Vida
Natural de Mecejana, no Ceará, José Martiniano de Alencar (1829-1877), de família culta e engajada na política, estudou somente no Brasil e formou-se em Direito em São Paulo. Sua carreira literária tem início com os artigos literários, políticos e econômicos publicados no Correio Mercantil, que depois foram reunidas nas crônicas de Ao correr da pena (1856).
O jornalismo certamente o auxiliou a afinar o instrumento expressivo. Alencar ganhou projeção no meio culto da época ao escrever artigos contra o medíocre poema de Gonçalves de Magalhães A Confederação dos Tamoios, criticando-lhe a falta de brasilidade e apresentando um programa para a literatura nacional, tendo como referência as tradições indígenas. Para justificar as críticas teóricas, Alencar partiu para a prática, escreveu o romance O Guarani e obteve grande sucesso junto ao público.
Os vinte e um romances do autor abordam o Brasil de Norte a Sul, o passado e o presente, a cidade e o campo, o litoral e o sertão, numa tentativa bem-sucedida de dar à literatura brasileira uma autonomia e um estilo singulares.
Antes da publicação de O guarani, Alencar escreveu duas obras de trama sentimental rudimentar: Cinco minutos (1856) e A viuvinha (1857). O ano de 1857 foi o apogeu de sua vida de escritor: além de A viuvinha e O guarani, saem os primeiros textos de suas peças teatrais, como A noite de São João e O Rio de Janeiro: verso e reverso; também é encenada sua peça O demônio familiar, editada em 1857.
Um aspecto fundamental da obra de José de Alencar é a sua contribuição para o “abrasileiramento” da língua literária. Em virtude de sua condição de língua transplantada, Alencar sentia a necessidade de uma ruptura com a tradição literária portuguesa não apenas na adoção de uma temática nacional, mas também em sua manifestação através de uma língua literária diferenciada da portuguesa e que pudesse ser chamada de “língua brasileira”.
O autor tinha plena consciência, entretanto, de que a língua literária não deve ser uma transposição da língua falada. No posfácio de Diva, o romancista exigiu que a língua literária fosse diferente da língua falada, mas que, no entanto, tivesse a mesma naturalidade da língua viva do povo.
Obras
Romances urbanos (narrativas ambientadas na época do autor que retratam os costumes da sociedade carioca do Segundo Reinado; alguns dos romances traçam certos perfis de mulheres, apresentando um estudo psicológico e denunciando as superficialidades da moral burguesa.): Cinco minutos (1857); A viuvinha (1860); Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Sonhos d’ouro (1872); Senhora (1875); Encarnação (1893, póstumo).
Romances indianistas e históricos: O Guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara (1874).
Romances históricos: As minas de prata (1865) – narra a saga dos bandeirantes desbravando os sertões brasileiros em busca do ouro; Guerra dos Mascates (1873) – o conflito entre Olinda e Recife ocorrido no início do século XVIII funciona como pretexto para o autor tecer críticas à política de D. Pedro II; Alfarrábios (1873) – são três narrativas menores: O garatuja, O ermitão da Glória e Alma de Lázaro.
Romances regionalistas (narrativas que visam a apresentar as características mais típicas das diversas regiões culturais do país): O gaúcho (1870); O tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875).
Teatro: O demônio familiar; Verso e reverso (1857); As asas de um anjo, representada em 1858 e publicada em 1860; Mãe, representada em 1860 e publicada em 1862; O jesuíta (1875).
José de Alencar e o romance urbano
O romance urbano de José de Alencar focaliza, especialmente, o ambiente da Corte fluminense do Segundo Reinado, da segunda metade do século XIX, portanto na época em que o autor viveu. Alencar critica a sociedade fluminense não com o intuito de transformá-la, e sim de valorizar a nostalgia de um passado a que somente a ficção poderia dar vida plena.
Em seus romances urbanos como Cinco minutos (1860), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d’ouro (1872), Senhora (1875) e Encarnação (1877), o autor compõe um quadro da sociedade fluminense e procura analisar, ainda que de forma superficial, o caráter psicológico de suas heroínas femininas, construindo os seus “perfis de mulher”. Lucíola, Diva e Senhora constituem o ponto alto de sua crítica social e de análise psicológica.
O romance urbano de Alencar, embora mantenha a estrutura folhetinesca, isto é, embora contenha sempre um herói, uma mocinha e um vilão como empecilho para um desfecho feliz, chama a atenção pelo desnudamento a que o autor submete a sociedade, mostrando como o dinheiro interfere nas relações pessoais.
Dos romances urbanos, Lucíola e Senhora merecem destaque. O tratamento da problemática social e os conflitos de consciência que angustiam as personagens são o ponto fundamental das narrativas.
Em Lucíola, Lúcia se prostitui para auxiliar os pais que estavam doentes. A beleza era atributo valorizado na corte, e as moças destituídas de dotes estavam destinadas a uma vida promíscua. Em Senhora, Aurélia Camargo compra um marido, Fernando Seixas, por cem contos de réis. O casamento é considerado a todo o momento como uma “empresa nupcial”.
O ponto de partida do autor é a convicção de que o dinheiro destitui os amantes de seus encantos e os transforma em seres estereotipados. Mas ao proceder à análise psicológica de suas personagens, ele permite ao leitor perceber que a singularidade humana não foi completamente corrompida pelo dinheiro, o que lhe permite, então, resgatar as suas personagens e dar a elas um desfecho feliz ou, então, justificar o porquê de sua servidão ao dinheiro, como é o caso de Lúcia, do romance Lucíola.
José de Alencar e o indianismo
Os três romances indianistas de José de Alencar O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874) cumprem uma função ideológica, que vem a ser a de criar um mito sobre a origem do povo brasileiro. Em tais romances, o cenário e o índio surgem como essência de uma natureza paradisíaca, pura, que o branco europeu alterará com sua presença, fazendo surgir uma nova raça, um novo povo e uma nova civilização.
O índio alencariano é comparado ao cavaleiro medieval dos romances românticos europeus: ele é puro, nobre de caráter, bravo guerreiro e está disposto a sacrificar sua vida em nome do amor. Assim acontecerá, por exemplo, com Iracema, cuja entrega sem limites ao guerreiro branco Martim Soares Moreno, o colonizador do Ceará, a afasta de seus irmãos Tabajaras e a leva a revelar ao branco o “segredo da Jurema”, a poção mágica que colocava o guerreiro indígena em contato com o deus Tupã. Iracema afasta-se de seu povo em nome do amor e por isso não pode ser condenada pelo leitor, já que qualquer um está sujeito aos feitiços do amor.
Não é outra a condição do herói goitacá Peri no romance O guarani: o herói se apaixona pela bela Ceci, filha de D. Antônio de Mariz, fidalgo português que se recusa a aceitar ordens do rei espanhol e ergue a sua majestosa casa em meio à floresta. Peri entrega-se de corpo e alma à sua Ceci, a quem chama de Iara (senhora), abandonando sua tribo e tornando-se fiel vassalo de D. Antônio.
No ideal romântico de José de Alencar, a pureza indígena é anterior ao tempo histórico da colonização. O índio vivia em estado de pureza, era o bom selvagem de Rousseau. Como não conhecia a maldade, entregou-se sem reservas ao branco. Evidentemente, Alencar jamais tocará no morticínio indígena, permanecerá restrito ao ideal romântico da união entre as duas civilizações que daria origem a uma terceira: a civilização brasileira.
Ubirajara, último dos romances indianistas, foi chamado por Alencar de Lenda Tupi. A narrativa ocorre antes da chegada do branco, revela a origem dos índios Ubirajara e se passa entre o Tocantins e o Araguaia.
De modo geral, as narrativas indianistas exaltam o cenário e o índio como elementos de valor em oposição aos valores da cultura europeia. Evidentemente, trata-se de uma exaltação romântica, o que significa ser ela mais idealista que realista.
O comportamento dos índios alencarianos não é de oposição ao branco, mas de aceitação e submissão passiva ao colono. O índio belo, forte e livre se modelou espontaneamente, na visão de José de Alencar, ao colonizador. Essa visão está diametralmente oposta à história da ocupação portuguesa no primeiro século da colonização.
Como autor romântico, Alencar forjou um mito nacional, com o intuito de legitimar a literatura brasileira, ainda que, para isso, fosse necessário alterar dados históricos. Tal atitude estava em total sintonia com o momento vivido pelo país: a independência política necessitava de uma independência cultural.
Alencar empregou seus esforços para fixar na literatura as marcas indeléveis de um estilo, de um modo de escrever, que deveria funcionar como referência para os demais escritores. Mais do que realidade, acreditava Alencar, a literatura necessitava de valores e estilos brasileiros. O indianismo era o filão a ser explorado para que com ele fosse possível fundar as bases do edifício da literatura brasileira.
Por: Wilson Teixeira Moutinho