História do Brasil

Governo Médici, repressão e milagre econômico

Emílio Garrastazu Médici, um dos presidentes militares brasileiros, tomou posse no ano de 1969. Seu governo foi marcado pela aceleração da economia brasileira com base na realização de ambiciosas obras públicas e um modelo econômico agrícola-exportador. Entre 1970 e 1973, o governo Médici foi ainda marcado por um considerável aumento nas políticas de repressão.

A despeito do “Milagre Econômico“, a população de baixa renda assalariada continuou a demonstrar enorme índice de desigualdade em relação às classes mais abastadas. As políticas de repressão e a censura se mostraram eficientes ao reprimir greves e protestos e criaram um palco ainda mais iluminado para o infame projeto “Brasil Grande Potência” de Médici.

O sistema de repressão

Ainda que a vida seguisse normal, ou aparentemente, para muitos dos brasileiros, a verdade é que os mecanismos de repressão sofreram um recrudescimento no governo Médici. Aqueles acusados de subversão ou ataque à legitimidade do governo incorriam no risco de prisão, tortura e até mesmo morte, sem qualquer reconhecimento ou amparo jurídico e com recursos esvaziados pelos Atos Institucionais do governo anterior. Professores, estudantes, artistas, religiosos e militares contrários ao regime foram duramente perseguidos.

O aumento da repressão inspirou jovens da classe média a organizar-se, inspirados pelos ideais de esquerda e pela Revolução Cubana. Impedidos de agir às luzes, grupos ingressaram na clandestinidade e assumiram postura mais radical, criando as bases de uma luta armada. Em áreas urbanas, revolucionários ganharam um status de guerrilha e assumiram a autoria de assaltos a banco, sequestros de autoridades e outros atentados.

Eventualmente, no começo da década de 1970, a guerrilha reprimida na cidade decidiu espalhar-se pelo interior do país. Alguns focos de resistência resistiram ao contra-ataque do governo, porém foram suplantadas pelas forças militares. Exemplo disso é a Guerrilha do Araguaia, coordenada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B). Após quatro anos de resistência, os guerrilheiros foram varridos do campo pelas forças militares da Região Norte.

Líderes foram eventualmente presos, mortos ou exilados e os mecanismos de repressão, no intuito de evitar novas posturas similares, foram sofisticados e ganharam novas instituições.

  • DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).
  • DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), sediado em São Paulo, controlado pelo Segundo Exército e utilizado para a tortura de presos políticos.
  • SNI (Serviço Nacional de Informação).

Resistência cultural

Com o crescimento da repressão ditatorial, muitos dos revolucionários e subversivos passaram a buscar formas mais veladas e sutis de protesto – especialmente no campo cultural. Destaca-se o jornal O Pasquim, lançado no Rio de Janeiro, em 1969, editado pelo cartunista e ex-bancário Jaguar e apoiado por quadrinistas, como Millôr, Henfil e Ziraldo. Tratava-se de uma publicação humorística e de críticas à ditadura, repleta de textos e charges.

Alguns jornais e revistas destacaram-se com posturas de enfrentamento à ditadura – como Veja e a Folha de S. Paulo. A censura analisava e derrubava muito do conteúdo, porém jornalistas e escritores encontravam formas criativas de publicar críticas e contestações – receitas culinárias (que na verdade eram receitas de como opor-se ao sistema), fotografias, notícias em partes menos evidentes dos jornais, entre outros.

A música também foi muito utilizada como ferramenta de propagação de críticas ao governo. Artistas exilados continuavam sua produção no estrangeiro, expondo as arbitrariedades do regime brasileiro ao mundo.

Caricatura do sistema de repressão do governo Médici.
Caricatura de Ziraldo, publicada em 1970.

O “milagre econômico”

Após anos de crise, os preços do petróleo foram abaixo no mercado internacional. Era o momento certo para criar um programa nacional de investimentos pesado – que embora viesse a jogar o Brasil num tenebroso cenário de endividamento externo na década seguinte, criaria uma aceleração econômica sem precedentes no país.

Capitaneado por Antônio Delfim Netto, o regime econômico brasileiro iria às nuvens, com taxa de crescimento próximas às da China em nossos tempos. Delfim Netto precisava de um sistema que levasse a uma rápida aceleração do PIB, e para isso criou medidas que aumentassem simplesmente o produto, criassem uma balança comercial positiva e uma situação próxima de um cenário de pleno emprego.

Houve muitos investimentos externos no país, por meio da instalação de empresas multinacionais ou por empréstimos contraídos pelo governo, aumentando a dívida externa brasileira, especialmente com a formação de inúmeras novas estatais. E a partir da implantação do modelo, surgiria de forma velada um vilão que atormentaria os brasileiros por décadas – a inflação.

“O ano de 1970 iniciou-se trazendo sinais incômodos em matéria de inflação: de janeiro a março, enquanto o ICV acumulou alta de 4,4% (contra 5,6% em igual período de 1969), o IPA registrou
forte aceleração, atingindo 5,5% (oferta global – 2,5% em 1969) e 4,7% (disponibilidade interna – 2,3% em 1969). (MACARINI, 2005)

Por meio de propagandas, algo comum às ditaduras, o governo insistia na importância do crescimento econômico e divulgava os benefícios que os militares haviam trazido ao Brasil. O de sempre: empregos, grandes obras, economia forte.

Slogans ufanistas e pseudo-nacionalistas criaram um sentimento patriótico falso que perdura até os dias de hoje: “Brasil: ame-o ou deixe-o” ou “Ninguém segura este país”. A conquista da Copa do Mundo de futebol, em 1970, foi intensamente explorada pela propaganda ufanista governamental como uma vitória do próprio governo Médici. A ideia era simples – aceitar a coisa como era conduzida ou o exílio, mas colocado de um modo sutil e eufemista.

O “milagre” durou algum tempo e, de fato, trouxe alguma riqueza ao país como um todo. Quanto à “distribuição”, acabou nunca ocorrendo. Promessas de trabalho advindas de projetos públicos nababescos atraíam cada vez mais a população de baixa renda do campo e estados mais pobres da federação para as principais metrópoles do país. Nada coincidentemente, a partir do “milagre” as comunidades e favelas nos grandes centros brasileiros se tornaram verdadeiras cidades dentro de cidades.

Fim do milagre

O fim do “milagre econômico” ocorreu tanto por motivos externos quanto internos. Externamente, após uma guerra travada entre árabes e judeus, preços do petróleo voltaram a disparar, criando uma segunda crise do petróleo em 1973. Em 1979, um novo choque ocorreu, elevando em 170% os preços dos barris.

O Brasil, que na ocasião importava 80% do petróleo utilizado, foi profundamente impactado pelos preços da gasolina e do diesel, o que levaria o país a apostar e investir em combustíveis alternativos (como no programa Proalcool). Enquanto o álcool não virava uma opção realista, preços dos produtos e serviços foram às alturas, criando o prenúncio da hiperinflação dos anos 1980.

A estagnação econômica, após anos de vultoso crescimento, tornou-se inevitável. Inflação em alta, redução no consumo de bens duráveis, atraso tecnológico por conta da mal gerida política de substituição de importações, explosão da dívida externa e criação de um distanciamento de classes sociais ainda maior. E, com o fim do milagre, viria também o fim da popularidade dos governos militares, mesmo entre setores nos quais a rejeição ao regime não se mostrava, até então, tão alta.

Por: Carlos Artur Matos

Referências

  • ALENCAR, F.; RAMALHO, L. C.; RIBEIRO, M. V. T. História da sociedade brasileira. 14. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996.
  • NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura brasileira (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2014.
  • MACARINI, José Pedro. A política econômica do governo Médici: 1970-1973. Nova economia, v. 15, p. 53-92, 2005.

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