou-se o nome de maior prestígio internacional, com adaptações da literatura, como Carmen (1983), e do teatro, como peças de Federico García Lorca. A década de 1970 seria marcada pela comédia dramática cultivada por diretores como Pedro Almodóvar e Fernando Trueba.
América Latina
Nos países de língua espanhola do continente americano verificou-se, após a segunda guerra mundial, um esforço de produção quase sempre frustrado pelas ditaduras locais. Ainda assim, mexicanos e argentinos tiveram momentos de glória. No México se destacaram Emilio Fernandez, vencedor do festival de Cannes com Maria Candelaria (1948), e o espanhol Luís Buñuel, que passou do surrealismo a um cinema eclético mas sempre iconoclasta e realizou, em seu exílio mexicano, filmes como Los olvidados (1950; Os esquecidos), El ángel exterminador (1962) e Simón del desierto (1965).
Na Argentina predominaram por algum tempo os dramas passionais e as comédias sentimentais, contra os quais reagiram os membros da nueva ola, a nouvelle vague argentina. Fernando Birri e Leopoldo Torre-Nilsson, com La casa del ángel (1957), foram seus mais importantes criadores. Anos depois, Luis Puenzo obteve, com La historia oficial (1984), o Oscar de melhor filme estrangeiro. A criação do Instituto Cubano de Cinema, em 1959, impulsionou a arte e a indústria, produzindo diretores como Humberto Solás e Tomás Gutiérrez Alea e o documentarista Santiago Álvarez.
Outros países, outras correntes
O cinema japonês, passou a ser admirado no Ocidente após o festival de Veneza de 1951, graças a Rashomon, de Akira Kurosawa. Revelando rico passado, com múltiplas influências de teatro e tradições nacionais, desenvolveu-se com diretores de categoria: Mizoguchi Kenji, autor de Ogetsu monogatari (1953; Contos da lua vaga) e Kaneto Shindo com Genbaku noko (1952; Os filhos de Hiroxima). No cinema da Índia, onde a produção era enorme mas de pouco valor artístico, vale destacar Satyajit Ray, diretor de Pather Panchali, laureado em Cannes em 1956.
Nos países escandinavos o estilo do sueco Ingmar Bergman brilhou por quase três décadas, sempre explorando o aspecto existencial do ser humano em obras como Smultronstället (1957; Morangos silvestres), Det sjunde inseglet (1956; O sétimo selo) e muitos outros. Nos países do leste europeu, a orientação oficial para o realismo socialista foi superada por autores como o polonês Andrzej Wajda em Popiol i diament (1958; Cinzas e diamantes), o húngaro Miklós Jacsó em Szegenylegenyek (1966; Os desesperançados), e o soviético Andrei Tarkovski. Na antiga Tchecoslováquia, um cinema mais vigoroso apontou com seu supremo criador Milos Forman, principalmente com Lásky jedné plavovlásky (1965; Os amores de uma loura), êxito mundial que o conduziu a Hollywood.
Na Alemanha, a partir da década de 1960, progrediu um novo cinema de caráter crítico. Entre seus cineastas mais notáveis estavam Volker Schlondorff, Alexander Kluge, Rainer Werner Fassbinder, Win Wenders, Werner Herzog e Hans Jurgen Syberberg.
Autoria: Jonatas Francisco da Silva
Veja também:
- Cinema no Brasil
- História do Teatro
- Argumentista e roteirista – Profissão
- Cineasta – Profissão
- Modernismo no Brasil