Muitas das características das aves relacionam-se, direta ou indiretamente, ao voo. Elas estão adaptadas, tanto estrutural como funcionalmente, a fim de garantir um alto dispêndio de energia num corpo muito leve. Veja nesse trabalho o que faz as aves voarem,
Resumo
Em resumo, a adaptação ao voo foi possível pelo conjunto das seguintes características:
- forma aerodinâmica;
- cobertura leve (penas);
- presença de asas com penas especiais para o voo;
- esqueleto leve com ossos pneumáticos, esterno com quilha, costelas em Y;
- musculatura peitoral bem desenvolvida;
- ausência de dentes, maxilares leves;
- membrana nictitante;
- ausência de bexiga urinaria, urina sólida;
- oviparidade;
- endotermia.
A) Endotermia
O calor do corpo de uma ave é produzido internamente, a partir das reações químicas celulares que fazem parte do metabolismo, e é controlado na superfície do corpo.
B) Pele
O isolamento térmico é garantido pela camada de gordura subcutânea e pelas penas.
Além da epiderme e da derme, a pele das aves apresenta uma terceira camada, de tecido adiposo, a hipoderme, característica de animais que controlam sua temperatura, pois a gordura atua como isolante térmico. Essa camada é particularmente bem desenvolvida em aves com penas reduzidas, como os pinguins; como a gordura é menos densa que a água, essas aves também podem boiar facilmente.
A pele das aves, como a dos répteis, tem uma espessa camada da queratina, que evita perda de água e forma muitos anexos córneos (placas nos pés, garras, esporões, bico), dos quais as penas, com exclusividade.
Há penas especiais nas asas que são responsáveis pela superfície de ação no voo. A camada de ar retida entre as penas de cobertura isola termicamente o animal e facilita a flutuação em aves aquáticas. As penas também adaptam-no ao ambiente por meio de sua coloração.
A cobertura leve propiciada pelas penas mantém-se impermeável à água porque as aves espalham com o bico uma secreção oleosa da glândula uropigial (gr.: oura, cauda + puge, anca), situada dorsalmente na base da cauda e especialmente bem desenvolvida nas aves aquáticas. Essa é a única glândula tegumentar presente nas aves. Não há glândulas sudoríparas, uma vez que seriam de pouca utilidade num corpo densamente coberto de penas; além disso, penas molhadas ficariam pesadas e as asas, perderiam então a função voadora.
O controle da temperatura envolve vários mecanismos. Para evitar perdas de calor, a ave mantém a cobertura de penas afofada, aumentando a espessura da camada de ar isolante, recolhe as patas junto ao corpo, esconde a cabeça sob as asas. Para perder calor, uma ave mantém as penas bem juntas ao corpo, aumenta o volume de sangue circulante na pele, especialmente nas áreas não isoladas, como as patas, abre as asas, ofega, agita-se na água ou em terra úmida.
Esses mecanismos capacitam as aves a manter sua temperatura constante, em níveis relativamente altos, de 40° a 43°C. A necessidade de manter o metabolismo e a temperatura elevados impõe um limite mínimo no tamanho da ave, pois animais pequenos têm grande superfície corpórea em relação ao volume. Essa relação não pode ser crítica, isto é, o calor produzido pela massa corporal não pode ser menor que o calor dissipado pela grande superfície.
Os beija-flores ou colibris são as menores espécies de pássaros e, para manter suas necessidades energéticas, devem ingerir o equivalente a mais da metade de seu corpo em alimento (néctar) por dia. À noite hibernam, evitando, assim, o esgotamento de suas reservas. Nesse período a temperatura se iguala à do ambiente e o coração bate uma só vez por minuto, conservando apenas a circulação basal.
C) Esqueleto e músculos
Os ossos das aves são finos, ocos e muito leves. Os sacos aéreos, expansões membranosas dos pulmões, penetram no interior de muitos ossos chamados, por isso, de pneumáticos.
Dentes pesam e precisam implantar-se em maxilares fortes, movidos por músculos especiais. A cabeça das aves não pode ser pesada. Os maxilares leves são desprovidos de dentes e o bico — mesmo sendo grande como o de um tucano — é surpreendentemente leve. Aves que se alimentam de grãos trituram-nos numa moela bem desenvolvida, deslocada para o interior do corpo.
A cabeça e o pescoço são muito móveis. Como o bico é usado na captura de alimentos, alisamento das penas, construção de ninhos e defesa, a liberdade de movimentos da cabeça é muito importante.
O tronco é curto, com vértebras unidas, costelas em forma de Y, com o braço mais curto desse voltado para a parte posterior. Essa projeção posterior de cada costela apoia-se sobre a costela seguinte, dando maior firmeza à gaiola torácica (ver figura seguinte).
O osso esterno é largo e, nas aves voadoras, apresenta uma quilha que aumenta a área de inserção dos músculos do voo, que podem representar 25 a 35% do peso do corpo.
D) Órgãos sensoriais e sistema nervoso
O sentido do olfato não é tão importante para as aves que passam grande parte de suas vidas fora do chão, como é para aquelas que vivem sobre ele. O kiwi, ave noturna da Nova Zelândia, é capaz de farejar minhocas no solo.
A visão é muito importante para a maioria dos animais voadores; os olhos das aves são grandes e representam 15% do peso da cabeça. A visão a cores é bem desenvolvida. A acomodação visual e a mudança de foco podem ser feitas muito rapidamente pela ação voluntária dos músculos ciliares, que deformam o cristalino.
Sob as pálpebras existe uma membrana nictitante transparente que se estende sobre a superfície do globo ocular, protegendo-o contra ressecamento e poeira.
O sentido da audição é bem desenvolvido na maioria das aves, como é de se esperar pela importância do canto no comportamento de muitas espécies. O som é produzido na siringe, órgão situado na bifurcação da traqueia.
No encéfalo, o cerebelo — que coordena o equilíbrio postural e os movimentos — é proporcionalmente bem desenvolvido.
E) Digestão
Os bicos adaptam-se aos tipos de alimentos ingeridos pelas aves.
Nas aves que se alimentam de grãos, o esôfago tem uma dilatação chamada papo, onde o alimento fica armazenado e amolece pela absorção de água. O estômago é composto de duas partes: o estômago químico ou proventrículo (gr.: pro, em frente + lat: venthculus, estômago), pouco dilatado, que secreta o equivalente ao nosso suco gástrico; e o estômago mecânico ou moela, que tritura o alimento, misturando-o com o suco gástrico aí lançado.
Em corujas e muitas outras espécies carnívoras, a moela não é tão bem desenvolvida e atua na retenção de pelos, ossos e outros materiais não digeríveis, evitando sua passagem ao intestino. Todo esse material é regurgitado em pelotes.
O intestino termina numa cloaca.
F) Trocas gasosas
O pulmão das aves é proporcionalmente menor que o dos mamíferos, mas são mais eficientes porque mantêm o fluxo de ar numa única direção, mantendo a concentração de oxigênio em contato com as superfícies epiteliais de troca muito maior do que nos vertebrados que ventilam seus pulmões bidirecionalmente. Esse fluxo unidirecional só é possível porque os pulmões estão conectados com sacos aéreos anteriores e posteriores — expansões membranosas dos pulmões — que funcionam como foles e encontram-se expandidos entre órgãos. Alguns penetram em ossos através de pequenos orifícios e acabam por ocupar uma parte do espaço da medula óssea, reduzindo o peso da ave. Contribuem ainda para a regulação térmica, na medida em que sua ampla superfície permite a evaporação da água, dissipando calor do corpo.
Com esse equipamento, as aves conseguem oxigênio suficiente, mesmo voando em grandes altitudes, onde a pressão parcial de oxigênio é baixa.
G) Circulação
De nada adiantaria um equipamento respiratório tão sofisticado se não houvesse, paralelamente, uma evolução do sistema circulatório, que o colocasse no mesmo nível de eficiência. O coração é relativamente grande, completamente dividido em lados direito e esquerdo, impedindo a mistura do sangue arterial, rico em oxigênio, com o sangue venoso, que contém uma taxa muito baixa desse mesmo gás. Apenas como um dado anatômico que permite identificar as aves, nelas encontramos apenas uma artéria aorta que, ao sair do coração, curva-se para o lado direito do corpo.
H) Excreção
Como já discutido na adaptação dos vertebrados ao meio terrestre, o produto excretado pela urina, predominante nas aves, é o ácido úrico. Por se tratar de um composto nitrogenado quase insolúvel e pouco tóxico, pode ser eliminado com uma quantidade de água muito pequena, sob a forma de cristais, numa pasta branca, junto com as fezes. As aves não têm bexiga urinaria, o que as faz mais leves para o voo. Aves marinhas eliminam o excesso de sal através de glândulas situadas acima dos olhos e lançando-a no interior das fossas nasais.
I) Reprodução
Todas as aves apresentam sexos separados, dimorfismo sexual e fecundação interna. São oviparas e os ovos são ricos em vitelo e dotados de casca calcária; o âmnio e o alantoide estão presentes no desenvolvimento embrionário. A oviparidade soluciona o problema do reduzido espaço interno, evita o excesso de peso e não altera a dinâmica do voo, auferindo às aves uma certa independência em relação ao ninho, ao qual devem sempre retornar para chocar os ovos.
Em muitas espécies o ninho é importante nos primeiros cuidados com a prole; até o momento que os filhotes comecem a enxergar, emplumem-se e possam alçar voo.
Por: Paulo Magno da Costa Torres