Este trabalho tem por objetivo levantar os episódios que marcaram a Ditadura Militar em nosso país, bem como os governantes desse período e as obras que fizeram em seu governo.
O golpe militar de 1964
A crise política do governo Goulart contaminou as Forças Armadas: os altos oficiais se voltaram contra o presidente quando ele se aproximou dos oficiais de baixa patente. Ao mesmo tempo, a elite também estava insatisfeita com o populismo e com o risco de “comunização” do país.
A gota d’água para o golpe militar de 64 foi a presença de João Goulart numa reunião dos sargentos da baixa oficialidade das Forças Armadas, na qual o presidente fez um discurso de apoio ao movimento.
Logo após assistir ao discurso de Goulart pela televisão, o general Olímpio Mourão Filho partiu de Minas Gerais com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde recebeu o apoio do general Antônio Carlos Muricy e do marechal Odílio Denys. Os militares legalistas, sentindo-se traídos por Goulart, apoiaram o movimento, como comprova a participação do general Amauri Kruel, comandante das tropas paulistas.
Na região Nordeste, o general Justino Alves Bastos também agiu, depondo e prendendo os governadores Miguel Arraes, de Pernambuco, e Seixas Dória, de Sergipe, identificados como comunistas e possíveis focos de resistência ao golpe.
Goulart refugiou-se no Rio Grande do Sul. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vago o cargo de presidente, apesar de Jango se encontrar em território brasileiro. A Presidência passou para o presidente da Câmara de Deputados, Ranieri Mazzili, que transmitiu o poder a uma junta militar.
Os militares se referiam ao movimento de 1964 como uma revolução. Assim, o Comando Supremo da Revolução era formado pelo almirante Augusto Rademaker Grunewald, ministro da Marinha, pelo general Costa e Silva, ministro da Guerra, e pelo brigadeiro Francisco Correia de Melo, ministro da Aeronáutica, representando o conjunto das Forças Armadas.
O Ato Institucional nº 1
Procurando legitimar o golpe de Estado, o Comando Supremo da Revolução criou, em abril de 1964, o instrumento do Ato Institucional nº1 (Al-l). O documento foi redigido por Francisco Campos, o mesmo que elaborara a Polaca, a Constituição de inspiração fascista que dera plenos poderes a Getúlio durante o Estado Novo.
O Al-l ampliava os poderes do presidente, permitindo o uso de decretos-leis: um projeto de lei que não fosse apreciado pelo Congresso no prazo de 30 dias seria automaticamente transformado em lei. Permitia ainda que o Comando Supremo da Revolução cassasse os mandatos de parlamentares e destituísse juízes e funcionários públicos, e determinava que a eleição para presidente e vice-presidente seria realizada por um colégio eleitoral formado pelos congressistas do Legislativo, e não mais de forma direta.
Com o Al-l, o Comando Supremo da Revolução iniciaria um verdadeiro expurgo político, cassando todos aqueles identificados como possíveis inimigos para a ditadura militar; entre os cassados havia políticos conhecidos, como Jânio Quadros e João Goulart. O Comando poderia também destituir juízes, colocando outros, mais simpáticos ao regime militar.
A maior vencedora imediata nesse processo foi a UDN, que apoiou integralmente o movimento. Essa vitória e o sabor do poder seriam, porém, temporários, já que os militares possuíam planos bem mais longos do que os civis imaginavam.
O governo do Marechal Castelo Branco (1964-1967)
O primeiro presidente militar foi Castelo Branco. A princípio havia a crença de que seria o único e governaria com o intuito de “colocar a casa em ordem” para que os civis voltassem a governar o país. Não foi o que aconteceu.
De imediato, foi criado o Serviço Nacional de Informação (SNI) responsável pela coleta e análise de informações acerca da subversão interna. Esse serviço de inteligência foi usado para agir contra opositores do regime e se justificava por estar lastreado pela Doutrina de Segurança Nacional. Por fim, todos eram investigados ou passíveis de investigação, sendo as informações coletadas para intimidação.
Se a vigilância se fazia sentir sobre o conjunto da sociedade civil, a ditadura militar, em termos econômicos, revelou-se dócil com as empresas estrangeiras que atuavam no país. A lei de remessa de lucros para o exterior de 1962 foi revogada e substituída em 1964, garantindo a livre remessa de lucros. O Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) implementou políticas para ampliar os investimentos externos, favorecendo a desnacionalização da indústria do país.
No âmbito das leis do trabalho, a lei de greve garantia ao governo o poder de classificar se uma greve era de fato por direito trabalhista ou por motivação política, social ou religiosa. Na prática, a leitura entre greve política e de motivação econômica podia ser confundida e, por essa via, colocada na ilegalidade qualquer greve dos trabalhadores. Pela lei, só os tribunais trabalhistas poderiam consentir e garantir a legalidade desta ou daquela greve.
No período da administração Castelo Branco, a estabilidade no emprego foi substituída pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. Assim, poderiam ocorrer demissões e contratações por salários mais baixos sem maiores ônus aos empregadores.
Mais restrições em novos atos institucionais
Diante do avanço de grupos de esquerda nos governos estaduais, o governo militar procurou agir de forma a limitar a liberdade política nas unidades da federação. Um bom exemplo disso, em 1965, foi a edição do AI-2, logo após a realização das eleições para governadores estaduais, em que saíram vitoriosos Negrão de Lima, no Rio de Janeiro e Israel Pinheiro, em Minas Gerais, considerados de “esquerda” pela ditadura militar.
Pelo AI-2, o Executivo passava a exercer controle sobre o Congresso Nacional e a ter poder de alterar o funcionamento do Judiciário. Além disso, houve a extinção dos partidos políticos, estabelecendo-se o bipartidarismo no país. Por Ato Complementar foram instituídos a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A Arena era o partido da situação, que dava sustentação ao governo. O MDB reunia a oposição. O AI-2 também promoveu novas cassações políticas.
No caso da limitação de liberdade política dos governos estaduais, o AI-3, decretado em 5 de fevereiro de 1966, determinou que as eleições para governador seriam indiretas. Percebe-se, então, o cerceamento das atividades políticas com a ameaça de cassação e com o controle sobre os deputados estaduais. Para restringir ainda mais o espaço de oposição, o Ato Institucional estabeleceu que os prefeitos das capitais e das cidades consideradas “áreas de segurança nacional” seriam nomeados pelos governadores.
Pelo exposto, conclui-se que apenas as eleições para deputados e senadores mantiveram-se na forma antiga, pelo voto direto dos eleitores.
Foram tantas as alterações que não se poderia dizer ali que a Constituição de 1946 ainda existia. Ela já havia sido completamente desfigurada. Lembre-se de que aquela Magna Carta havia ampliado a força do Legislativo, quando o país mal saíra da ditadura do Estado Novo. Agora, diante dos vários atos institucionais, o que se percebia era o reforço do Executivo em detrimento do Legislativo.
Diante da flagrante situação, a ditadura militar ainda instituiu o AI-4. Publicado em 7 de dezembro de 1966, transformava o Congresso, após as várias cassações, em Assembleia Constituinte, a fim de promulgar uma Constituição que consagrasse as alterações centralizadoras produzidas pelos atos institucionais.
Assim, em janeiro de 1967, uma nova Constituição era aprovada, legitimando o fortalecimento do poder do Executivo que passava a administrar diretamente a segurança e o orçamento.
O governo do marechal Artur da Costa e Silva (1967-1969)
A tão alentada volta do governo para as mãos dos civis por alguns políticos que apoiaram a Ditadura Militar não aconteceu. Substituindo Castelo Branco, assumiu a presidência o marechal Artur da Costa e Silva. Este era reconhecidamente um militar da chamada “linha dura”.
Seu governo foi pontuado pelo acirramento da luta entre os grupos da sociedade civil e os militares, em especial de setores estudantis e da baixa oficialidade que se articulavam de forma paramilitar contra o regime autoritário. Setores da sociedade civil insatisfeitos com a situação educacional, habitacional, agrária e econômica começavam a cobrar resultados prometidos e não cumpridos nos discursos militares.
Passeatas eram organizadas, manifestações públicas tornavam-se cotidianas e estudantes e artistas se reuniam para denunciar a falta de liberdade. Exemplo disso foi a Passeata dos Cem Mil, um dos principais fatos históricos ocorridos no Rio de Janeiro, em 1968. Pode-se afirmar que foi um marco simbólico da força estudantil, de artistas e intelectuais e da sociedade civil organizada contra a ditadura militar.
A esses grupos juntaram-se trabalhadores organizados em luta contra o arrocho salarial (os salários, desvalorizados pela inflação, não eram corrigidos). O MDB era a única voz política da oposição e uma voz frágil diante das arbitrariedades do poder militar. Isso induzia ainda mais os descontentes a se organizarem em grupos clandestinos armados, grupos guerrilheiros. Esta via tornou-se mais cristalina após a publicação do AI-5.
A ditadura escancarada no AI-5
Apesar das interdições militares às agitações, não havia juridicamente algo que as impedisse de ocorrer. Tal situação não durou muito. O incidente que teria justificado a adoção de uma medida ainda mais dura pelo Regime Militar aconteceu em 1968, às vésperas das comemorações do Dia da Independência do Brasil e consistiu em um pronunciamento no Congresso do deputado emedebista Márcio Moreira Alves. Criticando a ditadura, o deputado fez um apelo para que a população não comparecesse aos desfiles de comemoração do Dia da Independência em protesto contra a situação do país.
O governo, sentindo-se duramente atingido pelo discurso, solicitou ao Congresso licença para processar o deputado que gozava de imunidade parlamentar. Os congressistas, em maioria, não concederam a licença solicitada.
O que se viu foi uma resposta dura da ditadura com a decretação do AI-5. Pelo Ato, por período indeterminado, o presidente poderia fechar o Congresso, as assembleias legislativas estaduais e municipais; cassar mandatos de parlamentares; suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa; demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários federais, estaduais e municipais; demitir ou remover juízes; suspender as garantias do Poder Judiciário; decretar estado de sítio sem qualquer impedimento; confiscar bens como punição por corrupção; suspender o direito de habeas corpus em crimes contra a segurança nacional; julgar crimes políticos por tribunais militares; legislar por decreto e expedir outros atos institucionais ou complementares; proibir exame, pelo Poder Judiciário, de recursos impetrados por pessoas acusadas por meio do referido Ato Institucional.
Respaldados pelo AI-5, os agentes do Estado tiveram licença para cometer qualquer arbitrariedade em nome da ordem. Prisões eram feitas sem necessidade de um processo regular, e expedientes de obtenção de informações por tortura foram legitimados.
A Constituição promulgada em 1967, que já era centralizadora, foi desfigurada com a perda de garantias e liberdades civis. Os abusos logo se fizeram sentir em todo o conjunto social. Isso fez grupos da sociedade civil optarem pela luta armada. O movimento guerrilheiro ganhava força, e perseguições, desaparecimentos e assassinatos empreendidos pelos agentes do Estado cresciam na mesma proporção.
Costa e Silva, no segundo semestre de 1969, foi afastado por motivo de saúde (acometido de trombose cerebral), assumindo uma Junta Militar constituída pelos ministros das três corporações militares (Marinha, Exército e Aeronáutica). Tal junta apresentou uma Emenda à Constituição de 1967, incorporando os elementos de poder do AI-5.
Para alguns historiadores, o expediente instituía uma nova Constituição ao país. Os preparativos para uma nova eleição foram realizados. Foi eleito e empossado Emílio Garrastazu Médici. Os chamados “anos de chumbo” continuariam na dura repressão empreendida nesta nova administração militar.
O governo Médici (1969-1974)
O novo presidente do país afirmou que acabaria com o movimento guerrilheiro, o que de fato conseguiu. Em relação às reivindicações trabalhistas, dizia que os avanços nesse campo só ocorreriam com o crescimento da economia. Ela cresceu, mas os avanços não aconteceram. Estas duas questões marcaram o governo Médici: a repressão e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
A luta armada e seu desfecho
Logo no início de seu governo, Médici teve de combater uma oposição armada que crescia tanto no campo quanto na cidade. Houve ações espetaculares como sequestros de embaixadores, assaltos a bancos e invasões de quartéis. Dentre as organizações guerrilheiras, destacaram-se a Ação Libertadora Nacional (ALN, liderada pelo ex-deputado e ex-membro do PCB, Carlos Marighella), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR, liderada pelo ex-capitão do Exército, Carlos Lamarca) e o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8).
A mais conhecida e noticiada ação guerrilheira foi o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, realizado pela ALN e pelo MR-8. A exigência feita pelos guerrilheiros foi a libertação de 15 presos políticos, levados para fora do país, em segurança, em troca da vida do embaixador norte-americano. A repressão aos movimentos foi dura e ganhou uma configuração legal com a publicação dos Atos Institucionais no 13 e no 14.
O AI-13 estabelecia que os presos políticos trocados por embaixadores fossem considerados banidos do país, ou seja, exilados. Já o AI-14 acrescentava à Constituição de 1967 penalidades antes inexistentes: pena de morte, prisão perpétua e banimento.
Em 1969, para dar suporte jurídico às determinações contra os guerrilheiros, entre outros aspectos, foi instituída a Lei de Segurança Nacional. Por ela, as liberdades públicas no país ficavam comprometidas. A LSN foi um dos mais terríveis instrumentos de repressão. Os direitos individuais foram duramente atingidos, em especial os de reunião, de associação e da imprensa.
A aparelhagem de repressão aos movimentos de guerrilha contou com novos órgãos que praticavam sistematicamente a tortura. Entre esses aparelhos, destacaram-se o Centro de Informações do Exército (Ciex); o Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa) e o Centro de Informações da Marinha (Cenimar); o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi); e a Operação Bandeirantes (Oban).
Dezenas de milhares de esquerdistas, intelectuais, estudantes, sindicalistas e operários foram feitos reféns dos grupos de informações e de tortura, contabilizando algumas centenas de desaparecidos.
O “milagre econômico”
Ao mesmo tempo que empreendia uma intensa caçada aos grupos guerrilheiros e abolia liberdades civis, o governo Médici avançou no plano econômico com o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Uma equipe de tecnocratas reuniu-se para planejar a economia e garantir-lhe eficiência e rentabilidade, evitando a capacidade ociosa.
Dentre as metas, estavam a elevação do Brasil à condição de nação desenvolvida; a multiplicação por dois da renda per capita; e a ampliação da economia com base no crescimento anual de 8% a 10% do PIB (Produto Interno Bruto).
O ministro Delfim Netto capitaneou a equipe responsável pela elaboração e implementação do plano. Para ele, era necessário “primeiro crescer, para depois dividir o bolo”. O crescimento significativo do PIB, entretanto, não repercutiu em melhor distribuição de renda.
Nota-se que o nível de emprego cresceu e as famílias passaram a ter mais integrantes inseridos no mercado de trabalho, contudo os salários eram achatados elevando a concentração das riquezas produzidas.
O vertiginoso crescimento econômico ficou conhecido como “milagre econômico”. O Estado atuou realizando investimentos diretos em setores estratégicos, ampliando o endividamento externo. Além disso, as transnacionais realizaram elevados investimentos estrangeiros, principalmente nos setores da indústria automobilística e de eletrodomésticos, ou seja, em produtos de luxo para uma determinada parcela da sociedade brasileira, exatamente aqueles que possuíam maior poder aquisitivo.
O “milagre” também criou a ilusão de consumo nas camadas mais populares por facilitar a obtenção de crédito bancário. Muitos começaram a consumir por financiamento em lojas de crediário, com as prestações divididas em 12 e em até 24 meses.
Os investimentos repercutiram em um crescimento do PIB superior a 12% até 1973. Nesse ano, o crescimento ficou pouco abaixo de 10%, contudo o ritmo de crescimento da inflação foi ainda maior, atingindo índice de 20% ao ano, enquanto a dívida externa brasileira era multiplicada por dois.
Os ricos ficavam mais ricos e os pobres mais pobres.
O Regime Militar atuava no campo da propaganda afirmando um nacionalismo exaltado, que procurava mascarar as diferenças sociais e promover a crença de que o progresso material era uma conquista de todos. Aos que falavam mal da ditadura restavam a perseguição e o exílio. Uma das propagandas dizia: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
A campanha governista era voltada para criar uma imagem internamente positiva, escondendo o que se passava nos órgãos de tortura e extermínio, os chamados “porões da ditadura”. A exploração do sentimento nacionalista e a divulgação das grandes obras públicas pretendiam sinalizar que a ditadura militar, antes de tudo, preocupava-se com a nação brasileira.
Entre as grandes obras empreendidas pelo regime que ganhavam a conotação de obras de engrandecimento do país, destacaram-se a Ponte Rio-Niterói, a construção da Usina de Itaipu e a rodovia Transamazônica.
O governo do general Ernesto Geisel (1974-1979): do fim do “milagre” à abertura política
O cenário internacional havia sido alterado sensivelmente de 1973 para 1974. A primeira crise internacional do petróleo afetou a economia brasileira. O custo da dívida externa cresceu, os investimentos foram suspensos e aumentaram as remessas de capital (lucros) para o exterior. O “milagre brasileiro” se encerrava, e o presidente militar substituto, Ernesto Geisel, conviveria com uma crise econômica crescente, aliada com o descontentamento popular e com o crescimento da oposição político-institucional ao Regime Militar.
O presidente, reconhecendo as dificuldades, fez a promessa de realizar uma “distensão política lenta, segura e gradual”. Isso animava as oposições institucionais, em especial a praticada pelo MDB.
O movimento ascensional do MDB e o governo militar
O Movimento Democrático Brasileiro soube canalizar para si o descontentamento generalizado em relação à inflação, ao desemprego e à concentração de renda. A cada eleição somava mais votos e ganhava mais cadeiras nos legislativos municipais, estaduais e federal.
As votações mais expressivas conferidas ao MDB ocorreram nos grandes centros urbanos. Os descontentes deram apoio ao partido, transformando as eleições parlamentares de 1974 na luta pelo retorno ao Estado de direito e às garantias individuais. Essa era uma mudança significativa de postura, pois, até ali, vários grupos de oposição defendiam o voto nulo.
O regime, apesar de acenar com a possibilidade de uma abertura lenta, iniciava uma onda de perseguições, com várias prisões acontecendo no país, em especial em São Paulo. Em outubro de 1975, o jornalista preso, Wladimir Herzog, e o metalúrgico Manuel Fiel Filho foram mortos nas dependências do DOI-Codi. Os responsáveis pela repressão montaram um relatório em que afirmavam que as duas pessoas haviam se suicidado. Já as fotos divulgadas apontavam que os dois haviam sido assassinados nas dependências do órgão de repressão.
Uma manifestação silenciosa tomou conta do coração da cidade, a Praça da Sé. A situação revelava que a abertura seria mais lenta do que se esperava.
Apesar disso, as oposições se movimentavam nos espaços permitidos às suas manifestações. Um deles era o horário político eleitoral no rádio e na televisão. Nestes veículos de comunicação, os candidatos podiam promover suas plataformas políticas.
O governo militar logo percebeu esse espaço e, temendo o crescimento da oposição (MDB) a quatro meses das eleições municipais de 1976, baixou o Decreto-lei no 6.639, de autoria do ministro da Justiça, Armando Falcão: era a “Lei Falcão”, que proibia exposição das ideias dos candidatos por meio do rádio e da televisão no horário de propaganda política gratuita.
Esse horário seria utilizado apenas para que fossem apresentados o nome, o número, o cargo a que concorria e a sua legenda partidária. Depois dessa apresentação, haveria a exposição de uma espécie de currículo do candidato. A ideia era “despolitizar” a eleição, evitando que os insatisfeitos com a situação política aumentassem a quantidade de votos do MDB.
Mesmo assim, a representação política do MDB cresceu, mas a Arena continuava com a maioria dos representantes.
Novas medidas antioposição: o “pacote de abril”
Em março de 1977, sob pretexto de não ter obtido o apoio da oposição para promover a reforma do Poder Judiciário, o presidente, com base nos dispositivos do AI-5, fechou o Congresso Nacional e, em abril, editou a Emenda Constitucional no 8, comumente conhecida como “pacote de abril”.
Assim, de cima para baixo, o governo Geisel empreendeu mudanças significativas no Judiciário e no Legislativo. De acordo com a Emenda, reformava-se o Judiciário; criava-se o Conselho da Magistratura, encarregado de disciplinar a atuação dos juízes; instituíam-se os tribunais militares, responsáveis pelo julgamento de policiais militares; mantinha-se a eleição indireta para governadores de estado; alterava-se o número de deputados federais no Congresso: não seria mais proporcional ao número de eleitores no estado, mas ao total de sua população (elevando a representação da bancada federal dos estados do Norte e Nordeste, onde a Arena era mais forte).
Foi, ainda, estabelecido o “senador biônico”. O Senado foi acrescido em um terço (um por estado) do seu número, sendo o terceiro senador eleito por um colégio eleitoral, ao passo que os outros 2/3 seriam por eleição direta.
A contenção dos oposicionistas continuou ao longo do governo Geisel. Pode-se evidenciar a cassação dos mandatos políticos de um senador, de sete deputados federais, de dois deputados estaduais e de dois vereadores, além, é claro, do fechamento do Congresso Nacional, em 1977.
Dificuldades econômicas e política externa
O governo Geisel já havia herdado uma situação econômica difícil. Tal quadro da economia agravou-se com a sensível queda nas atividades produtivas, além do incremento da carestia e da dívida externa. A crise não era apenas no Brasil, era internacional, o que também afetou a balança comercial brasileira, pois reduziu as possibilidades de exportação do país. Para piorar, o mercado consumidor interno brasileiro diminuiu, e a concentração de renda se manteve.
A ditadura militar procurava lidar com a situação pretendendo alargar os parceiros comerciais internacionais e, para tanto, lançou uma política externa denominada de “pragmatismo responsável”. Por tal política, o Brasil procurou estreitar mais os laços com os países árabes, grandes produtores e exportadores de petróleo, além de permitir a criação de um escritório da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Brasília. A disposição de apoiar os palestinos vinha da consideração que isso poderia abrir ainda mais as negociações comerciais na região, ampliando as possibilidades de exportação.
Além disso, o “pragmatismo responsável” instaurou uma nova gama de relações com nações do continente africano, como Líbia e Argélia, além da aproximação estratégica com os recém-criados países, antes colônias portuguesas, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Neste caso, deve-se levar em consideração que os movimentos de libertação dos dois países eram conduzidos por grupos de inspiração socialista.
A política externa brasileira também procurou aprofundar as relações comerciais com o bloco socialista, além de restabelecer uma relação diplomático-comercial com a República Popular da China, em 1974.
Houve ainda, fora da política de alinhamento com os Estados Unidos, o estabelecimento de novas relações com os países europeus ocidentais e com o Japão. Transferências tecnológicas e captação de investimentos deram o tom das iniciativas do governo brasileiro. O governo estadunidense percebeu o relativo afastamento do Brasil de sua política e tentou impedir que o país tivesse tecnologia para a construção de usinas nucleares. Mesmo assim, o governo brasileiro, atuando junto à Alemanha, conseguiu iniciar a construção das usinas nucleares de Angra dos Reis. Desde então, o governo de Jimmy Carter, presidente dos EUA, passou a pressionar o Brasil em relação à política de direitos humanos.
Ainda no campo econômico, a ditadura investiu em combustível alternativo aos derivados do petróleo, com pesquisas e aplicação da energia de biomassa. Este foi o programa do etanol, o Proálcool, subsidiado com recursos da Petrobras.
O Governo Figueiredo: a anistia
Geisel escolheu seu sucessor. João Batista Figueiredo, seu aliado, que a partir de 1979 daria continuidade à política de abertura lenta e gradual. Privilegiado por mudanças políticas, Figueiredo teve seis anos para acelerar a redemocratização e reverter a crise econômica.
A Lei da Anistia
O processo de abertura política liderado por João Batista Figueiredo foi tenso: ele teve de enfrentar as crises econômicas herdeiras do “milagre”, com inflação e juros altos, além de precisar contornar a reação da direita, que, após a anistia, nunca foi punida pelos ataques e atentados.
A Lei de Anistia, de agosto de 1979, garantiria a anistia ampla, geral e irrestrita que vinha sendo exigida pelos movimentos sociais, em especial pelo Comitê Brasileiro de Anistia (CBA). Ela permitiu o retomo de antigos líderes políticos e de guerrilheiros que haviam sido perseguidos pela ditadura durante os “anos de chumbo” (período marcado pela repressão, que foi de 1979 a 1985). Incluía também a anistia a perseguidores e torturadores, o que gerou revolta em parte da sociedade.
Partidos políticos e movimento sindical
O desafio do presidente Figueiredo era fazer a abertura política gradualmente, afinal ainda era um militar no poder. Por isso, numa tentativa de retardar a oposição, criou uma nova lei para os partidos políticos.
A Lei Orgânica dos Partidos exigia que as entidades acrescentassem a inicial P (de Partido) à sigla e determinou também o retomo do pluripartidarismo: a Arena passou a ser o PDS (Partido Democrático Social) e o MDB, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), mantendo-se quase intacta a sigla que era sinônimo de oposição ao regime militar.
Apesar disso, o MDB não conservou todos os seus quadros: muitos políticos que lutavam dentro da legenda a deixaram para fundar seus próprios partidos. Ademais, o retomo dos políticos anistiados permitiu a volta do antigo PTB, sob o comando de Ivete Vargas (sobrinha-neta de Getúlio Vargas), e a criação do Partido Democrático dos Trabalhadores (PDT) por Leonel Brizola, a quem a justiça brasileira negara o direito de usar a sigla PTB. Em 1980, fruto do ressurgimento do movimento sindical, nasceu um partido formado e liderado por operários. O Partido dos Trabalhadores (PT) se destacava por ter sido criado de baixo para cima, sendo formado essencialmente por trabalhadores, ao contrário dos demais partidos, constituídos, em maior ou menor grau, por políticos profissionais vindos da elite.
Veja também:
- Os governos militares
- AI-5: Ato Constitucional Nº 5
- Como era a educação na ditadura militar
- Imprensa e Censura na Ditadura Militar
- Movimento Diretas Já